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Jornal Caderno Jurídico

Direito Penal e Processual Penal

Xingar o presidente de genocida é crime?

11/6/2021 às 19h08 - César Mariano
Divulgação César Mariano “Achincalhar o presidente da República com o intuito de ofender sua honra, não é conduta permitida, muito pelo contrário, uma vez que extrapola o direito à livre manifestação do pensamento”, explica o promotor César Mariano

Há situações difíceis de serem entendidas pelo profissional do Direito.

Xingar de corrupto um juiz de direito, desembargador ou mesmo ministro dos Tribunais Superiores, é crime de injúria, mas, sem nenhum escrúpulo, com a clara intenção de ofender, xingar o presidente da República de genocida é considerado livre manifestação do pensamento para alguns juristas e operadores do Direito.

Genocida é a pessoa responsável por dizimar ou tentar dizimar, dolosamente, no todo ou em parte, grupo nacional, ético, racial ou religioso. É o assassino em massa, que tem como exemplos Adolf Hitler e Josef Stalin. A prática de genocídio é crime previsto na Lei nº 2.889/1956.

Parece-me mais ofensivo chamar alguém de genocida do que de corrupto. Ambas as colocações são ofensas que ferem a dignidade ou o decoro de uma pessoa, atingindo sua honra subjetiva, isto é, o que o ofendido pensa de si próprio. Não há imputação de fato determinado, mas de qualidade negativa. Nesta hipótese, o crime é de injúria previsto no artigo 140 do Código Penal, que não admite a exceção da verdade e nem retratação.

No caso de atribuir falsamente ao presidente fato certo e determinado caracterizador de genocídio, o crime é mais grave ainda, ensejador de calúnia, descrito no artigo 138 do Código Penal, que consiste na falsa imputação de fato definido como crime, ferindo a honra objetiva do ofendido, isto é, o que as pessoas pensam dele (reputação). Sequer é possível a exceção da verdade, isto é, provar que o fato é verdadeiro, em razão da relevância da função desempenhada pelo presidente da República (artigo 138, § 3º, II, do CP). Também não é admitida a retratação quando a ação penal for pública, o que ocorre se o crime for cometido contra funcionário público em razão de suas funções.

Em ambas as hipóteses, os crimes são agravados quando praticados contra o presidente da República ou funcionário público no desempenho de suas funções (artigo 145 do CP).

É certo que a Lei de Segurança Nacional (Lei número 7.170/1983) traz tipo penal que pune atentado a honra do Presidente da República e dos demais chefes de Poderes. Reza a norma: “Artigo 26 – Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos. Parágrafo único – Na mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga”.

No entanto, toda norma penal deve ser interpretada de acordo com o bem jurídico tutelado. Dentro dessa lógica deve ser interpretada a Lei de Segurança Nacional, que não vai tutelar todos os bens jurídicos, mas a integridade territorial e a soberania nacional, o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito, bem como a pessoa dos chefes dos Poderes da União (artigo 1º, da Lei 7.170/1983). No caso de a conduta não afrontar um desses bens jurídicos, não se aplicam suas normas, podendo ser empregado o Direito Penal Comum ou outras normas contidas em leis penais esparsas, se o caso.

Com efeito, para que seja aplicado qualquer um dos seus tipos penais, há necessidade de ato concreto que fira ou coloque em risco um desses bens jurídicos, lembrando que a mera crítica ou exposição de doutrinas (com exceção do nazismo, que é proibido por lei), são permitidas constitucionalmente e pela própria Lei de Segurança Nacional (artigo 22, § 3º).

São crimes de suma gravidade que exigem a deliberada intenção de atentar contra os bens jurídicos que os tipos penais visam tutelar. Não se trata, portanto, de meras ofensas, ameaças, desabafos ou outros tipos de delito de opinião, mas de atos deliberadamente praticados com o intuito de desestabilizar o regime democrático, a Federação e o estado de direito, com potencial para fazê-lo.

Ofender a honra de qualquer dos chefes de Poderes não coloca em risco a segurança nacional e tampouco tem o potencial de atentar contra os bens jurídicos que os tipos penais elencados na Lei 7.170/1983 devem tutelar.

Não se trata de discussão de ideias, crítica, desabafo ou insatisfação quanto a algo, mas de vontade deliberada de ofender. Portanto, embora não ocorra crime contra a segurança nacional, a conduta de xingar o presidente da República de genocida se adequa ao crime de injúria ou de calúnia, a depender do contexto, sendo penalmente relevante e passível de punição.

A ninguém é dado ofender a honra alheia, independentemente do motivo. O direito à livre manifestação do pensamento não pode ser empregado para a salvaguarda de delitos. Ele possui limite, que, ao ser ultrapassado, pode ser alcançado pelo Direito Penal. Como qualquer outro direito, a liberdade de manifestação do pensamento não é absoluta e deve conviver harmonicamente com outros direitos de igual valia, como a honra e a imagem das pessoas, que também são direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

Enfim, xingar e achincalhar o presidente da República com o evidente intuito de ofender sua honra, não é conduta legalmente permitida, muito pelo contrário, uma vez que extrapola o direito à livre manifestação do pensamento e se amolda perfeitamente a uma norma penal incriminadora, a caracterizar crime contra a honra punível nos termos do Código Penal.

 

César Dario Mariano da Silva. Mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP) e Especialista em Direito Penal (ESMP). Promotor de Justiça de entrância final na Comarca de São Paulo/SP. Professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB) e da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMP). Lecionou Direito Penal na PUC-SP, nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), na Universidade Paulista (UNIP), na Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) e em cursos preparatórios para ingresso nas carreiras jurídicas e para o exame da OAB. Autor de várias obras, entre elas Provas Ilícitas (8ª edição, 2019) e Lei de Execução Penal (2ª edição, 2019), pela Editora Juruá.

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