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Jornal Caderno Jurídico

ESPAÇO ACADÊMICO

Responsabilização penal ao ente jurídico: avanço necessário ou retrocesso velado?

15/12/2021 às 2h30 - Karinny Leal
Arquivo Pessoal Karinny Leal Estudante Karinny Leal cita que é possível a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crime ambiental

Uma realidade experimentada no mundo é a existência da pessoa jurídica como “ser” dotado de personalidade, tal qual a pessoa física, mas com suas limitações, haja vista se tratar de um ente abstrato, representação de uma entidade e seus direitos. Conforme o termo evoluía, surgiu a necessidade de regular suas condutas possíveis, tal como a pessoa natural, para responder por transgressões; o que foi feito em âmbito administrativo e civil. Hodiernamente (nos dias de hoje), discute-se a importância da sanção penal, o que tem gerado diversas controvérsias no direito brasileiro, com divergências gritantes de opiniões.

Diz-se que a pessoa jurídica é um ser fictício, criação artificial do Direito, desprovida de consciência e/ou capacidade de conduta infratora, de vontade real e de finalidade, afastando noções de culpabilidade (“nullum crimen sine culpa” – do latim, “não há crime sem culpa”). Além disso, a máxima criada na Revolução Francesa, “societas deliquere nos potest”, diz que a corporação em si não tem condição de cometer atos típicos de ilicitude, não sendo sujeito ativo do crime, e sim as pessoas naturais que a dirigem; assim, a empresa seria o instrumento para que estas transgridam.

Além disso, a punição da empresa pode atingir, indireta e prejudicialmente, terceiros não envoltos no delito, como funcionários ou até administradores inocentes. Outrossim, este ente não tem capacidade de arrependimento, uma condição exclusivamente psíquica, tirando a efetividade da pena no sentido de prevenir novos crimes, retribuição social e ressocialização. O artigo 5º da Constituição Federal, inciso XLV, evoca nova discussão ao dizer que a sanção penal se aplicará apenas à “pessoa do condenado”, sem especificar se esta seria física ou jurídica, deixando em aberto a possibilidade de punir a instituição.

Além disso, outra leva de pensadores faz crer que é cabível a punição do ser fictício, sob a ótica de esse responder pela Teoria da Responsabilidade Social, e não a clássica responsabilidade subjetiva. Neste sentido, o ilícito é fundado baseado em juízos de reprovabilidade social em relação à empresa, saindo do aspecto de juízo de valor do indivíduo. No mais, há também a possibilidade de ser indistinguível a pessoa física que delinquiu pelo nome da instituição, devendo, assim, a empresa em si ser punida. Cabe apontar que a própria Constituição, nos artigos 173, §5º e 225, §3º, impõe responsabilidade e possibilidade de sanção penal por crime ambiental às instituições, demonstrando que os próprios legisladores já enxergaram a necessidade de regular esta seara.

Considerar-se-á ainda, com bons olhos, a Teoria da Realidade, que diz que a corporação tem vontade própria sim, uma vez que age em prol de seu benefício e não dos de seus administradores. A decisão de, por exemplo, transgredir, pode não ter sido unânime entre seus dirigentes. Dessa forma, se diz que a vontade da corporação apenas é exteriorizada por seus integrantes, ou seja, estes são os executores do delito material em nome da autora mediata: a pessoa jurídica. Daqui surge também a discussão de dupla imputação, onde a responsabilidade decairá não só para a empresa, mas também às pessoas físicas que optaram pela prática ilícita.

 

Lei de Crimes Ambientais

Aquecendo ainda mais as discussões, a Lei dos Crimes Ambientais (9.605/98), trouxe, em seus artigos 21 e 22, a previsão de punição à empresa como responsável por danos ao meio ambiente, citando, de forma geral, as sanções que lhe cabiam. Nas seções seguintes, ao definir os crimes específicos, o foco acaba sendo em definir os crimes e penas passíveis à pessoa física, o que leva muitos a pensarem que a lei é omissa quanto a pessoa jurídica, um equívoco, baseando-se na autoridade do juiz de fazer as substituições dessas penas pelas descritas nos artigos 21 e 22, cuja função específica de existência é a de conferir este poder ao magistrado.

Autores da seara Criminal dizem que não há porque o Direito Penal interferir nesse caso, dado o princípio de subsidiariedade, que impõe que esse só atue quando outras áreas do Direito forem insuficientes. Insurge-se, entretanto, a inefetividade das penas administrativas, dado que o prejuízo ambiental pode ser irrecuperável, logo, precisam prevenir que o dano ocorra, com sanções mais graves, penais, já que os valores pagos podem não servir para que o espaço in natura volte ao seu status quo.

Ademais, sugere-se que a pena restritiva de liberdade do ente natural equivale a restrição de direitos à instituição. Entretanto, o Direito Penal também tem para si o princípio da legalidade, que esclarece que as normas não podem ser constituídas por costume ou analogia, como feito agora, haja vista os artigos 173 e 225 da Constituição, anteriormente citados, são insuficientes em definir os crimes da entidade jurídica. Então, quais direitos estariam sendo restritos? Esse tipo de informação não pode ficar oculta ou “a definir” futuramente, sem nenhum parâmetro, uma vez que “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”, como defere o artigo 1º do Código Penal, sendo necessária a criação de dispositivo legislativo que abranja rigorosamente temas desse âmbito.

 

É preciso transformar o sistema

Depois dessa quantidade de informações, é difícil dizer qual posicionamento é o mais adequado, já que os motivos a favor e contra são fundamentados em aspectos importantes do Direito. Ao ver desta jurista em formação, dado o advento da modernidade e ascensão do CNPJ, se faz necessária uma transformação no sistema jurídico penal brasileiro, desde seus princípios, para incluir as pessoas jurídicas no rol de infratores e definir as penas que lhes são aplicáveis, de forma que sejam eficazes, visto que, no censo de 2020 do Mapa de Empresas, é apontado que há mais de 19 milhões de corporações ativas no Brasil, todas com oportunidade para transgredir penalmente, sem que sejam efetivamente regulamentadas nesta seara.

 

Karinny Leal Azevedo, graduanda em Direito, 4º semestre, pela Unipar, câmpus Umuarama/PR, participante do Programa de Iniciação Científica (PIC) e de Projeto de Extensão (PEX). E-mail karinny.leal.azevedo@gmail.com.

Orientador Pedro Henrique Marangoni, professor de Direito Penal na Unipar, câmpus Umuarama, mestrando em Direito Processual e Cidadania (Unipar), bolsista PROSUP/CAPES 2019/2020, especialista em Docência do Ensino Superior, Análise Criminal e Direito Militar, Direito Penal e Processo Penal e Direito da Família e Sucessões (Unina).

 

Artigo está no jornal impresso de novembro de 2021, página 7. Acesse também www.jornalcoluna.com.br.

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