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Jornal Caderno Jurídico

ESPAÇO ACADÊMICO

Acessibilidade aos deficientes auditivos no Detran

3/3/2017 às 23h46 | Atualizado em 4/3/2017 às 0h05 - Lucas Marin Cebrian
Lucas Marin Cebrian

Observamos os direitos das pessoas com deficiência e os dispositivos legais que lhes dão provimento e podemos afirmar que o ordenamento jurídico pátrio não peca pela quantidade diversas leis, decretos e regulamentos, cuja finalidade é tutelar a dignidade daqueles que, por algum motivo, possuem suas capacidades reduzidas.

Um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, talvez o principal, diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se de direito fundamental, cuja formulação se deve, em grande parte, ao filósofo Immanuel Kant, no século XVIII. Definido como valor essencial, tal princípio deve nortear toda atividade do poder público, de modo a garantir às pessoas um patamar existencial mínimo. A Carta Magna de 1988 o descreve em seu artigo 1º, III, e ainda faz uso de outros dispositivos para lhe dar a efetiva égide.

No âmbito da tutela das pessoas com necessidades especiais, zelar pela dignidade humana, em razão da igualdade material, se mostra imprescindível. A CF/88 determina em seu artigo 23 que a competência de zelar pela proteção das pessoas com deficiência é dever de todos os entes federativos, ou seja, União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Há uma disparidade descomunal entre a legislação e a realidade fática. Pela não observância de leis e princípios constitucionais. E diariamente pessoas com deficiência são prejudicadas. O presente artigo reflete um problema peculiar, que está latente há muito tempo e só agora ganha repercussão. Trata-se da ausência de acessibilidade para surdos nos testes teóricos elaborados pelos Detrans (Departamentos Estaduais de Trânsito), para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

Não existem restrições à possibilidade de uma pessoa surda conduzir um veículo automotor, mesmo quando tange às categorias A e B. Embora soe estranho (para algumas pessoas) a deficiência auditiva não constitui causa suficiente para impedir que um cidadão surdo seja um bom motorista. A visão mais aguçada em deficientes auditivos é o sentido necessário para se conduzir veículos. A capacidade auditiva tem função auxiliadora, mas não impossibilita.

O processo de capacitação de motoristas vai desde o ingresso aos Centros de Formação de Condutores, as autoescolas, até a realização do teste prático, aplicado nas Circunscrições Regionais de Trânsito (Ciretrans). Embora todo o processo, muitas vezes, seja eivado de inacessibilidade, para o deficiente auditivo o maior empecilho está na realização do teste teórico.

A prova teórica é composta por 30 questões objetivas. A aprovação se dá pela assertiva de 70% e é requisito necessário para o início das aulas práticas. A teórica é realizada inteiramente na linguagem escrita, o que impossibilita o entendimento do surdo que não domina a Língua Portuguesa. Deficientes auditivos são totalmente prejudicados, pois foram alfabetizados na Língua Brasileira de Sinais (Libras).

 

Dificuldades

Visando atender a comunidade surda, em 2002, foi sancionada a Lei 10.436, a “Lei de Libras”, que declarou que Libras é meio legal de comunicação e expressão, a equiparando a Língua Portuguesa. Em seu artigo 1º, § único, a lei define a Língua Brasileira de Sinais como: “[..] sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria [...]”. Isto é, existe uma desvinculação da Língua Portuguesa em relação a Libras, em que esta não é mera gesticulação daquela, como equivocadamente algumas pessoas acreditam ser. Como o próprio texto normativo assinala, a Libras possui estrutura gramatical própria, composta de níveis linguísticos díspares à Língua Portuguesa, tais como sintaxe e semântica.

A dificuldade de um surdo entender o Português é semelhante a qualquer pessoa compreender outro idioma. Pode até saber o significado de algumas palavras, mas, se não souber aplicá-las, não será possível a assimilação.

O problema é sanado de uma simples forma. Basta permitir que os surdos realizem o teste com o auxílio de intérpretes. Isso muitas vezes não é possível. Por se tratar de autarquias estaduais, os Detrans possuem regulamentação própria. A disponibilidade de intérpretes varia conforme o Estado. São poucos os Estados que olham para isso. E o próprio surdo acaba correndo atrás de um intérprete particular.

Em razão dessa barreira limitativa surgiu o movimento “Detran sem Libras = Surdos sem Acessibilidade”. A campanha tem o condão de dar a efetiva égide aos surdos, por meio da disponibilidade de intérpretes por parte do Estado, sem custo ao deficiente auditivo. Não faltam dispositivos legais que legitimam tal pleito.

A guisa de exemplos, citamos o Decreto 5.626/2005, dispondo em seu artigo 26 que, o poder público, as empresas concessionárias de serviços públicos e os órgãos da administração pública federal, estadual e municipal – seja administração direta ou indireta – devem garantir às pessoas surdas o tratamento diferenciado, por meio do uso e difusão de Libras.

Por si só, tal dispositivo já é o suficiente para que se torne exigível a disposição dos intérpretes. O Detran (órgão estadual) é inteiramente responsável pela presença de profissionais capacitados a aplicar (traduzir) a prova para Libras, sem custo extra ao deficiente auditivo.

Em um ano o movimento já alcançou resultados significativos. Em diversos Estados, a exemplo do Paraná, o Detran passou a editar portarias, promovendo a qualificação e disponibilização de intérpretes nas Ciretrans. E, apesar dos avanços, tais resultados ainda não são suficientes.

 

Método mais eficaz

A presença de intérpretes já é de grande valia e notadamente uma conquista. Porém, acessibilidade se traduz, acima de tudo em independência, isto é, possibilitar que por si só, o deficiente haja sozinho, independentemente de ajuda, nas situações em que for possível. Existem outros meios que concedem mais liberdade, além de inúmeras outras vantagens. Um deles é o teste em vídeo, aplicado inicialmente no Detran do Distrito Federal e recentemente adotado em Santa Catarina.

A prova em vídeo segue a mesma linha da escrita, com a vantagem de que, tanto os enunciados das questões, quanto as alternativas são inteiramente traduzidas em Libras, por meio de formato de vídeo, em que as questões são previamente gravadas por um intérprete.

Duas são as vantagens. 1ª – Mais autonomia ao deficiente auditivo, de modo que ele é capaz de realizá-lo sozinho, sem que haja um possível desconforto em solicitar traduções. 2ª – Custo benefício. Os gastos são com um único intérprete por Detran e com equipamentos de captação de imagem.

Basta que a entidade em questão (Decreto 5.626/2005 em que o Detran é obrigado) adote medidas favoráveis aos surdos, neste caso preferencialmente a prova em vídeo, porque é um método vantajoso, tanto para o surdo, quanto à administração pública.

 

Lucas Marin Cebrian, acadêmico do curso de Direito e participante do PIBIC da Universidade Paranaense (UNIPAR).

Artigo escrito com a orientação do professor Luiz Roberto Prandi, doutor em Ciências da Educação (UFPE). Mestre em Ciências da Educação UNG/SP. Especialista em Gestão Escolar Supervisão e Orientação Educacional, Gestão e Educação Ambiental, Educação do Campo, Metodologia do Ensino Superior, Educação Especial e Lengua Castellana. Autor de livros, conferencista, professor titular e pesquisador da UNIPAR.

Publicado no jornal impresso de maio de 2015.

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