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Jornal Caderno Jurídico

ESPAÇO ACADÊMICO

Parceria público privada no sistema carcerário

4/3/2017 às 0h02 - Renan William de Deus Lima
Renan William de Deus Lima

A finalidade preventiva da pena mostra-se razoável apenas nos livros que a teorizam, pois na realidade fática é inconcebível recuperar um condenado num espaço insalubre, abarrotado e comandado por facções. Armas, drogas e aparelhos celulares estão cada vez mais presentes.  As rebeliões – eventos já rotineiros em muitos Estados – são o reflexo de um sistema mal administrado, negligenciado e tratado com desdém. Não existe cobrança por parte da população que, aparentemente, se satisfaz com as más condições em que os detentos estão submetidos. Todavia, a ignorância que fomenta o descaso e leva ao fracasso do sistema.

A Lei 7.210/84 – Lei de Execuções Penais – distancia-se cada vez mais da realidade dos estabelecimentos prisionais brasileiros, já rotulados como obsoletos. Ambientes cujo ideal é precipuamente fornecer condições para que o apenado retorne à sociedade, converteram-se em academias para aperfeiçoamento de delinquentes.

Segundo aponta o último diagnóstico sobre sistema carcerário, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil ocupa a quarta posição no ranking mundial quando se trata de população carcerária. Cerca de 563.526 presos estão inseridos num sistema cuja capacidade gire em torno de 357.219 vagas. Estima-se ainda, que a taxa de reincidência do Brasil está em cerca de 70%.

Frente à incompetência do Estado em administrar o sistema prisional, surgem algumas propostas para mudar o quadro. A privatização é considerada por muitos como um avanço na gestão administrativa e pode ser ferramenta para solucionar o problema.

Empresas privadas argumentam que, por meio da inserção de técnicas de gestão empresarial, é possível reverter o absurdo em que se encontra o sistema prisional, utilizando-se de técnicas como redução de gastos, maximização e melhoria significativa na qualidade dos serviços prestados.

Posicionamentos não favoráveis à medida sustentam que, além de ser uma função indelegável do Estado, criar-se-ia um comércio penitenciário, atentando diretamente contra a dignidade humana do preso, que passaria a ser olhado sob uma perspectiva de lucro.

Mesmo que a privatização seja frequentemente associada com a corrupção devido à interferência de empresários e interesses políticos, o sistema carcerário carece de medidas urgentes a serem estudadas. Nesta linha de pensamento, sustenta o notável penalista Damásio de Jesus que a privatização é conveniente, desde que o poder de execução permaneça com o Estado. Opinião semelhante partilha o também penalista de renome Luiz Flávio Gomes, que afirma ser contra a privatização absoluta, contudo, favorável à terceirização de determinadas funções.

 

Parceria Público Privada

Métodos semelhantes à privatização já estão sendo testados no Brasil, e alguns desses rendem resultados positivos, tal como a gestão compartilhada. Há um formato denominado Parceria Público Privada (PPP), que paulatinamente está chamando a atenção, e é o foco principal do presente estudo.

Regulamentada em 2004, a PPP entrou no ordenamento jurídico pátrio por meio da Lei Federal nº 11.079. Inicialmente apontada como “tentativa disfarçada de privatização”, a PPP é um contrato administrativo de concessão, que se diferencia dos demais em razão de haver uma contraprestação periódica do parceiro público perante o privado.

Esse procedimento já está sendo testado no Brasil e o primeiro Estado a adotá-lo foi Minas Gerais. O presídio, em atividade desde janeiro de 2013, está localizado em Ribeirão das Neves e possui um diretor público nomeado pelo Estado. O complexo prisional foi construído com os recursos do parceiro privado, numa área doada pelo governo de Minas. O Estado não investe de modo direto na construção e manutenção do local. A tarefa é de responsabilidade do parceiro particular. Ao Estado cabe apenas custear cada preso num valor mensal de R$ 2.700 – cerca de R$ 800 a mais que o sistema público.

A capacidade do presídio possui previsão contratual, medida que evita a superlotação e todos os problemas advindos dela, tais como insalubridade, rebeliões e proliferação de doenças. Importante ressaltar que o complexo recebe apenas condenados do sexo masculino. É vedado – segundo a política interna – a recepção de condenados por crimes sexuais e membros de facções. Essa seletividade é alvo de críticas e um dos principais contra-argumentos ao sistema. Alega-se que os resultados positivos são possíveis apenas por conta dessa seleção de presos com menor periculosidade.

Como se trata de um sistema híbrido, algumas funções ainda permanecem sob a responsabilidade do Estado: a segurança do local e o transporte dos detentos. O privado disponibiliza atendimentos médicos e odontológicos, uniformes e alimentação.

 

Trabalho e estudo

Os detentos trabalham e estudam. Recebem o benefício da remissão de pena em razão dos dias laborados e usados para o estudo. Dentro do complexo trabalham com metalúrgica, marcenaria, e confecção de uniformes e calçados. O condenado que labora recebe um salário mínimo (25% ao Estado e o restante para ele e a família). Há salas de aulas com detentos matriculados em todas as turmas de ensino fundamental e médio, com espaço para estudo e biblioteca.

Indiscutivelmente, o sistema adotado em Ribeirão das Neves dispõe de uma ótima estrutura, com equipe multiprofissional capacitada, que oferece melhores condições, de modo a permitir o processo de reinserção social do apenado. O sistema observa os princípios fundamentais elencados pela Constituição Federal, garantindo a dignidade humana do sujeito recluso, e, principalmente, capacitando-o profissionalmente.

 

É preciso cautela

A PPP deve ser analisada com cautela. À primeira vista parece ser a solução para as mazelas do sistema carcerário. Porém, é quase impossível prever como o sistema se comportaria numa escala maior, uma vez que a população carcerária do Brasil é excessiva e cada recluso custaria em média absurdos R$ 2.700 ao Estado.

Alocar a iniciativa privada num ramo de atuação do Estado, tal como o sistema carcerário, implica o estudo de questões fundamentais. Na PPP de Ribeirão das Neves, o contrato estabelece que no mínimo 90% das vagas deverão estar sempre ocupadas, fato que gera a responsabilidade do Estado em preenchê-las. Ora, se precipuamente (essencialmente) o maior intento de um sistema prisional é reabilitar o preso e contribuir para a extinção da criminalidade, como pode o Estado seguir o caminho oposto, de modo que se comprometa a manter a população carcerária em número elevado?

 

Em outros países

Em países como os Estados Unidos (Constituição não veda a privatização), o sistema carcerário tornou um negócio bilionário. Empresas gestoras de presídios passaram a encabeçar o ranking das mais poderosas do país. Curiosamente, após diversos estados adotarem a privatização, houve uma série de denúncias envolvendo prisões ilegais e majoração da legislação penal a fim de facilitar a condenação em determinados crimes, surgindo o termo “privatização da violência”.

Na opinião do sociólogo e professor da USP, Laurindo Minhoto, estender a lógica empresarial para o âmago de uma função do estado moderno, se trata meramente de criar um novo ramo de negócios.

Ao analisarmos experiências adotadas por outros países, bem como seus resultados obtidos, devemos ser sensatos e não tomá-las como verdades absolutas e regras universais. É essencial planejar um sistema de acordo com demanda particular de cada região.

É importante frisar que já foram registradas algumas falhas, tais como o relato de uma fuga logo no primeiro ano de atividade. E por violar um dispositivo da Lei 11.079, Minas Gerais foi condenada por terceirização ilícita, ao designar para o parceiro privado as funções de custódia e assistência jurídica. Sem mencionar o elevado custo por preso aos cofres públicos.

É muito difícil apontar com precisão se a PPP é uma solução em potencial ao falho sistema carcerário, tendo em vista que o País carece ainda de mais unidades para que se possa colher testes significativos em maior escala. Porém, diante da situação que se encontra o sistema prisional, recorrer ao estudo de novas alternativas não se trata de escolha, mas sim necessidade, já que o Estado não apresenta quaisquer indícios de melhorias, tampouco interesse em fazê-las.

Concluímos que Luiz Flávio Gomes e Damásio de Jesus têm as opiniões mais precisas. Sustentam a terceirização de determinadas funções, de modo que o poder permaneça ainda sob o Estado. Tal método, se planejado e aplicado em consonância com a Lei de Execução Penal, possibilitaria a prestação de serviços de qualidade por empresas privadas, tais como assistência material e educacional, bem como o exercício de atividades profissionalizantes e intelectuais. Entretanto, por limitação da atual gestão pública e seu constante desinteresse no caso, dificilmente ver-se-á o sistema carcerário adotar tais medidas, que atualmente, soam como utópicas.

 

Renan William de Deus Lima, acadêmico do curso de Direito da Universidade Paranaense (UNIPAR), Campus Umuarama.

Artigo escrito com a orientação do professor Luiz Roberto Prandi, doutor em Ciências da Educação (UFPE), mestre em Ciências da Educação (UNG/SP), especialista em Gestão Escolar, Supervisão e Orientação Educacional, Gestão e Educação Ambiental, Educação do Campo, Metodologia do Ensino Superior e Lengua Castellana. Prandi é autor de livros, professor titular e pesquisador da UNIPAR e conferencista.

Publicado no jornal impresso em maio de 2015.

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