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Jornal Caderno Jurídico

Direito Civil e Processual Civil

A prova testemunhal no novo CPC

29/4/2017 às 16h41 | Atualizado em 29/4/2017 às 16h42 - Elpídio Donizetti
Elpídio Donizetti

“A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso” (art. 442, CPC/2015). Entretanto, não se admite a prova testemunhal quando se referir a fatos já provados por documento ou confissão da parte; ou que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados (art. 443, I e II, CPC/2015).

A prova testemunhal, exclusivamente, também não é admitida quando a lei exigir prova escrita da obrigação. Entretanto, se houver começo de prova por escrito, emanado da parte contra a qual se pretende produzir a prova, as testemunhas serão admitidas. Nesse caso, a prova testemunhal terá caráter subsidiário (art. 444, CPC/2015).

Não são todas as pessoas que podem testemunhar. A lei impede o testemunho dos incapazes, impedidos e suspeitos (art. 447, caput, CPC/2015). Sobre os incapazes, é imprescindível fazer uma comparação entre o disposto no Código Civil (com as modificações conferidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146/2015) e a lei processual.

De acordo com o novo CPC, são incapazes, para fins de depoimento como testemunha (art. 447, § 1º): I – o interdito por enfermidade ou deficiência mental; II – o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções; III – o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos; IV – o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam.

O art. 228 do Código Civil, cuja redação foi modificada pela Lei nº 13.146/2015, traz a seguinte disposição:

Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:

I – os menores de dezesseis anos;

II – (Revogado);

III – (Revogado);

III – o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;

IV – os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade, ou afinidade.

Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere este artigo.

A pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência exclui das pessoas impedidas de depor: (i) aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil; e (ii) os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam.

O novo CPC não revoga expressamente o disposto no art. 228 do Código Civil. Apesar disso, como ele entra em vigor em março de 2016 e o Estatuto da Pessoa com Deficiência tem sua vacatio legis ultimada em janeiro do mesmo ano, a consequência é: devem prevalecer as disposições do novo CPC.

Ocorre que é necessário interpretar a lei processual em conformidade com as garantias conferidas pelo Estatuto, que claramente se propõe a dignificar a pessoa com deficiência e a promover, em condições de igualdade, o exercício de todos os direitos que são conferidos às pessoas que não possuem essa condição.

Dessa forma, se a lei processual proíbe de depor “o interdito por enfermidade ou deficiência mental”, mas o Estatuto não traz essa limitação, o ideal é que o juiz se coloque diante da seguinte premissa: se a deficiência física ou mental não comprometer o ato processual, a pessoa, ainda que tenha sofrido processo de interdição, terá condições de servir como testemunha. Para tanto, devem ser oferecidos todos os recursos de tecnologia assistiva disponíveis para que ela tenha garantido o acesso à justiça (art. 80 do Estatuto).

Já em relação a “o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam”, apesar de o Estatuto ter revogado dispositivo que trazia redação semelhante no Código Civil (art. 123 da Lei nº 13.146/2015), não é possível afastar essa regra quando, por exemplo, a situação concreta demonstrar que a pessoa com deficiência visual não tinha como ter contato com o fato relatado, justamente por este depender de um sentido que lhe falta. A análise quanto à incapacidade para depor vai depender sempre do cotejo entre a situação concreta apresentada nos autos e a limitação apresentada pela pessoa que a parte ou o próprio juiz pretenda ouvir como testemunha

A lei processual acrescenta ao rol de impedidos de depor, ainda, (i) o que acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções; e (ii) o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos.

A primeira hipótese leva em consideração a condição da pessoa, que se mostra incompatível com o depoimento em juízo na qualidade de testemunha. Se, por exemplo, o processo envolve acidente de trânsito e uma das testemunhas machucou-se gravemente no acidente, pode ser que o seu discernimento quanto ao ocorrido esteja comprometido. O portador da Síndrome de Down, a depender do comprometimento intelectual, pode atuar como testemunha. O doente em fase terminal pode não estar habilitado a transmitir suas percepções, ainda que na data do fato a ser provado estivesse gozando de plena saúde física e mental. Mais uma vez, a análise quanto à capacidade para o testemunho dependerá da situação concreta apresentada.

Superadas essas questões, vejamos as outras pessoas que a lei impede de atuar como testemunha.

Os impedidos (art. 447, § 2º, CPC/2015) são aqueles cujo relacionamento pessoal com a causa em questão torna suas declarações incertas. Nessa categoria incluem-se os cônjuges, os companheiros, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral até o terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade. Também são impedidos de depor como testemunha o tutor na causa do menor tutelado, o representante legal da pessoa jurídica que figura como parte, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou tenham assistido as partes. As partes também foram incluídas no rol de pessoas impedidas, mas de maneira desnecessária. O depoimento da parte será colhido como depoimento pessoal, e não como prova testemunhal.[1]

Já os suspeitos são aqueles a cujo testemunho não se deve creditar muito valor, por motivos de sua esfera pessoal. São o inimigo capital da parte ou o seu amigo íntimo e os que tiverem interesse no litígio (art. 447, § 3º, CPC/2015). Ressalte-se que, nesse ponto, o novo Código excluiu do rol de suspeitos “o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a sentença” (art. 405, § 3º, I, do CPC/1973) e “o que, por seus costumes, não for digno de fé” (art. 405, § 3º, II, do CPC/1973). Na primeira hipótese, por mais que a sentença transitada em julgado demonstre certa parcialidade do sujeito, não se pode antever que a conduta típica venha a se repetir em todo e qualquer processo. Com relação ao “indigno de fé”, acreditamos que o Código acertou com a exclusão dessa hipótese de suspeição, porquanto seu caráter absolutamente subjetivo tornava a situação difícil de ser comprovada.

Sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas, mas os seus depoimentos serão prestados independentemente de compromisso e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer (art. 447, § 4º, CPC/2015). Em verdade, as pessoas menores, impedidas ou suspeitas não são consideradas como testemunha. Nesses casos elas serão ouvidas na condição de informantes.

O momento adequado para requerer a prova testemunhal é a petição inicial (art. 319, VI, CPC/2015), para o autor, ou a contestação, para o réu (art. 335, CPC/2015), ou então na fase de especificação de prova (art. 357, § 4º, CPC/2015). É no saneador que o juiz admitirá, ou não, essa espécie de prova. Entende-se, porém, implicitamente deferida a prova testemunhal previamente requerida quando o juiz simplesmente designa a audiência de instrução e julgamento (art. 357, V, CPC/2015). O número de testemunhas não pode ser superior a dez, sendo três, no máximo, para a prova de cada fato. O juiz poderá, no entanto, limitar o número de testemunhas levando-se em consideração as peculiaridades do caso concreto (art. 357, § 7º, CPC/2015). Também lhe é permitido indeferir a oitiva de testemunhas que tenha intuito meramente protelatório (art. 370, parágrafo único, CPC/2015). Isso vale para todas as provas produzidas no processo.

As testemunhas poderão ser ouvidas fora da sede do juízo quando estiverem impossibilitadas de comparecer (art. 449, parágrafo único, CPC/2015) ou, quando residirem em outra comarca, seção ou subseção judiciárias, for possível a oitiva por videoconferência ou outro recurso de transmissão de sons e imagens em tempo real (art. 453, § 1º, CPC/2015).

A intimação da testemunha deve ser feita pelo advogado que a arrolou, que a informará sobre a data, o horário e o local da audiência (art. 455, CPC/2015). A intimação será feita por carta com aviso de recebimento, o qual deverá ser juntado aos autos com antecedência mínima de três dias em relação à data da audiência (art. 455, § 1º, CPC/2015). Se a parte se comprometer a conduzir a testemunha à audiência, fica dispensada a intimação com posterior comprovação. Todavia, o não comparecimento para depoimento implica presunção de desistência da oitiva (art. 455, § 2º, CPC/2015).

Note que no CPC/1973 prevalece a regra de intimação pelo próprio juízo (art. 412). No novo Código a intimação pela via judicial passa a ser exceção, devendo ocorrer somente nas hipóteses previstas no § 4º do art. 455.

Outra novidade é que o CPC/2015 extingue o antiquado sistema de “reperguntas”, no qual a pergunta feita pela parte é dirigida ao juiz que, então, a redireciona para a testemunha. Nos termos do art. 459, CPC/2015, “as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, começando pela que a arrolou […]”.[2] Além de mais demorada, a formalidade exigida pelo CPC/1973 representava implicitamente uma pressuposição de deslealdade das partes para com as testemunhas. De acordo com o CPC/2015, cabe ao juiz intermediar, evitando perguntas de caráter protelatório, repetidas, que fujam do objeto, ou, ainda, que induzam a determinada resposta.

Além disso, é possível que o julgador formalize, antes ou depois das partes, as perguntas que achar pertinentes para o bom conhecimento da causa (art. 459, § 1º, CPC/2015). Nesse ponto, não se pode negar um avanço no que respeita à coleta da prova oral, embora a ideia inicial da Comissão de Juristas tenha sido seguir o modelo adversarial adotado nos países do Common Law, no qual cabe exclusivamente aos advogados interrogar as testemunhas. No novo CPC, o que se permite é a inquirição direta, sem aquela modorrenta repetição. Contudo, o protagonismo do juiz prevalece, uma vez que poderá iniciar e concluir a inquirição. A participação dos advogados será meramente complementar. A nosso ver, tendo em vista a simplicidade do nosso povo, que nem de longe se assemelha à formação das testemunhas residentes em Londres ou Nova Iorque, andou bem o legislador brasileiro.[3]

 

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[1] ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 480.

[2] No CPC/1973 a redação é a seguinte: “Art. 416. O juiz interrogará a testemunha sobre os fatos articulados, cabendo, primeiro à parte, que a arrolou, e depois à parte contrária, formular perguntas tendentes a esclarecer ou completar o depoimento”.

[3] Não é difícil encontrarmos casos nos quais o advogado orienta e influencia a testemunha. Veja como exemplo:<http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI220332,51045-Advogado+e+condenado+por+orientar+testemunha+a+mentir>.

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