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Jornal Caderno Jurídico

Direito Constitucional

Atividade jurisdicional X ativismo judicial

19/7/2023 às 18h43 - Gleison do Prado
Divulgação Gleison do Prado “Toda decisão judicial ativista é ilegal e inconstitucional”, diz Gleison Prado, citando o constitucionalista Gerges Abboud

No contexto jurídico e político do país, muito se tem discutido sobre os limites da atividade jurisdicional e o fenômeno do ativismo judicial. Por este motivo, torna-se oportuno discorrer – ainda que brevemente – sobre ambos.

Afinal, o que é o ativismo judicial? Quais as principais diferenças existentes entre ele e a atividade jurisdicional? Esse fenômeno é ruim para o sistema de justiça brasileiro? Quais decisões podem ser consideradas como ativistas?

A atividade jurisdicional é desempenhada por magistrados, que, ao se revestirem com um fragmento do poder estatal, decidem litígios levados à apreciação do Poder Judiciário. No âmbito doutrinário, juristas de renome se debruçaram sobre estudos, versando esclarecer a natureza da função jurisdicional, bem como sobre suas características, contribuindo significativamente para toda a sociedade brasileira. Citamos como exemplo, lições do saudoso Arruda Alvim, que, na vigésima edição de sua obra Manual de Direito Processual Civil (Editora Thomson Reuters, ed. 2021, p. 105), destacou: “A função jurisdicional é de índole substitutiva. Se ela se destina a solucionar um conflito de interesses, tal como tenha sido trazido ao Estado-juiz, sob a forma e na medida da lide, deverá este, afirmar, sentenciando, a existência de uma vontade concreta da lei, favoravelmente àquela parte que seja merecedora da proteção jurídica. Essa prestação jurisdicional, que soluciona a lide, para que seja realizada com eficácia imutável, terá que ter validade e força absolutas, porquanto, se não as tiver, ainda perduraria o conflito”. É de se notar, desde logo, que a força soberana do Estado recai sobre a lide, ou seja, sobre os particulares, por meio da decisão proferida pelo juiz.

Ora, se a atividade jurisdicional pode ser entendida como a atuação do Estado-juiz, quais os limites da função exercida pelo magistrado?

Em termos processuais, destacamos que ao juiz é vedado proferir decisões ultra, infra ou citra petita. Dito de outra forma, o comando jurisdicional não pode ser prolatado para além (ultra) do pedido do autor da ação e nem tampouco ser aquém (infra) daquilo que foi rogado na inicial; também não poderá haver sentenças que disponham sobre conteúdos não deduzidos nos pedidos (citra).

Ainda nesse contexto, com rigor e clareza, o Dr. Pedro Felipe de Oliveira Santos – hoje, Desembargador Federal do TRF6 –, no discurso de posse para o cargo de Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, afirmou que: “A atividade jurisdicional dirige-se à sociedade, mas deve ser inspirada na Constituição e nas Leis. O Judiciário é o único ramo de Poder estatal cujos membros não são eleitos pelo povo. Essa opção institucional tem íntima relação com o nosso projeto de democracia”.

Ora bem, nessa toada, imperioso dar-se destaque à circunstância de que a Constituição Federal de 1988 é magnânima, a mais autêntica identidade jurídica do país e a ela devem se subordinar toda a legislação brasileira.

Por tal motivo, é de todo oportuno acenar para o fato de que os limites do próprio Estado de Direito se encontram na Carta Magna, e por isso, a resposta aos limites da atividade jurisdicional pode ser sutilmente, ou melhor, resumidamente respondida: a limitação de atuação do magistrado deve ser respeito às balizas da Constituição.

 

Passemos para o outro ponto a ser discutido: o que é o ativismo judicial?

O jovem e competente constitucionalista, Gerges Abboud, leciona que o desapego da legalidade e apego a discricionariedade constituem posturas ativistas que, além de perigosas ao Estado de Direito, devem ser extirpadas do ordenamento jurídico. Segundo ele, “o ativismo judicial apresenta-se como o abandono do direito pelo juiz na formação da decisão judicial” (Processo Constitucional Brasileiro, 5 ed., Editora: Thomson Reuters, 2021, p. 1508).

No atual contexto, prossegue o autor: “O ativismo deve ser compreendido como atuação dos juízes a partir de um desapego da legalidade vigente (CF + leis) para fazer prevalecer, por meio da decisão, sua própria subjetividade (viés ideológico, político, religioso etc.). Em termos qualitativos, toda decisão judicial ativista é ilegal e inconstitucional. Por conseguinte, o ativismo judicial, em aspectos funcionais, caracteriza atuação insidiosa do Poder Judiciário em relação aos demais Poderes, especialmente ao Legislativo, uma vez que a decisão ativista suplanta a lei e a própria Constituição” (Processo Constitucional Brasileiro... op. cit. p. 1520).

Se “em uma democracia constitucional, não é a ideologia a métrica de análise do Judiciário, mas sim o nível de sujeição de seus julgadores à legalidade existente” (Processo Constitucional Brasileiro... op. cit. p. 1521), não há como considerar esse fenômeno como sendo algo bom para o Estado Democrático de Direito. O princípio da legalidade impõe às decisões judiciais o máximo respeito à legislação em vigor, de modo que a discricionariedade baseada em viés ideológico haverá de ser eliminada em nome da segurança jurídica de uma nação em desenvolvimento.

É possível ver na doutrina processualista algumas espécies de ativismo judicial. Nas palavras de Jonatas Luis Moreira de Paula, existem, além de outras, “o ativismo contramajoritário (caracterizado na relutância em acatar as decisões da maioria democraticamente eleita e assim proteger os interesses da minoria); o ativismo material (caracterizado pela criação de novos direitos e novos preceitos constitucionais); e o ativismo remediador (caracterizado por impor ações positivas aos demais poderes)” (Ideologia, Jurisdição e Direitos Fundamentais, Editora: D’Plácido, 2022, p. 89).

Nesta perspectiva, por óbvio os direitos das minorias devem ser respeitados, de modo que, quando não houver legislação suficiente para regrar determinadas condutas sociais, caberá ao legislador criar os enunciados normativos, cabendo ao Judiciário, quando provocado, julgar ações constitucionais em razão da omissão legislativa (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO, Mandado de Injunção – MI e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF), evitando decidir para além dos limites jurisdicionais constitucionalmente permitidos; igualmente novas leis haverão de ser editadas e sancionadas pelo Congresso Nacional e Presidente da República, respectivamente, em respeito, portanto, ao devido processo legislativo; e os casos mais delicados, como, por exemplo, a concessão de um remédio ou tratamento de alto custo, a decisão sobrevirá com ponderação e razoabilidade, de tal forma que a decisão judicial não interfira, sobremaneira, na atuação do Poder Executivo na aplicação dos recursos públicos e gestão das políticas públicas.

Percebe-se, desde logo, que para toda e qualquer tentativa de ativismo judicial, existirá, no próprio sistema jurídico, mais especificamente, na Constituição e nas Leis, motivos legítimos para a sua razão de não existir.

Em deferência aos demais Poderes, na jurisdição montesquiana, ao Judiciário é defeso o ato de legislar. Cabe ao magistrado, assim, declarar a inconstitucionalidade de determinada lei quando for incompatível com a Carta Magna. À esta atuação, atribui-se o nome de legislador negativo, sobretudo quando órgão é o Supremo Tribunal Federal (STF), no controle de constitucionalidade.

Na obra Processo Constitucional e Democracia (Editora Thomson Reuters, 2021, p. 290-308), Luiz Guilherme Marinoni faz uma crítica ao voto proferido pelo ministro Luis Roberto Barroso no julgamento do Recurso Extraordinário 635.659, no qual o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento sobre a descriminalização do uso de drogas para consumo pessoal. Propôs o ministro Barroso um critério quantitativo de porte de maconha para uso pessoal (25 gramas). Tratou-se, portanto, de uma manifestação judicial (de um Ministro do STF!) propondo à Corte acrescentar ao cenário normativo da inconstitucionalidade da criminalização do uso pessoal de drogas, um critério que não foi objeto de deliberação pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, entendendo-se, contudo, tratar-se de uma manifestação ativista da Suprema Corte. Nessa toada, aduz Marinoni, que, “a tarefa de estabelecer uma nova regulação não seria da Corte, mas evidentemente do Parlamento”, pois, é vedado, ao juiz, legislar. Em sentido literal, “o juiz não tem qualquer legitimidade para ocupar o lugar do legislador, regulando o assunto segundo os seus critérios”.

À guisa de considerações finais, espera-se que o Poder Judiciário se abstenha de toda e qualquer manifestação de protagonismo que exceda os limites impostos pela Constituição Federal.

Ademais, quando provocada a decidir temas sensíveis, quando tratar-se de temas ainda não legislados em sua completude, espera-se que o Judiciário seja deferente (atento) aos demais Poderes, decidindo de modo a instigá-los a legislar sobre o assunto objeto de julgamento. Assim sendo, certamente caminharemos rumo ao fortalecimento das instituições democráticas do país, por meio do respeito mútuo e do diálogo institucional.

 

Gleison do Prado de Oliveira é acadêmico de Direito, graduado em Ciências Contábeis com pós em Gestão Pública e Direito Tributário.

 

Artigo publicado na versão impressa do Caderno Jurídico, de sexta-feira, 23 de junho de 2023. Acesse também www.jornalcoluna.com.br.

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