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Jornal Caderno Jurídico

Direito Penal e Processual Penal

Foi tudo homologado pelo TSE! Será?

2/4/2017 às 22h56 | Atualizado em 2/4/2017 às 23h05 - Rogério Greco
Rogério Greco

O Brasil tem assistido, quase diariamente, políticos dos mais diversos partidos, sempre que questionados sobre as doações de campanha, responderem que “foi tudo homologado pelo TSE”. Em paralelo a este fenômeno, há cada vez mais a tentativa de separar o que é “dinheiro de Caixa 2” de “dinheiro de corrupção”, como se apenas o segundo caso fosse dinheiro ilícito. Estes dois assuntos são indispensáveis para o futuro da Lava-Jato e do próprio país. Vamos a eles.

Caixa 2 também é crime. O chamado Caixa 2, isto é, as doações ilegais, não podem ser vistas como mal menor. De saída, e sem necessidade de uma análise aprofundada do tema, o simples fato de omitir o que recebeu ilegalmente através do Caixa 2 já se configura no delito de falsidade ideológica eleitoral, tipificado no art. 350 do Código Eleitoral.

 

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

 

Além do crime eleitoral, existe também o delito de sonegação fiscal, haja vista que aquele que recebeu, por fora, determinada importância, ou mesmo serviços de outra natureza, deve ser responsabilizado criminalmente pelo delito tipificado no art. 1º, I, da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que comina uma pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa, estabelecendo, verbis:

 

Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

 

As operações em curso no Paraná e no Rio de Janeiro estão demonstrando, sem muito esforço, que essas doações, sejam elas informadas ou não ao TSE, são fruto de corrupção. Isso porque, indagamos, qual o sentido de uma empresa, cuja finalidade é sempre lucrativa, doar milhões de reais aos partidos políticos? Será que são tão patriotas a esse ponto? Já está mais do que comprovado que o que acontece é uma antecipação daquilo que irão receber caso o político por eles apoiado seja eleito, em geral por meio de obras superfaturadas e/ou não entregues, ou de isenções fiscais. Empresários gananciosos fazem doações para recuperarem seu “investimento” com grande lucro.

Se o político usa sua parte da operação ilícita para campanhas eleitorais ou para viagens, vinhos e joias é outro assunto. O enriquecimento pessoal é ainda mais vergonhoso, mas ter dinheiro ilícito para vencer eleições não é algo irrelevante ou de menor monta.

A lei não prevê exceção ou perdão para dinheiro sujo utilizado em campanhas eleitorais, nem deveria. O político ou governante não pode escolher qual lei cumprirá ou não. Sustentar que não é crime aquilo que a lei prevê e aceitar que o partido no poder tenha uma vantagem Ilícita em prejuízo daqueles que estão na oposição são aberrações que jamais deveriam ter espaço. Caso algum advogado de defesa, à falta de argumento melhor, diga isso, podemos até compreender seu desespero, mas de modo algum chancelar uma tese tão absurda.

A Justiça Eleitoral deve aplicar, e com celeridade, as sanções cabíveis, tais como: (i) o partido político que descumprir normas referentes à arrecadação e à aplicação de recursos perderá direito ao recebimento da cota do Fundo Partidário no ano seguinte; (ii) os candidatos beneficiados respondem por abuso do poder econômico e podem ficar inelegíveis por oito anos; e (iii) o julgamento da prestação de contas de anteriores campanhas eleitorais não afasta a possibilidade de apuração por outros órgãos em relação à prática de ilícitos (em especial, arts. 25 e 30-A da Lei nº 9.504/97, art. 92 da Resolução TSE nº 23.463/2015 e arts. 1º, inc. I, alínea “d” e 22, inc. XIV, da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990). O Caixa 2 é uma fonte vedada de recebimento de recursos eleitorais e, portanto, a aprovação de eventuais contas de campanha não impede posterior representação por captação ou gastos ilícitos de recursos ou por abuso do poder econômico (art. 91, § 4º, da Resolução TSE nº 23.463/2015 e jurisprudência pacífica do TSE). As representações eleitorais por desvios na arrecadação de recursos e de eventual abuso do poder econômico são processos autônomos que podem gerar a nulificação do diploma dos eleitos e a inelegibilidade por oito anos, independentemente do processo de prestação de contas. Por fim, anote-se que os recursos de “origem não identificada” não podem ser utilizados pelos partidos políticos e candidatos, sendo obrigatória a sua transferência ao Tesouro Nacional por Guia de Recolhimento da União – GRU (conforme art. 26 da Resolução TSE nº 23.463/2015).

Logo, precisamos deixar claro que o caixa 2 não é um fato atípico nem de pouca gravidade. Além de antiético e imoral, o Caixa 2 pode traduzir, pelo menos, três infrações penais: falsidade ideológica eleitoral (art. 350 do CE), sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90) e corrupção passiva (art. 317 do CP).

O país precisa não que se tente dizer que “Caixa 2 não é crime”, ou que não é grave, mas que: (a) sejam punidos aqueles que praticaram Caixa 2 e (b) haja uma real reforma político-eleitoral que diminua o poder financeiro dos políticos corruptos e dê maior espaço para os políticos honestos.

 

Escrito por Rogerio Greco. Procurador de Justiça/MG, professor de Direito Penal, mestre e doutor em Direito.

Escrito por William Douglas. Juiz Federal/RJ, professor de Direito Constitucional, pós-graduado em Políticas Públicas e mestre em Direito.

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