ENTREVISTAS
“Privilégio do servidor público é um dos maiores problemas do país”, afirma juiz do trabalho
O juiz do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-9) Marlos Augusto Melek é um dos integrantes da comissão que redigiu a nova legislação trabalhista no início do ano. Ele defende que o país precisa ter um Estado menor. E critica: “O servidor público é um dos maiores problemas que o Brasil tem hoje”. À BBC Brasil o magistrado afirma que parte do funcionalismo é engrenagem de uma grande burocracia alimentada pelo pagamento excessivo de impostos, que goza de benefícios aos quais a maioria dos brasileiros não tem acesso.
“Nós precisamos pagar menos impostos e, para isso, não tenho dúvidas, isso passa necessariamente por uma racionalização do serviço público do Brasil. A única maneira de acabar com os privilégios é por meio de uma reforma da Constituição, que corrigiria todas essas assimetrias de diretos de uma vez só. Aí ninguém vai se sentir otário”, explica o juiz à jornalista Camila Veras Mota.
Hoje com 41 anos, Melek começou a trabalhar aos 14, numa tornearia mecânica em Curitiba. Foi dono da marca de cosméticos Ramelk, que chegou a ter, sob sua gestão, 3 mil funcionários. Como empregador, foi processado cinco vezes e fez acordo em uma. Há 13 anos é juiz e atualmente faz parte do grupo convocado pela presidência para implementar a Reforma Trabalhista.
O Estado se intromete
O magistrado minudencia que hoje o Estado é muito grande e se intromete demais na vida das pessoas. “E nós temos, nesse aspecto, um problema que me parece bastante grande, que é o servidor público. Veja, eu não me refiro, quero deixar muito claramente aqui, ao policial Marcos, de 37 anos, que morreu assassinado com um tiro na cabeça em plena luz do dia em Minas Gerais, num assalto a banco quando estava defendendo a sociedade; não me refiro à professora que está lutando para dar aula no interior de Minas Gerais, do Ceará, muitas vezes ganhando um salário hostil, um salário ridículo. O que eu quero dizer com “o problema é o servidor público” não é nem a figura do servidor em si, mas um sistema que gera esse servidor público”.
“O exemplo mais patente é do ônibus. Hoje para rodar um ônibus no Brasil você precisa de seis licenças diferentes: a do órgão de transporte municipal, da Embratur, da ANTT, licenciamento, emplacamento, IPVA... o que está por trás de tudo isso? Um monte de servidor público. Por que tem que ter seis carimbos para rodar um ônibus no Brasil? Porque atrás de cada carimbo tem três, quatro servidores públicos. Isso custa muito caro! Isso sem falar que muitos servidores públicos têm privilégios que precisam ser eliminados. Penso que deveríamos fazer uma lista profunda de todos os privilégios que existem no país – o fato de um deputado, por exemplo, depois de dois mandatos, poder se aposentar – e eliminar todos ao mesmo tempo. Aí ninguém vai se sentir otário!
Conhecido como “Pai da Reforma Trabalhista”, Marlos Melek continua a premissa: “não adianta alguém falar, eu vou abrir mão, como um paladino da justiça, de um benefício que eu tenho, de um privilégio que eu tenho. Nada justifica esses privilégios que levam a críticas, seja do servidor público, seja da iniciativa privada. Nós temos realmente que acabar com todos os privilégios existentes no Brasil. O servidor público é um problema nesse sentido. Nós precisamos pagar menos impostos e, para isso, não tenho dúvidas, isso passa necessariamente por uma racionalização do serviço público do Brasil. É nesse sentido que eu digo que o servidor público hoje é um problema no país”.
O senhor mudaria algo na lei trabalhista que entra em vigor em novembro?
O que eu mudaria no texto? Eu delimitaria, mostraria à sociedade brasileira que nem todo mundo pode ser autônomo. Autônomo é aquele que, além de trabalhar por conta própria, sem subordinação da relação típica de trabalho, tem lei própria que regulamenta a possibilidade de ele ser autônomo. Por exemplo, o motorista de carga, o representante comercial, o corretor de imóveis. Para que a sociedade brasileira não interprete que todo mundo pode ser autônomo.
Para que não haja carta branca para a pejotização?
Exatamente. Não é por aí. A Medida Provisória – e nós estávamos discutindo isso em Brasília – vai colocar mais três ou cinco parágrafos para explicar melhor a questão do autônomo.
Outra coisa que eu gostaria que fosse um pouco diferente seria a delimitação da reparação em dano moral quando esse dano fosse gravíssimo. Nós criamos uma parametrização de bandas em reparação moral em dano leve, médio, grave e gravíssimo, porque a Justiça não pode ser uma loteria, como em muitos casos acaba sendo.
Eu entendo que o gravíssimo deveria ter um valor maior de teto. Mas isso também, ao que me parece, será corrigido na medida provisória. Esse valor atual, de 50 salários contratuais, deve basicamente duplicar. Acredito que ele vai atender ao objetivo da lei, a intenção do legislador de permitir ao juiz que fixe uma reparação maior quando dano for gravíssimo.
A medida provisória vai criar um novo mecanismo de financiamento das entidades sindicais?
A Casa Civil está bastante convicta de que o texto que foi aprovado, como foi aprovado, é o texto ideal. Mas temos setores do Ministério do Trabalho que ainda estão se esforçando para obter alguma forma de financiamento não obrigatório, mas facultativo.
De que forma seria isso?
Seria a possibilidade de uma convenção coletiva criar uma obrigação financeira para o trabalhador e para o empregador, que poderiam se opor de maneira simplificada a esta cobrança, sem precisar ir pessoalmente, levar documento no dia tal.
É esse jogo de forças neste momento que interage em Brasília. Certamente as autoridades constituídas saberão desmembrar esse nó e vamos conhecer no curto prazo como ficará a questão do financiamento dos sindicatos.
Em suas palestras, o senhor costuma dizer que os servidores públicos estão entre os maiores problemas do país. Em que sentido?
Hoje nós temos um Estado que é muito grande, que se intromete demais na vida das pessoas. E nós temos, nesse aspecto, um problema que me parece bastante grande, que é o servidor público.
Veja, eu não me refiro, quero deixar muito claramente aqui, ao policial Marcos, de 37 anos, que morreu assassinado com um tiro na cabeça em plena luz do dia em Minas Gerais, em um assalto a banco quando estava defendendo a sociedade; não me refiro à professora que está lutando para dar aula no interior de Minas Gerais, do Ceará, muitas vezes ganhando um salário hostil, um salário ridículo.
O que eu quero dizer com “o problema é o servidor público” não é nem a figura do servidor em si, mas um sistema que gera esse servidor público.
O exemplo mais patente que eu dou é do ônibus. Para rodar um ônibus no Brasil você precisa de seis licenças diferentes: a do órgão de transporte municipal, da Embratur, da ANTT, licenciamento, emplacamento, IPVA... o que está por trás de tudo isso? Um monte de servidor público. Por que tem que ter seis carimbos para rodar um ônibus no Brasil? Porque atrás de cada carimbo tem três, quatro servidores públicos. Isso custa muito caro.
Isso sem falar que muitos servidores públicos têm privilégios que precisam ser eliminados. Penso que deveríamos fazer uma lista profunda de todos os privilégios que existem no Brasil – o fato de um deputado, por exemplo, depois de dois mandatos, poder se aposentar – e eliminar todos ao mesmo tempo. Aí ninguém vai se sentir otário.
Não adianta alguém falar aqui, “eu vou abrir mão, como um paladino da justiça, de um benefício que eu tenho, de um privilégio que eu tenho”. Nada justifica esses privilégios que levam a críticas, seja do servidor público, seja da iniciativa privada. Nós temos realmente que acabar com todos os privilégios no Brasil. O servidor público é um problema nesse sentido. Nós precisamos pagar menos impostos e, para isso, não tenho dúvidas, isso passa necessariamente por uma racionalização do serviço público do Brasil. É nesse sentido que eu digo que o servidor público hoje é um problema no Brasil.
O senhor diz que o ideal é que não haja “paladinos”, mas que a gente faça tudo de uma vez só. Como isso seria possível?
Com uma reforma constitucional, não tenho dúvidas. O ser humano sempre sofre um abalo com qualquer mudança. Ninguém, em sã consciência, individualmente posto, vai dizer “olha, eu topo, como servidor público, que a partir de agora não tenha estabilidade”. Ninguém, em sã consciência, vai dizer “eu topo trabalhar mais”.
Precisamos de uma reforma constitucional que retire simultaneamente todos esses privilégios. É o único mecanismo que eu vejo que poderia criar esse choque de cultura e de gestão no Brasil, assim como fez a reforma trabalhista na relação capital e trabalho.
Em seus quase 15 anos de Magistratura, o que viu nesse sentido? São comuns no Judiciário casos em que auxílios e gratificações são usados por juízes e procuradores para furar o teto constitucional.
Sabe que, na Justiça do Trabalho, eu não vejo. Eu, por exemplo, não tenho nem plano de saúde. A população desconhece que, hoje, o Juiz Federal do Trabalho está há exatamente sete anos sem aumento.
E aí, se você pegar reajuste, que é a reposição da inflação, o último que aconteceu foi há cerca de cinco anos e foi de 5%. Por isso que o governo nos deu esse auxílio-moradia (de R$ 5,8 mil), que está previsto em uma lei muito antiga. Assim ele ainda economizou, é importante que a população saiba. Eles pagam só para os que estão na ativa e não pagam nem um centavo para os que estão aposentados, que estão sem reajuste e sem auxílio-moradia. Esse negócio de ‘vale paletó’, de motorista, gasolina. Eu lhe asseguro aqui: meu contracheque está na internet, meu subsídio é de R$ 14,5 mil por mês (segundo o portal da Transparência do TRT-9, este é o valor líquido da remuneração de Juiz do Trabalho Substituto; o valor bruto é de R$ 27,5 mil), é isso que eu ganho.
Então o senhor é favorável ao aumento de 16,38% pleiteado pela categoria?
Neste momento, apesar de a Magistratura estar há sete anos sem reajuste, vou ser bem sincero, eu tenho dito isso nos grupos de Magistratura dos quais participo: eu não penso ser razoável, neste momento histórico do Brasil, em que nós temos 13 milhões de desempregados, não sou favorável a nenhum tipo de reajuste para a Magistratura neste momento.
Se for possível aos Tribunais, com o orçamento que eles próprios têm, remanejar alguma verba, como verba para obras, aí eu seria favorável, porque isso não onera o Estado. Quando o Brasil voltar a crescer, quando tiver melhores condições de empregabilidade para o seu povo, a Magistratura pode negociar com o governo toda essa reposição de perdas.
O senhor recebe pelas palestras que vem dando desde a publicação do livro (Trabalhista! E agora?, lançado pela editora Estudo Imediato)?
Eu não ganho dinheiro diretamente com as palestras, eu aufiro direitos autorais do meu livro. A editora que me dá suporte, cobra pelo deslocamento de um empregado, alguma coisa para montar a palestra, por conta dos custos que ela tem. Não são valores elevados. Até onde eu sei não passa de R$ 5 mil, isso já inclui passagens aéreas, a estada de quem é escalado para ir.
As palestras de servidores do Judiciário viraram tema polêmico depois que a corregedoria do Ministério Público instaurou procedimento para investigar a comercialização de palestras dadas pelo Procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da Força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. O que o senhor pensa a esse respeito?
Eu entendo que o magistrado, o procurador, não pode receber nada do setor privado. Por isso que, quando dou palestras em universidades, em OABs, em uma série de instituições, eu vou por conta própria, não levo livros, não permito que a editora participe.
Essa minha palestra é remunerada como se fosse uma hora-aula, e como é um assunto acadêmico, isso está absolutamente de acordo com a legislação. Agora, em relação a um magistrado ou um procurador receber um valor diretamente de quem quer que seja, não vejo isso com bons olhos, não seria correto.
Como dono de empresa, o senhor chegou a tomar algum processo, esteve do outro lado da mesa?
Sim. Em dez anos de empresa, eu tive no máximo cinco ações trabalhistas no Brasil inteiro. Eu era muito cuidadoso, até porque eu gosto desse tema. Ninguém era demitido sem aviso. Dessas cinco ações, fiz acordo na primeira, que realmente eu não pagava RSR (repouso semanal remunerado) sobre comissões, porque eu não sabia que tinha que pagar, foi um descuido. Eu, reconhecendo que estava errado, paguei. As outras causas foram de franqueados em que o trabalhador postulava a responsabilidade subsidiária da franqueadora. Nesses casos, a Justiça afastou a responsabilidade porque a lei é expressa, diz que o franqueador não responde pelos débitos trabalhistas do seu franqueado. Nós ganhamos essas causas por ilegitimidade de parte.
Esta entrevista está na versão impressa de agosto de 2017.
Anderson Spagnollo
Da Redação
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