ENTREVISTAS
Advogado e professor universitário se torna grande fiscal do dinheiro da população
Com o conhecimento e a experiência de ensinar Direito Público e Direito Administrativo por vários anos e não aguentar mais ver maus gestores torrando e jogando o dinheiro da população no ralo, Alessandro Otavio Yokohama resolve agir. Não como político, mas como cidadão e profissional do Direito. As premissas são abrir os olhos da população e mostrar a falta de transparência e as ilegalidades de alguns gestores. O rápido resultado não podia ser outro: repercussão muito positiva. E não importa quem é o prefeito, vereador, ou o secretário. Não é pessoal. Basicamente é fazer cumprir a lei. Fazer com que os recursos oriundos dos impostos pagos pela população sejam aplicados de forma eficiente e com transparência. E, é claro, punir os políticos que desrespeitarem o que está na cartilha. “Aos meus alunos espero que combatam com veemência o mau uso dos recursos públicos, conhecendo e estudando minuciosamente a regulação jurídica dos contratos administrativos, porque neles há uma carga enorme de “poder” do Estado”, afirma Alessandro Yokohama em entrevista aos jornais Caderno Jurídico e Coluna D’Oeste. Discípulo de Osmar Serraglio, ex-deputado federal e ex-professor de Direito, Alessandro Yokohama destaca que a Lei de Responsabilidade Fiscal está aí para frear os desvios de conduta. Aproveita e cita um diálogo que ouviu quando estava na graduação: “Osmar. Porque não me deixa ganhar dinheiro também? A resposta do doutor Osmar: pode ganhar, mas não dinheiro público.” Entrevista foi feita na tarde do dia 1º de junho.
Nos últimos meses o senhor tem se tornado referência quando os assuntos são transparência e eficiência na gestão pública. O senhor tem levado ao conhecimento da população os atos administrativos dos prefeitos e vereadores. Por quais motivos começou esse grandioso trabalho?
Sabe aquele momento em que você não aguenta mais ficar quieto? Foi isso que aconteceu. Eu ensino Direito Público há tantos anos. Já vi tanta coisa errada... Sempre lidei com o assunto nas salas de aula. Também atuei na defesa de Municípios. Foi assim que comecei minha carreira como advogado. Há muitos anos não advogo mais para o poder público. Bem, voltando ao assunto, um dia desses acordei e resolvi que pelo menos ia mostrar para todos o que estava errado. Ou aquilo que parece errado, porque é óbvio que eu posso me equivocar. O que importa é que estou sempre de boa-fé. Não me importa quem é o prefeito, nem quem são os vereadores daquela cidade. Isso não é pessoal.
Muitos atos dos gestores são incompetentes e levianos e chegam a ser motivos de chacota. O senhor tem mostrado (ou já mostrou) isso aos seus alunos do curso de Direito, visando à formação de bons profissionais?
Na sala de aula? Nunca. Eu jamais faria isso. Falo dos erros de forma impessoal. Se for para citar alguém, menciono alguém que acertou, fez a coisa correta. Quando mostro erros, escondo a origem. Pelo menos para mim, a sala de aula não é lugar para sequer parecer um candidato. Mas é claro que eu aponto as ilegalidades, sem indicar a autoria e nem citar casos concretos, pois é assim que os alunos reconhecerão elas no futuro. Espero que muitos deles combatam o mau uso do dinheiro público. Espero isso, porque é o caminho para um Brasil melhor. Se durante a minha vida eu não puder ver isso, que pelo menos minha filha possa viver num lugar onde a coisa pública seja respeitada. Olha, eu também não posso deixar de dizer que nem todos os políticos são assim. Sei que você não disse isso na pergunta, mas acho importante destacar que nós precisamos de políticos. Alguns são bons. Há candidatos para quem eu tiraria o chapéu, mas não vou nominá-los aqui, para evitar de esquecer algum e ser injusto.
Compreendo. Sei que não são todos os políticos. Sei que existem políticos bons e a escolha de representantes comprometidos e íntegros têm melhorado sensivelmente, para o bem do País. Sobre mostrar aos seus alunos, é de extrema importância sua resposta. E emendo a pergunta, voltando-a para a didática dentro da sala de aula, como por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que neste mês completa 20 anos. Quais são os ensinamentos neste sentido e qual é o peso dessa lei para um bom operador do Direito? O estudante tem que ter brio?
Sim. A Lei da Responsabilidade Fiscal não é explorada em detalhes na cadeira de Direito Administrativo. Assim como a matéria financeira e orçamentária, ela criou autonomia. Não daria tempo de lidar com ela em sala de aula, porque a matéria, digamos curricular, já demandaria mais tempo do que a gente dispõe. Note que a Lei Complementar 173, do último dia 27, alterou pontos importantes dela, por conta da pandemia. Essa lei foi um divisor de águas. Importantíssima. Em sala de aula procuro dar enfoque a um assunto meio que “esquecido”: os contratos administrativos. Na maioria das salas de aula sempre dão realce às licitações. Só que essas são apenas o meio para o fim chamado “Contrato Administrativo”. Penso que os acadêmicos devem conhecer o máximo possível da regulação jurídica de tais contratos, não só porque deles se originam fraudes, mas também porque neles há uma carga enorme de “poder” do Estado, na forma do que a gente chama de “cláusulas exorbitantes”. Se os futuros operadores do Direito não souberem os limites do poder dentro dos contratos públicos, sempre haverá abusos. Conhecer as fronteiras dos poderes da Administração Pública, que correspondem exatamente às medidas necessárias e suficientes para cumprir os deveres legais impostos aos agentes políticos, é a tarefa número um de quem quer lidar com o Direito Público.
Professor. Há uma farra com os recursos públicos, onde basicamente a nota fiscal “aceita tudo”. De que forma o profissional do Direito, o operador do Direito, atuante nas Câmaras e Prefeituras pode trabalhar para coibir abusos e atos de corrupção entre quem tem o poder da caneta e o setor empresarial – o prestador de serviços?
Quem costuma ser muito eficiente nessa tarefa são os agentes públicos concursados. Eles notam esses erros, fraudes e crimes. Se não são todos que denunciam os agentes políticos, presumo que seja por receio de uma perseguição. Mas veja: a existência de publicações e do Portal da Transparência, por exemplo, já é um grande passo em relação ao passado. Além do mais, hoje o Ministério Público é muito mais eficiente em relação a proteção do patrimônio público do que num passado distante. Existem os observatórios sociais, as defensorias públicas... De forma perspectiva, nós estamos melhor. O que não significa que estamos satisfeitos.
E a população? Neste caso, em ano eleitoral, os eleitores.
Essa é uma pergunta milenar. Se os eleitores escolherem candidatos melhores, entrevistas como esta não existirão mais. Mas como podemos exigir das pessoas mais humildes um grande conhecimento do cenário político e da biografia dos candidatos? É um sistema circular perverso: ele cria pessoas com escassa leitura que, de seu turno, elegem novamente, sem saber, seus próprios algozes.
O senhor tem recebido muitas denúncias de irregularidades? Como está lidando com elas? Há casos em que os gestores foram ou estão sendo denunciados ao Ministério Público e à Polícia?
Recebo mais do que consigo ler! Eu leio um diário oficial da região por dia e mais um de meses atrás, além de consultar um Portal da Transparência de alguma cidade da região. Mas isso tem que ser feito durante a noite ou nos intervalos do trabalho. Os colegas advogados saberão que não minto quando digo que o tempo é curto. E há ainda as aulas para preparar. Já dou aulas há mais de 20 anos, mas ainda leio e estudo a matéria antes de gravar (hoje a aula está sendo online, gravada). Vou até contar algo estranho, ou engraçado: todo primeiro dia de aula eu estou mais nervoso que os alunos. Dá até tremedeira. Sempre nasce uma espinha no meu nariz no primeiro dia de aula. Sempre. Todos os anos. Mas não acho que seja um mau sinal. É um indicativo de que eu levo a sério a sala de aula. Sobre as denúncias, ainda não apresentei nenhuma representação ao Ministério Público, nem à Polícia. Mas já ajuizei ações populares, reclamações constitucionais, mandados de segurança, etc. E estou trabalhando em outros, sempre “espremido” pela falta de tempo.
Pode citar as principais aberrações? (pode ser duas ou três)
Prefiro dizer que todos os casos em que noto o gasto de dinheiro público com coisas insignificantes, como cursos sem qualquer relevo, fico revoltado. Você vai para uma cidade pequena da região, e anda pelos bairros. Tudo de terra. Gente afundada no barro (hoje choveu e eu estava numa cidade dessas). A pobreza na periferia é grande. A Prefeitura não cuida nem do básico. E chego no meu escritório para encontrar no jornal um gasto com curso de capacitação que eu jamais autorizaria minha filha a cursar, de tão inútil! Como não ficar irritado? Eu sou extremamente emotivo. Sei que não parece, mas sou. Fico com pena dessas pessoas esquecidas, jogadas no limbo da sociedade, enquanto nos paços municipais alguns políticos se reúnem para decidir “como gastar”. Olha, me dá vontade de vomitar. Desculpe as palavras.
Compreendo perfeitamente professor. No jornalismo que produzimos – livre, crítico e opinativo do jeito certo – também flagramos, investigamos e publicamos muitas atrocidades com o dinheiro público e ficamos revoltados. O seu escritório de advocacia assessora alguma Prefeitura ou Câmara de Vereadores ou algum órgão público?
Não mais. Há muitos e muitos anos. Eu comecei como estagiário do Dr. Osmar Serraglio. Ele trabalhava, antes de ser deputado federal, com municípios. Aprendi com ele. Criei gosto. Ele foi meu professor de Direito Administrativo. E hoje eu ocupo a cadeira que era dele na sala de aula. Uma honra. Sabe, ele é ainda minha referência para o trabalho. Eu ouvi e vi, bem na minha frente, o seguinte diálogo, quando estava na graduação:
– “Osmar, por que não me deixa ganhar dinheiro também?”
– “Pode ganhar, mas não dinheiro público!”
Nunca vou relevar quem era e nem qual era o contexto, mas você deve ter notado que a ideia era ele fazer “vista grossa” para algo relacionado a gastos em um dos Municípios que ele assessorava. Enfim, tive a sorte imensa de ter trabalhado com o melhor advogado na área e, ainda por cima, com alguém de fibra moral. Sei que fugi do assunto, mas devo muito a esse homem e acho que nunca vou homenageá-lo suficientemente.
Com seu certeiro trabalho nas redes sociais, abrindo os olhos da população como um fiscal eficiente, seu nome surgiu no meio político. Está em ascensão nos bastidores. Do advogado e professor universitário doutor Alessandro Yokohama. O senhor tem pretensões políticas?
Zero. Nenhuma. Nada. Político? Pedir voto? Tem uma frase do Emerson, poeta e filósofo americano que eu adoro, que me serve de guia: “O preço mais alto que se pode pagar por qualquer coisa é pedir.” Por pensar desse jeito, nunca seria um bom político. Bem, talvez eu fosse, mas nunca conseguiria chegar a ser. Não seria eleito. Assim como uma criança pequena, não consigo fingir que gosto de alguém. E isso é meio que necessário para ser político, não é?
Sim. O senhor já recebeu represália de algum gestor ou fã desse gestor? Se sim, qual procedimento adotou?
Já. Por escrito, pelas redes sociais. Até de prefeito. Eu respondo do meu jeito diplomático: xingando. Veja que eu realmente não daria um bom político... Bem, também houve algo mais sério. Tem um cidadão de Tuneiras do Oeste que sempre me manda documentos. Eu confiro e são sempre verdadeiros. Ele mesmo tira fotos ou faz “print” do Portal da Transparência. Pois na segunda-feira à noite, quando cheguei do escritório, lá pelas 22 horas, recebi uma mensagem dele. Ele me passou até os nomes de duas pessoas que estão dizendo que ambos, eu e ele, vamos “comer grama pela raiz” e coisas do tipo. Espalham entre os servidores da cidade. Como já tenho os nomes dos dois, vou tomar minhas providências. Não vão me acuar! Pelo contrário: agora, qualquer coisa que acontecer comigo ou com minha família, será a princípio responsabilidade dos dois.
Voltando ao assunto atual. É período de calamidade na saúde pública. Para combater o coronavírus “está tudo liberado” no setor de compras dos Executivos e Legislativos dos governos municipais, estaduais e federais. A lei de licitações não tem relevância. Casos de corrupção já começaram a surgir. Dentro do Direito tem uma vacina mais rápida e eficaz para combater a corrupção e o mau uso do dinheiro público?
Infelizmente, não. A gente faz um trabalho de gotinha. Se mais gente ajudasse de verdade, não apenas reclamando e pedindo pressa de quem está ajudando, talvez os agentes políticos ficassem mais cautelosos. Depois de uma dúzia de ações populares e mais algumas ações de improbidade, até o mais “corajoso” (ironicamente, claro) dos corruptos começa a maneirar. A fiscalização, a publicidade, a vigilância popular, tudo isso é como a luz do sol, um grande desinfetante contra os germes da corrupção.
O que o Governo Federal poderia fazer neste momento para ajudar nesse combate (da corrupção e do mau uso do dinheiro público)? Alguma medida da Presidência.
Hoje? Nada. O STF decidiu que os Estados e Municípios têm autonomia para decidir as medidas contra o tal coronavírus. Junto com a autonomia vem a responsabilidade. Num futuro próximo, eles, governadores e prefeito, colherão os frutos dessa liberdade de gastos atual. E acho que tais frutos não serão muito doces...
Doutor, muito obrigado pela atenção nesta produtiva e didática entrevista. Fica o espaço aberto para suas considerações finais.
Eu agradeço a oportunidade. Só quero aproveitar e chamar todos que se interessam pelo Brasil para fiscalizar e denunciar. E para que meus colegas advogados, os que puderem, ajudem na tarefa de ajuizar ações populares contra desmandos contra o erário. Dá trabalho, dá despesa, não tem retorno financeiro, tudo isso é verdade. Mas alma não tem preço. A sensação de estar fazendo alguma coisa é algo difícil de descrever. Faz a gente se sentir vivo. Dá sentido à vida. É isso.
O trabalho do doutor Alessandro Yokohama pode ser acompanhado através de sua página no facebook. Digite Prof. Alessandro Otavio Yokohama.
Entrevista publicada no jornal impresso de junho de 2020.
Anderson Spagnollo
Da Redação
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