Publicidade
Publicidade

Jornal Caderno Jurídico

Direito Penal e Processual Penal

Se Neymar... se Najila... aguardar sentença

10/6/2019 às 14h21 | Atualizado em 10/6/2019 às 14h22 - Léo Rosa
Divulgação Léo Rosa "Suponho que Rui Barbosa, como eu, não apreciaria Neymar ou a sua claque, mas se tivesse que opinar sobre um crime tal qual este que se discute, não ousaria fazê-lo antes que transcorresse o devido processo legal", escreve Léo Rosa

Ano 1916. Primeira Guerra, poucos navios disponíveis. A seleção brasileira jogaria em Buenos Aires. Rui Barbosa viajaria para a capital Argentina em navio fretado, chefiando comitiva em missão oficial.

Lauro Müller, Ministro do Exterior, entendeu de embarcar na mesma nave (Júpiter) a delegação de futebol. Telefonou a Rui Barbosa para adiantar-lhe a decisão. Os termos da conversa são surpreendentes:

– Müller: Olha, Senhor Conselheiro, os jogadores brasileiros que irão para o sul-americano de futebol também viajarão no Júpiter. Estou telefonando para avisar-lhe da minha decisão.

– Barbosa: Pois saiba o senhor que eu, minha família e meus auxiliares não viajamos com essa corja de malandros.

– Müller: Mas, Senhor Conselheiro, eles são jogadores da nossa seleção.

– Barbosa: Futebolistas é sinônimo de vagabundos, e pode escolher imediatamente, Senhor Ministro: ou eles, ou eu.

O navio foi-se com Rui; os atletas seguiram de trem (História do Futebol –https://bit.ly/2WxwcRx). Rui Barbosa é o patrono ‘in petto’ da inteligência jurídica do Brasil. Mas, alguém concorda com seus conceitos generalizados sobre jogadores de futebol?

Talvez, se Rui fosse um político dos nossos dias, ademais de estar na mesma embarcação, providenciaria a publicação de selfies. Ou, dado o caso recente que envolve o jogador Neymar, recusaria embarcar com estupradores. Se dissesse tal coisa, que poderíamos pensar de Rui Barbosa?

No dizer de 1916 há preconceito (corja, vagabundos). Ainda que exista preconceito com causa, não é aceitável, em situações como a narrada, que se generalize a partir de casos particulares; não é adequado o método indutivo.

No hipotético dizer de hoje haveria calúnia – artigo 138 do Código Penal: caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 1º: na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

Neymar, futebolista, é inocente ou culpado da acusação de estupro que lhe imputa Najila Trindade? Não sei. Ninguém sabe, a não ser os envolvidos. Não obstante, muita gente, sem nem conhecer os dados do inquérito relativo, já formou convicção e proferiu sentença, publicando-a nas mídias sociais.

Até aqui, todavia, o que temos? Uma mulher, sedizente estuprada, procurou, pertinentemente, orientação de advogado e levou sua versão à autoridade policial. Seus procedimentos não fazem prova, mas são legítimos e estão em conformidade com o que cabe a quem se considera vítima de um crime.

Um homem, à sua vez, acusado de estupro – sem que entenda como soube da acusação, dado que o inquérito corre em segredo legal – contorna os meios típicos de defesa e faz “justiça com as próprias mãos” (no caso, com a própria postagem em mídia social).

Mesmo que coubesse a defesa da sua atitude (ser parte envolvida, agir em legítima defesa da honra, inexigibilidade de conduta diversa), na publicação há, a princípio, comportamento criminoso, a saber: vazar ‘nudes’.

Código Penal – artigo 218-C: [...] publicar ou divulgar, por qualquer meio [...], fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha [...] sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez [...]. Pena – reclusão, de 1 a 5 anos, se o fato não constitui crime mais grave. § 1º A pena é aumentada de 1/3 a 2/3 se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.

Da parte de futebolista, vejo, desde logo duas faltas (trocadilho), um enorme descuido em não “borrar” o nome da criança que restou levado a público; o procedimento machista “convencional” das culturas patriarcais: expor a mulher, querendo desacreditá-la a priori com a tão só exposição do seu corpo nu (ainda que desfocado em partes).

Isso faz do jogador alguém culpado de estupro? De modo nenhum. Haveria, pelo menos, no seu comportamento, indício de culpa? Não a meu ver. Mas, quais serão as consequências do que foi publicado?

Compreendo que, se restar provado que o atleta realizou a publicação, ele responderá criminalmente (pena) e civilmente (indenização); se sua assessoria o fez, como alega, sem ordem direta sua, responderá apenas no juízo cível.

Da parte da modelo, duas hipóteses: a) ela prova o que diz (ou a autoridade policial ou o Ministério Público o fazem); b) ela não prova o que alega. Se ela provar o estupro, ele é condenado e certamente receberá processo pedindo indenização moral. E se ela não provar?

Se Najila não provar suas acusações, poderá ser processada civilmente, o que talvez não ocorra (dado que a modelo não possui bens, o processo resta inútil). Deverá ser processada criminalmente, por denunciação caluniosa.

O Artigo 339 do Código Penal tipifica tal crime: dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial [...] contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente. – Pena: Reclusão, de 2 a 8 anos, e multa.

O prejuízo que Najila Trindade provocaria, contudo, seria a uma das causas relevantes do atual momento civilizatório: o feminismo. Se não comprovar sua narrativa, os machistas se refestelarão com a “aventureira” frustrada em seu intento de obter vantagem (o que, parece, não ocorreu) de um homem rico.

Eu me pretendo feminista. Não porque seja “a favor” das mulheres, mas porque me reconheço juridicamente (construção civilizacional) igual a uma mulher. O masculino, intrinsecamente, não vale mais nem menos do que o feminino, então, minha luta igualitária é pelo valor igualdade em si, que é sonegado pela tradição religiosa e patriarcal.

Daí minha inconformação com alinhamentos automáticos, tanto de machistas “respeitáveis”, como de feministas respeitáveis. Machistas enfileiram-se com Neymar por princípios do machismo: “ele tem razão; ela é uma puta”.

Mas, e a respeito de feministas que adiantam julgamento? Antecipam-se sem poder fazê-lo. Insisto: a causa do feminismo é a igualdade de gênero, não a presumida razão da mulher pela tão só condição de mulher. Todos, igualmente, devemos tributo ao Estado Democrático e Constitucional de Direito.

Com certeza, vale denunciar a violência machista da exposição da mulher com o desiderato de desmoralizá-la (a pressuposta nudez da intimidade, exposta, é a pressuposta nudez da “vagabunda”). No mais – a acusação de estupro –, parece-me temerário adiantar-se à conclusão do inquérito, à denúncia do Ministério Público, à sentença do magistrado.

Todos o sabemos: o civilista Rui Barbosa viveu à frente do seu tempo; não obstante, disse o que disse. Conjeturo que hoje não se permitiria selfies, mas evitaria execrar futebolistas apenas por sua profissão.

Homens – creio que não justifica, mas explica: fomos educados assim, e não é fácil deseducarmo-nos a nós mesmos – acusam mulheres, julgam mulheres. Homens, em muitas ocasiões, acusam, julgam e executam mulheres.

Esses tristes fatos que acontecem todo o dia acontecem por muitas causas; às vezes acontecem só porque mulheres são mulheres (feminicídio). A luta é contra coisas assim, não pela contraversão de coisas assim.

Suponho que Rui Barbosa, como eu, não apreciaria Neymar ou a sua claque, mas se tivesse que opinar sobre um crime tal qual este que se discute, não ousaria fazê-lo antes que transcorresse o devido processo legal.

 

Léo Rosa de Andrade. Doutor e mestre em Direito (UFSC). Especialista em Administração de Empresas e em Economia. Professor da Unisul. Advogado, psicólogo e jornalista.

Artigo também publicado no notisul.com.br.

Publicidade

APOIADORES

  • Monica de Oliveira Pereira
Publicidade
  • Descarte correto de lixos e entulhos é no aterro sanitário!