ESPAÇO ACADÊMICO
Lei 14.188/2021 traz avanços significativos no combate à violência contra a mulher
A Lei 14.188/2021, em vigência desde 28 de julho de 2021, trouxe significativos avanços no que diz respeito a proteção da mulher, isso porque adotou medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar, como por exemplo, a qualificação do crime de lesão corporal simples cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e a criação do crime de “violência psicológica contra a mulher”, esse que talvez seja a maior inovação trazida pela Lei.
Com relação ao crime de violência psicológica, verifica-se que a Lei 11.340/06, desde sua publicação, prevê em seu artigo 7º, inciso II, que a violência psicológica é uma das (diversas) formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Contudo, embora existisse tal previsão, as condutas que caracterizavam a referida forma de violência não configuravam ilícito penal, isso porque não existia um tipo penal que fosse diretamente associado com essa forma de violência. Logo, o referido crime, previsto no artigo 147-B do Código Penal, veio para preencher uma lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro.
O crime de violência psicológica consiste na causação de dano psicológico à mulher. Trata-se de um crime material (admite a tentativa), de tipo misto alternativo, punido apenas a título de dolo, tendo como sujeito passivo a mulher, seja ela criança, adulta, idosa, transgênero ou transexual, e tem como sujeito ativo qualquer pessoa.
Além disso, trata-se de um crime de Ação Penal Pública Incondicionada e um crime subsidiário, vez que no preceito secundário dispõe que a pena no crime será de reclusão de seis meses a dois anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
Nesse sentido, há quem defenda que se a violência psicológica resultar em lesão à saúde psicológica da mulher, sendo essa comprovada por exame que indique o CID e sendo demonstrado o nexo causal entre a conduta e a lesão, haverá o crime de lesão corporal¹.
Quanto a aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei 9.099/95, deverá observar se o crime foi praticado fora do contexto ou no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Caso tenha sido cometido fora do referido contexto, verifica-se a possibilidade de aplicação dos institutos, contudo, se praticado dentro do contexto, há a impossibilidade de aplicação por expressa previsão legal (artigo 41 da Lei 11.340/06). Em relação ao acordo de não persecução penal, também não é admitida sua aplicação por expressa previsão no § 2º, inciso IV, do artigo 28-A do Código de Processo Penal.
Má técnica legislativa
Ocorre que, embora tenha sido um grande avanço no que tange a proteção dos direitos das mulheres, há uma má técnica legislativa na elaboração do novo crime, isso porque criou-se um tipo vago, vez que o tipo prevê que o dano emocional pode ser causado por “qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e autodeterminação” da mulher, o que não é uma conduta desejada no Direito Penal, de modo a proporcionar uma ampla interpretação para aqueles que aplicam a lei.
Talvez o maior dilema desse novo tipo penal esteja relacionado a comprovação de que o dano psicológico foi causado pela conduta do agente, pois existe divergência quanto a necessidade ou não de exame pericial.
Acredita-se que, por se tratar de um crime material, ou seja, que se consuma com a efetivação do dano psíquico, logo, que deixa vestígios, é indispensável a realização de exame de corpo de delito para a comprovação de sua materialidade (artigo 158 do Código de Processo Penal). Assim, Ana Luisa Schmidt Ramos aponta que o instrumento de prova da materialidade do dano psíquico deve ser a perícia psicológica².
Punição por discriminação e menosprezo
Já com relação a nova qualificadora do crime de lesão corporal, qual seja lesão corporal cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, prevista no artigo 129, § 13º, essa visa punir a lesão corporal praticada contra mulher no contexto de violência doméstica e familiar, bem como a lesão corporal praticada contra a mulher em razão de menosprezo ou discriminação ao seu gênero, à pena de reclusão, de um a quatro anos.
Aqui, mais uma vez, o legislador deixou a desejar quando optou por não possibilitar a aplicação da causa de aumento de pena prevista no § 10 à qualificadora em comento, de modo que se da lesão corporal cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino resultar nas hipóteses do § 1º ao § 3º do artigo 129, a pena ainda será de reclusão, de um a quatro anos, sendo o resultado considerado apenas para fins de dosimetria da pena.
Quanto aos institutos despenalizadores, verifica-se a impossibilidade de celebração de acordo de não persecução penal (artigo 28-A, § 2º, IV do Código de Processo Penal), bem como não é admitida a suspensão condicional do processo quando o crime for praticado em contexto de violência doméstica, já que vedado pelo artigo 41 da Lei 11.340/2006. Contudo, embora há quem defenda a impossibilidade da aplicação desse instituto também quando o crime for cometido fora desse contexto³, acredita-se que não é o melhor posicionamento, isso porque, uma vez que não se aplica a lei 11.340/2006 aos crimes cometidos fora do contexto de violência doméstica, não se pode se pode realizar analogia in malam partam.
Por fim, mesmo raciocínio deve ser adotado no que tange a natureza jurídica da ação penal nesse crime. É necessário observar novamente o contexto em que o crime foi cometido, pois se praticado no contexto de violência doméstica, a ação será pública incondicionada (artigo 41 da Lei 11.340/2006), no entanto, se praticado fora do referido contexto, a ação será pública condicionada à representação, também em razão da proibição de analogia in malam partam.
Um importante passo
Desse modo, perfaz que a Lei 14.188/2021 trouxe significativos avanços à proteção dos direitos das mulheres, já que criou um tipo penal para punir uma forma de violência que não se enquadrava em nenhum crime previsto em nossa legislação até então e qualificou a lesão corporal cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, tornando a pena mais severa para aqueles que cometem o referido delito. Todavia, embora seja uma legislação muito pertinente, lamenta-se a má técnica legislativa.
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¹ FERNANDES, Valéria Diez Scarance. ÁVILA, Thiago Pierobom de; CUNHA, Rogério Sanches. Violência psicológica contra a mulher: comentários à Lei n. 14.188/2021. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/07/29/comentarios-lei-n-14-1882021/
² RAMOS, Ana Luisa Schmidt. Violência Psicológica contra a Mulher: o dano psíquico como crime de lesão corporal. 2 ed., Florianópolis: EMais, 2019.
³ FERNANDES, Valéria Diez Scarance. ÁVILA, Thiago Pierobom de; CUNHA, Rogério Sanches. Violência psicológica contra a mulher: comentários à Lei n. 14.188/2021. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/07/29/comentarios-lei-n-14-1882021/
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Artigo escrito por Rafaela Martins da Silva, acadêmica da 5ª série do curso de Direito da Unipar, câmpus Umuarama/PR.
Orientação de Alessandro Dorigon, mestre em Direito Processual e Cidadania (Unipar), especialista em Direito e Processo Penal (UEL) e em Docência e Gestão do Ensino Superior (Unipar), professor de Direito Penal e Processo Penal da Unipar e advogado criminalista.
Publicado no jornal impresso de outubro de 2021, página 7. Acesse também www.jornalcoluna.com.br.