Política
Os atos antidemocráticos que eu vi
Quando a expressão “atos antidemocráticos” virou feijão com arroz do discurso político “progressista”, abençoado pela mídia amiga, julguei instrutivo a mim mesmo listar atos antidemocráticos sem aspas que venho observando aqui da pequena cápsula de trabalho de onde escrevo. A lista vai assim:
Primeiro – a função contramajoritária
Em 2019, em meio a um tratamento rigoroso e invasivo, opondo-se às iniciativas do governo recém-empossado, ministros do STF se declararam no exercício de uma função contramajoritária e passaram a agir como se fossem oposição a um governo recém-instalado.
Segundo – atos antidemocráticos e fake news
A criação de duas figuras de conceituação imprecisa – atos antidemocráticos e fake news – originou inquéritos abertos para permanecer perenemente assim, sigilosos, misteriosos, ameaçadores e a suscitar medidas coercitivas imediatas.
Terceiro – coerção sobre os ambientes digitais
A censura nua e crua de veículos que atuam em meio digital, o bloqueio de redes sociais e a desmonetização de canais estabeleceram um ambiente de temor (que levou à autocensura), restringindo a expressão do pensamento em prejuízo da democracia. E ela não subsiste à perda da liberdade de expressão.
Quarto – desprezo ao povo
Ao longo de quatro anos, milhões de cidadãos saíram às ruas em dezenas de periódicas manifestações cívicas, clamando por manutenção da Lava Jato, contra a anulação da pena de Lula, pela possibilidade de prisão de criminosos após condenação em segunda instância, fim das permanentes intromissões e invasões de competência do Executivo e do Legislativo pelo Judiciário (STF). A surdez das instituições à voz das multidões não é conduta própria das democracias. Ao menos não dos parlamentos.
Quinto – A prisão do deputado Daniel Silveira
A prisão do deputado Daniel Silveira, no inovador “flagrante” proporcionado por um vídeo no YouTube, teria sido marca solitária não fosse duplicada pelo covarde consentimento posterior de seus pares.
Sexto – a pandemia
Durante a pandemia, severíssimas restrições ao direito ao trabalho e à circulação de pessoas infringiram liberdades fundamentais e prepararam o ambiente social para outras demasias que estavam por vir.
Sétimo – desrespeito a prerrogativas do governo
Mais de uma centena de vezes o STF foi usado por partidos oposicionistas para sustar atos do governo promovendo permanentes intromissões em questões próprias do Executivo, quando não da mera administração pública, criando instabilidade e insegurança jurídica – ambiente em que a democracia não floresce.
Oitavo – o passado do candidato sumiu
A campanha eleitoral agravou a desordem institucional do país e ampliou em muito os motivos para que o próprio tribunal, que deveria agir em favor do esclarecimento dos eleitores, entrasse em rota de colisão com seus fins. O candidato da oposição, não por acaso aquele que nomeou a ampla maioria de seus membros, foi submetido pelo TSE a um photoshop eleitoral, sendo apagados seus antecedentes, lançado sigilo sobre os acontecimentos de seu governo, rompidas suas relações internas e externas. Enquanto Lula era beneficiado com essas graças, os pleitos de Bolsonaro eram recebidos pelo “xerife” Alexandre de Moraes com caneta fumegante e promessas de novas desgraças. Não, a eleição não transcorreu num ambiente isonômico, isento e equilibrado. Foram atos muito graves contra condições inerentes à democracia.
Nono – censura a prazo
Às vésperas da eleição, aceleraram-se os meios de censura, chegando à sua absurda aplicação na forma especialmente grosseira de censura prévia, notabilizada com o famoso consentimento viva voz proporcionado pela ministra Cármen Lúcia.
Décimo – parlamentares sem redes sociais
Depois da eleição, a democracia foi duramente atingida por determinações judiciais que bloquearam as redes sociais de parlamentares. A agressão que esses atos cometem contra a democracia é ainda mais explicitamente inconstitucional. Hoje, deixar um parlamentar sem acesso a seus seguidores é tirar-lhe a palavra, fundamento da própria expressão “parlamentar”. Contudo, assim tem sido feito.
Conclusão – não foi o povo que provocou a crise
Os dedos que ameaçam a população deveriam voltar-se para o próprio peito, examinar a própria consciência, penitenciar-se por seus excessos, entender a voz das ruas e prover uma saída institucional para a crise que não foi o povo quem provocou.
Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Artigo publicado no Caderno Jurídico, impresso de sexta-feira, 18 de novembro de 2022.