Política
Sérgio Moro: pânico a bordo e carga ao mar
Sérgio Moro é um caso para estudo em Ciência Política e Comunicação Social. Como juiz, trabalhou muito, chegou ao estrelato e se tornou celebridade mundial credora de reverências. Precisou bem menos para ele próprio jogar isso fora numa operação tipo “carga ao mar” usada por navios em situações de pânico a bordo. Seus erros são um mostruário do que não se deve fazer em política.
Errou como magistrado ao desistir da carreira em que se consagrou para ser ministro do governo Bolsonaro sem ter afinidade com ele.
Errou ao crer que disporia, no ministério, da mesma autonomia que tinha em seu gabinete de magistrado. A vida, neste governo, não é assim. Antes, os ministérios funcionavam em modo “porteira fechada”, operando ali um patronato compartilhado entre o ministro e seu partido. Todos sabemos aonde tal prática levou.
Errou muitas vezes na relação com o presidente, modificando seus projetos e desconhecendo suas promessas de campanha e seu perfil conservador. No governo, se revelou um socialdemocrata e quis impor essa orientação ao Ministério da Justiça. Foi assim que perdeu a ambicionada cadeira no STF.
Errou ao “sair atirando” quando deixou o ministério, evidenciando mágoa, sentimento nocivo, mormente quando tornado público. “Never complain!” (Nunca queixar-se!) é parte de conhecido aforismo de Benjamim Disraeli, que foi por duas vezes primeiro ministro do Reino Unido na segunda metade do século XIX.
Errou ao aceitar convite para trabalhar numa empresa norte-americana que tem a Odebrecht em seu portfólio de clientes ativos.
Errou ao não defender seu trabalho na Lava Jato com o vigor que a situação exigia quando este se tornou objeto de intriga e maledicência no STF.
Errou ao avaliar suas condições para disputar a presidência na condição de 3ª via quando era o menos indicado para esse papel. Sabidamente, Moro tinha frontal antagonismo com os dois ponteiros da disputa, sendo-lhe impossível tirar, destes, os votos necessários para ultrapassá-los. Um pouco de sensibilidade política e de aritmética elementar teriam sido suficientes para evidenciar isso.
Errou ao se filiar ao Podemos, um partido socialdemocrata, dissidente do PSDB, sem avaliar sua receptividade pelos deputados federais da sigla, já comprometidos com candidaturas em suas alianças regionais. Filiou-se em novembro de 2021 e se desfiliou em abril de 2022.
Errou ao filiar-se ao União Brasil (PSL + DEM), onde encontrou o mesmo problema na ala PSL do novo partido, e se vê às voltas com o projeto pessoal de Luciano Bivar.
Errou ao postular uma candidatura ao Senado por São Paulo, quando não tinha como comprovar sua condição de eleitor residente no Estado, fato que o levou de volta ao Paraná onde busca ser candidato ao Senado. Ali, o que seria fácil, ficou difícil contra Álvaro Dias (Podemos) e Paulo Martins (PL), candidato oficial do governador Ratinho Jr. e do presidente Bolsonaro.
Na base de quase todos os erros cometidos a bordo, está o mau uso dos dois anos de que dispôs até chegar ao instante decisivo das convenções partidárias. Perdeu a oportunidade de se preparar para afastar de si a imagem de inexperiente, forasteiro na política, e orientar melhor suas decisões num cenário sem dúvida complexo.
Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões e A Tomada do Brasil.
Artigo publicado no jornal impresso de 7/2022.