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Jornal Caderno Jurídico

Política

Sobre violência, esquerda e direita; sobre nós

16/3/2018 às 1h35 | Atualizado em 16/3/2018 às 1h54 - Léo Rosa
Arquivo Léo Rosa "Reprimem, contêm provisoriamente a coisa, mas não recompõem as relações sociais violentas que geram violência", analisa Léo Rosa

Não há dúvida. Algo deveria ser feito no Rio de Janeiro. E noutros lugares do Brasil, também. E no Brasil todo, talvez. Mas, imagina: a violência será mesmo contida com a presença intimidadora de tanques de guerra em bairros pobres?

As formas simbólicas violentas, as demonstrações ostensivas de força, não se prestam para apaziguar a vida social. Reprimem, contêm provisoriamente a coisa, mas não recompõem as relações sociais violentas que geram violência.

Que sociedade é essa nossa que engendra as condições perniciosas de convivência que depois caem sobre ela mesma? A Síria está em guerra, porém aqui a brutalidade espraiada mata mais do que a conjuntura beligerante de lá.

Algo, contudo, não está na conta que comumente se faz sobre a questão. A percepção de violência que temos é principalmente a cometida contra o patrimônio e contra a vida. Vemos violência sobretudo em assaltos e homicídios.

Nossas práticas de violência, todavia, são muito mais dispersas. Cultivamos violência nos lares, nas escolas, nas praças esportivas, no trabalho, nos passeios públicos, nas mídias sociais. E somos particularmente violentos no trânsito.

Atlas da Violência (2017): homicídios cresceram 22,7% em dez anos; superam mortes por terrorismo e Guerra do Vietnã. Foram 59.080 casos registrados há dois anos contra 48.136 em 2005; 31.264 jovens (https://goo.gl/Qe3LIs).

Mortes no trânsito têm alta de 25% em 9 anos. Em 2002, 32 mil morreram no trânsito; em 2010, foram 40,6 mil mortes (https://goo.gl/o5HU3y). Em 2017, o Brasil registrou cerca de 47 mil mortes (https://goo.gl/ubboFp).

Brigas de trânsito se multiplicam pelo Brasil. Em São Paulo, o disque 190 da PM recebe por dia 400 registros. Especialistas dizem que a relação do brasileiro com o carro tem a ver com status e poder (https://goo.gl/cwVVoN).

O veículo como extensão da pessoa, a desconsideração pelas ruas, o controle forçado do tráfego; a violência que incide no sujeito, que o sujeito transporta em si, que o sujeito descarrega no próximo. Produzimos uma guerra.

Pedágios de SC têm uma fuga a cada dois minutos, 680 por dia. No ano passado, 248,2 mil motoristas passaram sem pagar pelas praças. Isso porque os números foram 57% menores do que no ano anterior (DC, 08mar18, p.11).

Suponho raiva, exibição, protesto, sensação de impunidade, desdém por normas. Seguramente há muita violência. Segundo a matéria, a PRF conseguiu aplicar apenas 131 notificações no período. O crime de trânsito compensa.

Num contexto nacional no qual uma das maiores preocupações da sociedade está no combate à corrupção, chega a ser impressionante o número revelado pela reportagem sobre motoristas que furam os pedágios (DC, 08mar18, p. 4).

Corrupção é só mais uma forma de violência tolerada e justificada se o corrupto é “dos nossos”. Ver as falácias bem elaboradas e os “maquiavelismos” mal-ajambrados (os fins justificam os meios) que autorizam a ladroagem lulopetista.

Notar o cinismo que afronta o Judiciário – que, sim, é violento. Mas, ora, a violência judicial não faz contraponto à ladroagem identificada, confessada e reembolsada ao erário. São bilhões recuperados em processos.

Ver o ódio antipetista que se busca saciar no discurso anti-Lula de Bolsonaro. Como se a violência antidemocracia, anti-igualdade, antimulher, antilgbt, antirracionalidade, antilaicidade de político pudesse contemplar paz social.

Refiro os dois candidatos destacados em pesquisas, mas o que me preocupa é o descaramento de seus eleitores. Com eles, retomo tanques e demais procedimentos agressivos que humilham as favelas cariocas.

Estão lá e são um acinte. Mas não são novidade. Não são obra do Temer (ainda que sim, fora Temer). De 2008 para cá, as Forças Armadas estiveram no Estado do Rio de Janeiro 13 vezes. Isso foi em tempo de governo petista, não?

Essa é a maior violência: os embustes das classes dominantes. Diatribes de elites que se acusam reciprocamente sabendo que mentem. E que teria a ver isso com o trânsito, com as misérias, com a violência, afinal?

Essa violência toda: o discurso petista do “nós contra eles”, o falaz Bolsonaro que ignora que não sabe o que diz; isso somos nós. Os eleitores que relevam roubalheira, os eleitores que têm esperança no ódio; isso somos nós.

Nossa esquerda de direita, nossa direita troglodita, nossos homicídios, nosso trânsito, tudo isso é violência, tudo isso somos nós. Referimos essas coisas como eventos que nos são alheios. Nada! Sem inocência, somos nós.

 

Léo Rosa de Andrade. Doutor e mestre em Direito (UFSC). Especialista em Administração de Empresas e em Economia. Professor da Unisul. Advogado, psicólogo e jornalista.

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