Política
Corrupção na base, vereador, personalismo
Há uma crença simplória de que a questão da corrupção se resolverá com a “limpeza ética” que os eleitores farão nas próximas eleições. Sabidos os corruptos e havendo indignação manifestada, é mesmo de se supor reação. Não acredito.
As eleições e os eleitos são um aspecto do fenômeno. Aspecto importante, mas não determinante dos demais. A corrupção tem, diga-se, níveis e se consubstanciou como um modo de intermediar interesses como qualquer outro.
Considero o nível municipal: o Brasil possui 5570 municípios: aproximadamente 130 cidades têm mais de 200 mil habitantes; cerca de 300 tem mais de 100 mil. Quase 70% dos municípios brasileiros possui até 20 mil habitantes (IBGE).
Nos municípios de pequeno e médio porte os cidadãos e suas supostas honestidades conseguem acesso às autoridades. Às autoridades se pressupõe uma função: atender pedidos. O vereador, sobretudo, é um atravessador de solicitações.
Nossas relações políticas são “cordiais”. Elege-se um vereador por relações afetivas; pede-se ao vereador um mandato afetivo. Nas circunstâncias familiares dos eleitores está pressuposta a sua presença com demonstração de intimidade.
É dever do edil fazer-se presente, de preferência acompanhado da mulher (sim, a grande maioria é homem), no casamento, nos aniversários, no batizado, na primeira comunhão, na crisma, na formatura, no velório, na missa de 7º dia.
Desculpa-se a não permanência, mas tem que “dar as caras”. No “dar as caras” está o momento de conversas à parte: hora de pedir. Nas relações de afeição estão incluídos os encaminhamentos das necessidades do eleitorado.
Ou é isso, ou o político não tem prestígio. “Então, pra que que serve?” Pra atender a vontade do eleitor, o vereador compromete-se, em geral, com o prefeito, que, com a máquina pública, “dá jeito” em pedidos intermediados e forma a “base”.
“Base” é a maioria na Câmara Municipal. Desimporta a origem: situação ou oposição. Claro, primeiro “os nossos”, mas pra não se incomodar com requerimentos enxeridos que um vereador pode fazer, dá-se-lhe a devida colher de chá.
O vereador, para se estabelecer, expande os meios de atendimento. Por exemplo, tome-se o sistema de transporte da cidade: as “empresas de ônibus”. O aumento de passagem deve passar na Câmara. O dono da empresa sabe disso.
Bem, quando morre uma pessoa de família pobre, raramente há recursos para o féretro ou para o cortejo fúnebre. A família precisa de um ônibus, logo, o vereador necessita de um ônibus. O dono da empresa sabe disso.
O fornecimento do ônibus compromete família, vereador, empresa. É “bom” para todos e o vínculo pode ser perduradouro. Como “pessoas honestas” cumprem o apalavrado, nem carece pedir: os votos, os favores e os aumentos futuros aparecerão.
O eleitor “canta” os votos que granjeou em família e com vizinhos. Se contabilizar número significativo de votos, é constituído, pela natureza dessa corrente de relações, cabo eleitoral. O cabo eleitoral é um sub intermediário do político.
Exemplifiquei com ônibus. Vale para matrícula em creche, pavimentação de rua, “gato” de luz ou água, consulta médica, transporte com veículo público. O mau uso da coisa pública pode ser feito com o que quer que seja coisa pública.
Grande parte da população vê o dispor dos próprios municipais como indicativo de importância, não de corrupção, então ostenta o “atendimento” que recebe. Refiro o cidadão comum exibido de suas “relações”, não do vereador.
Não votamos em lista partidária fechada, logo, não votamos em ideias organizadas. Votamos de pessoa para pessoa. Relações pessoais. Isso produz uma lógica ou uma racionalidade (Weber) fundada numa ética de favor e retribuição.
Nossa tradição coronelista jamais se fundou em instituições. Somos alicerçados em personalismos. Na próxima eleição alguns políticos desgastados serão defenestrados. O sistema fundado em favor resistirá. O povo o quer.
Léo Rosa. Doutor e mestre em Direito pela UFSC. Especialista em Administração de Empresas e em Economia. Professor da Unisul. Advogado, psicólogo e jornalista.