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Jornal Caderno Jurídico

Direito Constitucional

A imunidade parlamentar e sua relação com a democracia

2/8/2021 às 21h30 - José Bruno
Divulgação José Bruno “A democracia deve ser preservada e tutelada, necessitando de instituições sólidas e garantias da Constituição, entre elas, as imunidades dos parlamentares eleitos”, atenta José Bruno

De acordo com a Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, em seu artigo 5º, caput, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”. Tal enunciado consagra o direito à igualdade (segunda dimensão de direitos humanos), que, para Nader (2014), configura um dos critérios formais da justiça, na medida em que a ideia de justiça exige tratamento igual destinado a situações iguais. No entanto, segundo o autor, a mera noção de igualdade não é suficiente para expressar a integralidade do conceito de justiça, pois “dar o mesmo a cada um” não é uma medida completamente ideal. Para tanto, Nader (2014) recorre ao pensamento de Rui Barbosa, segundo o qual “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”.

Nessa toada de buscar a justiça por meio do tratamento desigual oferecido a pessoas que se encontram em situações desiguais, o Estado de Direito, alicerçado em seu fundamento democrático, confere tratamento jurídico diferenciado a determinadas funções de Estado, não para alçar determinados agentes públicos à condição de seres humanos injustificadamente privilegiados, mas tendo em vista o condão de assegurar a manutenção da independência e da liberdade necessárias ao exercício compromissado e destemido de certas funções públicas, sem ter, em razão disso, fundados receios de sofrer perseguições de toda sorte, a exemplo das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, titularizadas pelos magistrados (CF, artigo 95), e dos direitos – ou prerrogativas – do advogado (artigo 7º, da Lei número 8.906/1994).

 

Indispensável imunidade parlamentar

Da mesma maneira, no campo eminentemente político, as imunidades parlamentares também se enquadram no contexto jurídico de garantias indispensáveis ao exercício livre e independente no mandato eletivo, como ferramenta imprescindível ao desenvolvimento do Poder Legislativo, na condição de instituição democrática componente da República Federativa do Brasil. Por isso, torna-se fundamental uma análise da imunidade parlamentar em espécie, abordando sua natureza e tipologia, de modo a esclarecer à opinião pública a verdadeira extensão do texto ostentado pela Carta Magna, no que se refere, é claro, ao âmbito da imunidade material.

Registre-se o alerta de Tavares (2020) no sentido de que a democracia não se apresenta como uma verdade, muito menos é insubstituível; todavia, precisa ser constantemente monitorada, preservada e tutelada, sob pena de ser derrotada, destruída. Para tanto, a democracia necessita de instituições sólidas e uma série de garantias a serem resguardadas pela Constituição da República, tais como, as imunidades dos parlamentares legitimamente eleitos.

Nesse compasso, ainda segundo Tavares (2020), o Parlamento figura como corpo essencial à democracia, ao passo que proteger o Parlamento significa também salvaguardar as próprias funções democráticas, na medida em que a finalidade democrática do rol de imunidades parlamentares é estabelecer a diferença existente entre as garantias constitucionais e os velhos privilégios. É por essa razão que Martins (2019) esclarece que a imunidade parlamentar não viola o princípio da igualdade, pois não se trata de um privilégio, uma vez que, encerrado o mandato eletivo, o parlamentar não terá mais tal imunidade, porque não se trata de atributo de cunho pessoal, mas de uma tutela da função parlamentar propriamente dita.

Por tais motivos, a doutrina rotula de Estatuto dos Congressistas as disposições normativas sistematizadas nos artigos 53 a 56, da Constituição Federal, que, para Motta (2018), nada mais são que um conjunto de normas destinadas a assegurar uma atuação independente e imparcial dos membros do Congresso Nacional, deputados federais e senadores. De todo modo, o que importa para a finalidade deste artigo são as disposições constitucionais presentes no artigo 53 do Texto Maior, o qual consagra a disciplina das imunidades parlamentares, restringindo-se, nesta oportunidade, à análise da material (substancial, real ou inviolabilidade).

 

Material, real, substantiva, inviolabilidade

O artigo 53, caput, da Constituição, após a Emenda Constitucional número 35/2001, preceitua: “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Essa é a denominada imunidade parlamentar material, real, substantiva, ou inviolabilidade.

Segundo Motta (2018), tal imunidade alcança distintas esferas de responsabilização, a saber: a penal (não há possibilidade de o parlamentar ser processado criminalmente por suas manifestações); a civil (o parlamentar não pode ser condenado a reparar economicamente os eventuais danos, materiais e/ou morais, que cometera em razão de suas manifestações); a disciplinar (o parlamentar não pode ser processado administrativamente na Casa Legislativa a que estiver vinculado); e a política (o parlamentar fica imunizado contra qualquer tentativa de perda do mandato).

No entender de Motta (2018), a isenção de responsabilidade provocada pelo instituto jurídico-constitucional da imunidade parlamentar material é absoluta, o que exime o parlamentar de quaisquer crimes de opinião ou de palavra, como os crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação), incitamento ao crime, apologia de criminoso, vilipêndio oral a culto religioso, contanto que a opinião, a palavra ou o voto tenham sido proferidos no exercício da função congressual. Como leciona Paulo (apud MOTTA, 2018, n. p), trata-se de “uma prerrogativa concedida aos congressistas para o exercício de sua atividade legislativa com ampla liberdade e imparcialidade, fomentando o debate de ideias, a discussão e o voto nas questões de interesse dos seus representados”.

Destaque-se que a referida inviolabilidade não se limita ao espaço físico-geográfico do recinto congressual, sendo, conforme ensina Motta (2018), uma garantia de livre exercício de mandato eletivo, ou seja, deputados e senadores continuarão acobertados pela garantia da inviolabilidade onde quer que estejam, ainda que fora e distante do Congresso. Como esclarece o citado autor, o congressita estará revestido de inviolabilidade quando desempenhar outras atividades, como declarações à imprensa falada ou escrita, discursos exarados em debates e palestras, manifestações em Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), etc., de maneira que “[...] a conduta pelo deputado ou pelo senador dos denominados delitos de opinião no exercício da função é constitucionalmente permitida, e os resultados eventualmente produzidos são atípicos, ou seja, o fato típico deixa de constituir crime, porque a norma constitucional afasta, para a hipótese, a incidência da norma penal, exclui a ilicitude, subtrai as responsabilidades penal, civil, disciplinar ou política. Liberdade de expressão, opiniões, palavras e votos os parlamentares só possuem quando estiverem no exercício da função legislativa, dentro ou fora do parlamento” (MACHADO, 2018, p. 382).

No que toca ao alcance da inviolabilidade dos parlamentares, Tavares (2020) lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a imunidade de deputada por manifestação na rede social twitter (Pet 5875/DF, decisão monocrática do ministro Celso de Mello, j. 17-6-2016, DJe de 21-6-2016). Entretanto, Motta (2018) adverte que tal imunidade não pode ser estendida a auxiliares, assessores, suplentes e parlamentares afastados de suas funções típicas, pois a inviolabilidade tem como objetivo proteger o livre exercício da função parlamentar, e não o parlamentar.

A respeito dessas razões de direito acima apresentadas, Motta (2018) consigna que o Pleno do Pretório Excelso, no bojo do Inquérito 1.344/DF, pronunciou-se no sentido de que “As manifestações sobre matéria alheia ao exercício do mandato não estão abrangidas pela imunidade material dos deputados e senadores prevista na nova redação dada Emenda Constitucional 35/2001 ao artigo 53 da CR”, razão por que tal imunidade também não abarca as manifestações de parlamentares com fins político-eleitorais, na condição de candidatos ou pré-candidatos a cargos eletivos.

Deve-se ressaltar que, por força do artigo 27, § 1º, da CF, a matéria “imunidade parlamentar” também se estende aos deputados das Assembleias Legislativas, “[...] aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas”.

Anote-se, por fim, que, conforme as lições de Motta (2018), a imunidade material, garantia de ordem pública e de natureza institucional, tem caráter perpétuo, de modo que, para o congressista, há a garantia de que não será responsabilizado após o término do mandato eletivo, visto que, em termos de inviolabilidade parlamentar, não existe o fenômeno da incidência retroativa.

 

MACHADO, Costa (org.). Constituição federal interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. Barueri/SP: Manole, 2018.

MARTINS, Flávio. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

MOTTA, Sylvio. Direito constitucional: teoria, jurisprudência e questões. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

 

 

Artigo publicado na versão impressa do Caderno Jurídico, de julho de 2021, página 8.

 

José Bruno Martins Leão é graduado em Direito, Filosofia e Letras. Advogado especialista em Análise Criminal, Direito Penal e Processual Penal, Docência Jurídica e Gestão em Segurança Pública.

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