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Jornal Caderno Jurídico

Direito Penal e Literatura

A Psicologia Criminal em "Crime e Castigo"

24/4/2017 às 23h51 | Atualizado em 25/4/2017 às 0h04 - Paulo Silas
Paulo Silas

Problematizar as questões aparentemente óbvias com relação ao crime é fundamental para auxiliar numa maior compreensão dos fenômenos sobre os quais o Direito se debruça, e a leitura de “Crime e Castigo” é um importante passo nesse sentido.

 

“Crime e Castigo”, de Fiódor Dostoiésvski, tem muito a nos ensinar. Esse grande clássico da literatura proporciona grandes ensinamentos de psicologia criminal - tanto quanto em muitos manuais técnicos que abordam a temática.

O robusto romance russo conta a história de Raskólnikov, personagem que em meio a diversas adversidades de ordem social e econômica, acaba por cometer um crime. Irresignado e angustiado com diversas inquietudes que lhes atormentam o ser, Raskólnikov decide dar fim à vida de uma velha e megera agiota. Ocorre ainda que durante o iter criminis, o protagonista é surpreendido com a aparição repentina da irmã de sua vítima. Não lhe resta opção que não a de matar também aquela que o flagranteara. Antes de deixar o local, o agora homicida subtrai também algumas joias que eram de propriedade da vítima original. E é assim que Raskólnikov executa o seu planejado crime – com algumas atuações ativas que tiveram de ser improvisadas, pois não previstas em seu plano, mas, ainda assim, um crime supostamente perfeito.

O que levou Raskólnikov a praticar o homicídio da velha agiota? O que o motivou a matar também uma pessoa que não constava em seus planos: mera “queima de arquivo”? E a subtração das joias, tratou-se de ato consequente da situação – também improvisada-, ou teria sido um dos motivos determinantes para o crime?

Como o leitor de “Crime e Castigo” pode constatar logo pelas primeiras páginas da obra, a resposta não é tão simples. O protagonista é um questionador, um ser pensante, uma pessoa que reflete e muito sobre a vida, o universo e tudo mais. Há em seu ser reflexivo fortes traços de uma filosofia existencialista, que o levam a conduzir os seus passos de acordo com toda uma estrutura refletida que cria previamente de maneira tormentosa. Há sentido, ou pode se constatar a morte deste (presença do niilismo também na obra)? O que faz com que as pessoas ajam conforme suas condutas aparentes? A determinações de trilhar da vida são próprias, inerentes da pessoa, ou são apenas seguidas de acordo com construções prévias de instituições sociais? As reflexões de Raskólnikov são várias. Daí o êxito do livro em esmiuçar a mente de alguém que comete um crime grave como o homicídio. Não existem respostas fáceis, e o excelente romance de Dostoiévski contribui para demonstrar toda essa complexidade de uma forma única.

Como mencionado, “Crime e Castigo” é uma obra robusta – tanto pelo tamanho, quanto pelo peso e profundidade que alcança. A leitura é necessária para todo acadêmico de direito, a fim de que as questões ali tratadas – atinentes ao que o Direito estuda – sejam problematizadas pelo estudante.

As inquietações do protagonista são prévias e posteriores ao crime: antes, quando articula suas justificativas para o crime pretendido - acreditando que estaria isento de culpa; depois, quando se vê atormentado pelas consequências de várias ordens que lhe afligem.

O que se passa na mente de um criminoso? O que o torna o dito “criminoso”? O que leva alguém a praticar determinado crime? Os atos praticados são refletidos? Há a culpa presente antes ou depois da prática daquilo que gera consequências em outros?

Para Alvino Augusto de Sá, os ditos criminosos não pensam e nem sabem exatamente o que fazem na medida em que:

 

os limites que se estabelecem entre a imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade constituem mera ilusão de um pensamento falsamente objetivo, ilusão essa da qual o Direito cegamente se serve, para tornar suas decisões ao menos aparentemente e formalmente corretas e “legalmente” bem fundamentadas. [...] O delinquente, ao atacar sua vítima, não sabe exatamente que ela é, não pensa sobre as consequências e todos os possíveis desdobramentos que sua ação criminosa poderá acarretar-lhe. Além de seus impulsos, suas carências e privações, a própria rotina e os hábitos do crime obliteram-lhe o pensamento e o cegam.

 

E Raskólnikov pode ser compreendido plenamente? Talvez nem mesmo o próprio assim o tenha, já que aquela mola propulsora que o compeliu a praticar o crime acabou sendo questionada em razão da angústia trazida pela “culpa” da prática daquele ato.

Nesse ponto, interessante observar os comentários Luiz Felipe Pondé sobre o protagonista e a ideologia desse em “Crime e Castigo”:

 

A raiz da rotação do seu movimento é, antes de tudo, a agonia em que ele fica, o desespero por não conseguir se convencer daquilo que queria. Para Dostoiévski, é melhor que ele não consiga se convencer, porque se o fizesse estaria no grau de degradação absoluta do ser humano. Embora haja a questão do amor em jogo, permanece um certo halo de mistério em torno da razão pela qual Raskólnikov não consegue se convencer de sua teoria. No final, ele acaba percebendo que matou aquela mulher porque queria e acabou; não foi por nenhuma teoria, porque ele é extremamente ordinário. Para Dostoiévski isto é fundamental: reconhecer que se pode matar pelo simples prazer de fazê-lo, ou para se livrar de uma dívida, é melhor do que afirmar que se está matando pela causa da humanidade.

 

Personagem complexo, autor complexo, obra complexa – tal qual a questão da psicologia envolta no crime. Problematizar as questões aparentemente óbvias com relação ao crime é fundamental para auxiliar numa maior compreensão dos fenômenos sobre os quais o Direito se debruça, e a leitura de “Crime e Castigo” é um importante passo nesse sentido.

Artigo publicado no Sala Criminal (www.salacriminal.com).

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Bibliografia consultada

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e Castigo. Porto Alegre: L&PM, 2009

PONDÉ, Luiz Felipe. Crítica e Profecia: a filosofia da religião em Dostoiévski. São Paulo: LeYa, 2013. p. 253-254

SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia Clínica e Psicologia Criminal. 3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 46

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