Política
Política, racionalidade, insultos emocionantes
Todos sabemos que os candidatos a agentes políticos falam não o que pensam, mas o que os marqueteiros aconselham que falem. Conteúdo e forma das falas são os “recomendados” por pesquisa de marketing. Marketing diferencia-se da propaganda. A “lógica” da propaganda está em detalhar e valorizar as características de um produto, convencendo o cliente de suas boas qualidades. A propaganda pressupõe uma racionalidade nas análises de opção do cliente, e espera que sua escolha seja sensível a argumentos. O marketing não se interessa por nada disso.
O marqueteiro sabe que a racionalidade não instrui a escolha. O comprador decide sensibilizado por apelos emocionais. As estratégias de marketing resumem-se a “levantar” as demandas (emocionadas) dos consumidores, interpretá-las e lhes oferecer afetivamente o produto demandado.
Em política, o produto demandado é o “insumo” que é levado em conta na “formatação” da imagem do candidato, objetivando fazê-lo socialmente desejável. Essa “estratégia” de “fabricação” é fundamental para afetar o processo de decisão do eleitor. Política deveria ser racionalidade e coerência: o eleitor teria uma compreensão de como o mundo deveria ser gerido e uma hipótese de prática para a implementação do que pensasse. O candidato a ser escolhido seria, logicamente, o que apresentasse planos condizentes com o pensamento do eleitor.
Não sei como se dão as escolhas em cada país, ou quais as razões ou emoções que movem os eleitores noutras partes do mundo. Sei que por aqui não se leva um programa à apreciação, mas se formula um discurso fundado em “insumos” gerados por pesquisas e diagnósticos de profissionais especializados em marketing eleitoral. Prospecta-se o cenário, definem-se públicos-alvo para segmentação das falas, indicam-se diretrizes, escolhem-se ferramentas de intervenção, divulga-se um discurso conveniente, oferta-se um produto: o candidato.
É tal a sofisticação do processo que as mensagens vão sendo adaptadas em conformidade com as respostas dos eleitores a pesquisas em tempo real. Se apesar de todo o ferramental utilizado ainda sair algo que não caia no gosto do público, processam-se ajustes “técnicos”: suprime-se o que o “consumidor” desgoste; e se algo não falado, importante ou não, é identificado como agradável ao eleitor, inclui-se o algo que agrada, pois o objetivo é meramente agradar.
O marketing e os marqueteiros lograram convencer os candidatos de que ter uma ideia ou uma proposta para a vida política do País é um erro de imposição e de “achismo”. Seja: o candidato estaria tendo a petulância de estudar, formular e propor, quando deveria, como produto que é, levantar demandas e, adequando-se a elas, prometer satisfazê-las. É dizer: o candidato não ofereceria algo que concebeu, mas buscaria algo qualquer para conceber, de modo a ser aprovado, construindo uma empatia alicerçada no sempre dizer o conveniente, jamais o necessário.
Pessoas mais atentas às necessidades do Brasil têm reclamado sobre a baixaria dos debates políticos. O nível está mesmo ruim, mas não por alguma incompetência; antes, há uma competência marqueteira por trás disso. Essa falta de ideias e essa sobra de acusações suprem as necessidades reprimidas do eleitor/consumidor que acusa os políticos de corruptos (então os candidatos se acusam reciprocamente), que quer segurança (então se promete severidade punitiva), que é religioso (então se buscam igrejas), que tem medo do desamparo (então se prometem empregos) etc.
Não se apresentam nexos entre o orçamento da República e as promessas, mas compatibilizam-se as mensagens à “vontade do povo”. Para tanto, despersonaliza-se o político e chamam-se à cena os redatores do script solicitado pelo marketing. Dos últimos grandes políticos de que me lembro, só Leonel de Moura Brizola não aceitava esses métodos. Brizola defendia que o político devia levar sua mensagem em discurso direto, sem recurso técnico, sobre um fundo neutro, apresentando planos e meios. Certo ou errado, Brizola convidava a pensar. Bem, Brizola já morreu.