Criminologia
Controle social informal: uma dimensão da opinião pública sob a ótica da Criminologia
Antes de qualquer reflexão, cabe apresentar o ramo científico do qual faz parte o objeto de estudo então selecionado para a presente análise. Dessa forma, para se entender o controle social, insta trazer a lume o esclarecimento necessário acerca da ciência a que pertence o tema em questão, qual seja, a Criminologia, entendida como “o estudo e a explicação da infração legal; os meios formais e informais de que a sociedade se utiliza para lidar com o crime e com atos desviantes; a natureza das posturas com que as vítimas desses crimes serão atendidas pela sociedade; e, por derradeiro, o enfoque sobre o autor desses fatos desviantes” (SHECAIRA, 2004, p. 31).
Para Shecaira (2004, p. 38), “Ocupa-se a criminologia do estudo do delito, do delinquente, da vítima e do controle social do delito e, para tanto, lança mão de um objeto empírico e interdisciplinar”, sendo que, para esse autor, “a criminologia pretende conhecer a realidade para explicá-la”, aproximando-se “do fenômeno delitivo sem prejuízos, sem mediações, procurando obter uma informação direta deste fenômeno”, na medida em que “interessa saber como é a realidade, para explicá-la e compreender o problema criminal, bem como transformá-la”.
Nesse instante, conveniente é trazer à tona a noção de controle social, visto que, no entender de Viana (2018), apesar de a expressão em si não ser tão precisa quanto a extensão de seu real conteúdo, geralmente se associa o termo “controle social” à capacidade que uma sociedade tem de se autorregular, estabelecendo-se, dessa maneira, “os instrumentos, mecanismos e processos por meio dos quais é possível superar os inevitáveis conflitos decorrentes da convivência social e, com isso, alcançar o comportamento conforme” (VIANA, 2018, p. 181).
Dito isso, é importante diferenciar os dois tipos de controle social existentes, quais sejam, o formal e o informal. Por controle social formal ou regulativo, entende-se o “cabedal de instâncias das quais o Estado pode lançar mão para controlar a criminalidade: polícia, administração penitenciária, ministério público, juiz” (VIANA, 2018, p. 183). De maneira geral, o controle social, em sua dimensão formal, pode ser compreendido como o conjunto de órgãos de controle que “se utilizam da força e da coerção para impor a vontade estatal” (GONZAGA, 2018, p. 82).
Todavia, como adverte Viana (2018), por vezes, apenas a utilização do aparato formal de controle social não é suficiente para regular determinados comportamentos e orientar condutas. Isto é, no campo criminal, infere-se que “apenas a previsão das normas e sanções penais não é suficiente para formar a carga psicológica necessária à ‘socialização’ do indivíduo” (VIANA, 2018, p. 183).
Dessa forma, tem-se a necessidade da presença de controle social em sua concepção informal, uma vez “que o controle formal sem o informal teria, quando muito, um efeito medíocre; e o controle informal sem as instâncias formais poderia tornar-se estéril”. Eis, portanto, a razoável justificativa para se “falar em justaposição de controles, afinal – ao menos no plano das hipóteses – o controle social formal somente entrará em ação quando o informal falhar” (VIANA, 2018, p. 183).
Nessa toada, segundo Gonzaga (2018), a informalidade do controle social se refere à ausência de intervenção do Estado, de modo a constituir tal espécie de controle, por exemplo, a escola, a família, a igreja, e a opinião pública. A despeito da relevância social plenamente reconhecida das instituições de ensino, das entidades familiares e dos ensinamentos religiosos como formas de orientação especializada de conduta, cumpre, nesse ponto, a análise mais detida da chamada opinião pública.
Opinião pública: conceito e contextualização
Atualmente, os meios de comunicação constituem parte significativa da vida cotidiana do cidadão, em qualquer lugar do mundo. No que concerne à realidade brasileira, diariamente se tem notícia da prática de crime de ordens diversas, tais como, furtos, roubos, homicídios, latrocínios, extorsões, sequestros, ameaças, violência doméstica e familiar, e tantos outros casos lamentáveis de transgressão do ordenamento jurídico e da tão almejada harmonia social.
Essas informações são disponibilizadas à sociedade por intermédio dos meios de comunicação de massa, particularmente através dos famigerados programas policiais, em que se dá ampla publicidade até mesmo aos crimes mais bárbaros e socialmente desconcertantes. Todavia, as plataformas de notícias não mais se restringem à televisão, rádio ou mídia impressa; hoje, a internet se tornou lugar-comum e as redes sociais digitais assumiram posição de destaque.
Por inevitável, a facilidade de acesso a informações variadas também alcança a realidade criminal, igualmente abrangida pelo caráter dinâmico das plataformas digitais. Isso, no entanto, tem implicações no grau de conhecimento que a sociedade possui acerca da ocorrência de fatos criminosos, bem como sobre a identificação de deliquentes e vítimas. Sendo esses fatores estudados pela Criminologia, importa trazer à tona esse ramo do conhecimento criminológico para analisar a opinião coletiva, também chamada de opinião pública, como mecanismo de controle social em sua dimensão informal.
Para isso, esclareça-se que conceituar opinião pública é uma tarefa que inevitavelmente demanda considerável pesquisa e ponderação acerca das contribuições relativas a teóricas diversas, até mesmo conflitantes, uma vez que “tornou-se comum o uso do termo público para aludir a uma opinião que se considera majoritária, que é expressa publicamente ou que se tornou relevante em determinado contexto político e social”, razão pela qual “entender o que queremos dizer quando nos referimos à opinião pública não é algo tão simples como parece” (TESSEROLI, 2021, p. 44).
Tal dificuldade se acentua especialmente pela exposição constante ao termo “opinião pública”, quer pelos meios de comunicação de massa, tais como televisão e rádio, quer pelas contemporâneas formas de comunicação social massiva, a exemplo dos inúmeros formatos de redes sociais. Indaga-se, então, o real ou potencial impacto social efetuado pela apreensão da ideia de opinião pública, visto que se apresenta comumente como um fator delineador de políticas de governo, do comunitário ao nacional, de debates públicos e de conversas travadas em ambientes informais, inclusive.
De todo modo, a partir de buscas de representações conceituais dicionarizadas, constata-se que “a maioria converge para o entendimento de que a opinião pública seja o conjunto de ideias, opiniões e valores de uma sociedade em relação a determinado assunto”, considerando-se, demais disso, “que essa expressão diz respeito à opinião predominante em uma sociedade” (TESSEROLI, 2021, p. 44).
De todo modo, cumpre notar a advertência de Lippmann (apud TESSEROLI, 2021, p. 51), para que se faça a importante distinção relacionada à forma de apresentação do conceito de opinião pública. Para o citado autor, “opinião pública (com letras iniciais minúsculas) diz respeito às imagens que formamos em nossa mente, provenientes de nossas conversas culturais e de nossas relações com outras pessoas”. Por outro lado, “Opinião Pública (com letras iniciais maiúsculas) consiste no resultado da ação de grupos de interesse (entre eles e a mídia) ou de pessoas que agem em nome desses grupos (formadores de opinião)”. Disso, depreende-se que “a opinião reconhecida como pública seria, então, uma opinião tornada pública e aceita pelo público, em vez de uma opinião surgida no público” (LIPPMANN apud TESSEROLI, 2021, p. 51).
Demais disso, Kinder (1998, p. 189 apud CERVI, 2012, p. 16) inicialmente define a opinião pública como um “agregado que emerge responsivamente a mudanças sociais, políticas e econômicas, que sofre influência de elementos emocionais dos indivíduos”. Realça-se, por oportuno, a existência – ainda que latente – da influência de fatores de natureza emocional no que diz respeito à composição do conceito de opinião pública. Isto é, o fato de a opinião pertencer a um ser social, integrante do designativo “público”, indica, de determinado modo, que tal fenômeno não se constitui e se expressa na sociedade somente pelo viés racional.
Opinião pública, sociedade e Criminologia
A opinião pública guarda estreita relação com os eventos criminais, especialmente no que diz respeito ao controle social em sua acepção mais informal, posto que, nesse ambiente de valoração sobre a conduta coletiva, “as pessoas passam a ter uma ideia do certo e do errado conforme a opinião ditada por uma influente parcela do meio em que vive”, de forma que “a mídia tem um poder muito grande de criar rótulos que ela considera corretos e fundamentais na sociedade moderna” (GONZAGA, 2018, p. 88).
Gonzaga (2018) bem alerta que a mídia, em especial por meio de programas jornalísticos de cunho policialesco, costuma tachar muitas pessoas de delinquentes antes mesmo da instauração de um processo criminal, tão somente em razão de condutas eventualmente praticadas. Com isso, não raro, a sociedade já recepciona uma espécie de sentença penal condenatória improvisada a partir da cobertura midiática exaustiva e negativa sobre certos acontecimentos e pessoas neles envolvidas.
A título de exemplo, Gonzaga (2018) cita o caso de uma pessoa acusada publicamente de ser autora de um homicídio. Dessa forma, por se tratar de um crime posteriormente submetido ao crivo popular e soberano, por meio do procedimento do tribunal do júri, ter-se-á um efeito perverso sobre o possível veredito, tendo em vista que “essa pecha de criminoso atribuída a ele desde o início, e maciçamente, é dificilmente retirada ao longo do devido processo legal, e os jurados, quando forem julgar o acusado, já possuem uma predisposição para a condenação”, sendo que toda essa percepção é prematuramente construída “em razão do que já foi noticiado” (GONZAGA, 2018, p. 88).
Logo, a opinião pública se torna objeto precioso de estudo da Criminologia, uma vez que “exerce papel fundamental na formação da convicção acerca do comportamento do indivíduo”. Isso, no entanto, é perigoso e exige extrema cautela por parte da sociedade e dos profissionais da comunicação, simplesmente porque “uma análise malfeita ou incompleta pode gerar danos permanentes na vida de uma pessoa, sendo praticamente impossível restaurar sua condição anterior”, de modo que tal situação “cria um criminoso sem que ele de fato o seja” (GONZAGA, 2018, p. 89).
Se referida cautela deve ser observada pelos meios tradicionais de comunicação, a exemplo do caso citado de divulgação e comentários jornalísticos de fatos com consequências criminais, maior cuidado deve ser guardado quando se trata de informações veiculadas nas redes sociais digitais, justamente em razão da velocidade de propagação das informações nos ambientes virtuais, na internet, o que, de igual forma, transmite a impressão de que a simples discussão sobre determinado fato, ainda que durante curto período de tempo, aparentemente eleva o evento divulgado ao patamar do debate público, ao menos em relação à percepção social relativa à significância da notícia divulgada.
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CERVI, Emerson Urizzi. Opinião pública e comportamento político [livro eletrônico]. Curitiba: InterSaberes, 2012.
GONZAGA, Christiano. Manual de criminologia. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
LOCK, Matheus. Comunicações transversais: o preconceito digital e os efeitos na opinião pública [livro eletrônico]. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014.
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
TESSEROLI, Ricardo. Questões históricas e conceituais sobre opinião pública. In: CARVALHO, Guilherme (org.). Mídia, opinião pública e sociedade: desafios para uma comunicação em transformação [livro eletrônico]. Curitiba: InterSaberes, 2021.
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2018.
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Artigo publicado na versão impressa do Caderno Jurídico, de outubro de 2021, página 8.
José Bruno Martins Leão é graduado em Direito, Filosofia e Letras. Advogado especialista em Análise Criminal, Direito Penal e Processual Penal, Docência Jurídica e Gestão em Segurança Pública.