Direito Constitucional
A redução da maioridade penal e o prenúncio da judicialização da política "de cima para baixo"
Um dos temas mais comentados e debatidos pela comunidade jurídica da atualidade é a aprovação da PEC 171/93, que visa reduzir de dezoito para dezesseis anos a idade passível de responsabilização penal, prevista no artigo 228 da Constituição Federal, na Câmara dos Deputados, principalmente depois da polêmica aprovação da denominada “emenda aglutinativa”, que levou, no dia seguinte, novamente à apreciação do plenário, o mesmo objeto de emenda já discutida.
A judicialização que irei referir abaixo não é a oriunda do Mandado de Segurança que objetivou a suspensão (em sede liminar) e a anulação da aprovação da emenda aglutinativa, reestabelecendo os efeitos da votação anterior e, ao menos nessa legislatura, enterrando de vez a tal proposta 171, mas a judicialização futura, do mérito da emenda.
Àqueles que acreditam e defendem a fundamentabilidade da cláusula prevista no referido artigo (esta é a minha posição) foi difícil digerir tal aprovação. Os inúmeros argumentos que fundamentam a concepção de que se trata de direito fundamental estão expostos nas publicações dos mais diferentes operadores do direito que corroboram com meu posicionamento, sobretudo pela previsão em dispositivos internacionais – a exemplo do Artigo 1º da Convenção Internacional sobre os direitos da criança, que deve ser interpretado sem desconsiderar o princípio da vedação de retrocesso e do Artigo 19 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, ambos incorporados pelo Art. 5º, § 2º, da Constituição Republicana de 1988.
Na busca pelos fundamentos que fizeram a PEC obter maciça aprovação na CCJ, e, posteriormente aos “arranjos legislativos”, pelo plenário da Câmara, não se pode desconsiderar o forte “apelo popular”. Segundo pesquisa do Datafolha, divulgada no último dia 15 de abril de 2015, 87% dos brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Dessa forma, pergunta-se: qual parlamentar desejaria se indispor com a “opinião popular” e votar contra a proposta? Poucos.
Inicia-se, com isso, o prenúncio do título do presente artigo. A judicialização da política (a respeito, ver as obras de M. C. H. Leal; G. G. Cittadino; L. W. Vianna; L. R. Barroso, dentre outros). Em curtas linhas, o fenômeno pode ser visto como a transferência de decisões centrais à sociedade, as quais deveriam ser discutidas e deliberadas na esfera política, à apreciação do Poder Judiciário, possuindo diferentes causas e devendo ser estudado por diferentes abordagens.
A judicialização da política é um fenômeno que, eminentemente, vem “de baixo para cima”. Significa dizer que, ocasionada por múltiplos fatores, dentre eles a constitucionalização de direitos, o sistema de controle de constitucionalidade adotado pelo Brasil e, em um Estado carente de realizações sociais como o brasileiro, da ineficiência dos Poderes Executivo e Legislativo em concretizar os anseios do cidadão, este, diretamente ou por meio de instituições legitimadas a tutelá-lo, a exemplo do Ministério Público e da Defensoria Pública, agora dispondo de meios processuais democraticamente conferidos, aciona o Poder Judiciário, que deve responder, provendo à prestação jurisdicional (o que não significa dizer que deva ser ativista).
Ponto de fundamental importância à análise do fenômeno é o estudo sobre a judicialização da megapolítica, desenvolvido por R. Hirschl, que dá uma nova face à judicialização, como um fenômeno político. Esta não advém só do cidadão. Provém, também, dos próprios Poderes políticos retratando as lutas concretas pela pujança, os interesses das elites e de outras pessoas com interesses políticos, que tornam o apoio da esfera política fator integrante da sua própria judicialização. Dito de outro modo, esta abordagem considera a transferência das questões sociais (enfaticamente as de alta relevância e controvérsia política) realizadas pelo legislador ao Judiciário.
No Brasil, não faltam exemplos deste tipo de ação (caracterizado, em grande parte, pela abstenção e inércia dos Poderes políticos). Trazendo ao artigo apenas um caso, apresenta-se a questão das uniões homoafetivas, que tramitou durante anos no Congresso Nacional, sem a tomada de decisão concreta. Afinal, pergunta-se: qual legislador chamaria para si a responsabilidade de votar questão que envolve tamanho número de interesses (políticos, econômicos, religiosos, etc.) em um país onde a opinião acerca do tema é tão dividida? Por óbvio, torna-se mais cômodo transferir essa responsabilidade ao Judiciário (integrado por membros não eleitos diretamente pelo povo).
No caso da PEC, o fenômeno se dará ao contrário. Explico: o Congresso Nacional, sabendo que, com a aprovação da Proposta, inevitavelmente sua constitucionalidade será discutida pela Jurisdição Constitucional, não irá se indispor com a “opinião popular”, afinal são seus eleitores. Assim, aprovará a tal PEC “171”, depositando no Judiciário (que não depende de voto direito) a responsabilidade de declará-la inconstitucional. É a judicialização da política “de cima para baixo”.
Em sede de conclusão deste breve artigo, devo dizer que não vejo com muito otimismo o desfecho final da PEC “171”, pois, como grande parte dos problemas sociais da nossa contemporaneidade, este é mais um que terá sua “solução” alcançada pelo Direito Penal. Resta acreditar que, ao tempo certo, ocorrendo a pré-anunciada judicialização da política, o Supremo Tribunal Federal cumpra com seu papel de “Guardião da Constituição” e proteja os direitos fundamentais, impedindo o retrocesso. (Artigo escrito em junho de 2015)