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Jornal Caderno Jurídico

Direito e Filosofia

O decreto do prefeito Celso Pozzobom: um monumento ao esfacelamento do Direito

25/3/2021 às 18h55 | Atualizado em 27/3/2021 às 15h04 - Alessandro Yokohama
Clara Lisot Yokohama Alessandro Yokohama “É tão tosco, tão violento contra milênios de civilização, que merece ser transcrito, para que o futuro nunca esqueça que o prefeito de Umuarama teve a coragem de assinar essa violência e atirá-la na cara dos cidadãos”, afirma Alessandro Yokohama

Como minha profissão permite trabalho remoto, sortudos que somos, aqui estamos, trabalhando como se nesta quinta-feira (25/3) o sol tivesse nascido sobre uma cidade livre. Nossos clientes, incluindo algumas empresas, vão permanecer recebendo nossos serviços. Não há tempo a perder. Sabemos que vocês, empresários e comerciantes, vivem contra o relógio e, com o esforço pessoal, fazem de Umuarama um lugar melhor. Geram empregados, fazem famílias inteiras viver com mais conforto, possibilitam filhos bem nutridos e casamentos mais estáveis. Mas não esperem que todos reconheçam isso.

A política é um monstro frio e sem entranhas. Enquanto funcionar o discurso de ódio dirigido a vocês, ele vai continuar. Mas por quê? Porque os incompetentes e os irresponsáveis precisam de um grupo para apontar e dizer “ali estão os culpados”, para que a fúria popular contra ele se dirija. É uma distração. Os cristãos são usados assim. Os judeus já foram. No Camboja, bastava usar óculos para ser morto, pois “intelectual” não servia para nada e atrapalhava a marcha do povo para a glória. Historicamente sempre foi assim. Vocês são o bode expiatório da vez.

As famílias estão todas aglomeradas hoje, ninguém usando máscara, com gente vindo de todo canto para “confraternizar” nesse “feriado” (ops, lockdown). Isso vai se repetir amanhã, sábado e domingo. Os mercados não estavam lotados até o teto de gente “com medo de passar fome”. Mentira! Estavam comprando comida para as festas familiares. Mas o governo municipal não tem coragem de colocar a família como alvo. Ele vai continuar batendo nos comerciantes e empresários. Para dar uma disfarçada, de vez em quando toma uma atitude enérgica e de impressionante inteligência: manda cortar perigosos girassóis, para que as pessoas “parem de tirar fotos aglomeradas”.

O número de infectados na segunda-feira (29) terá explodido. Os políticos sabem disso. Mas não se importam. O que interessa é ter um bode expiatório. Acharam. Agora, podem continuar fazer compras e contratos de prestação de serviços, tudo sem licitação. Essa pandemia é um terror para os entubados e uma festa para os que manejam o erário, com dinheiro vindo aos milhões do governo federal.

Tudo que der errado, a culpa será do comércio. Eu tenho muito medo do futuro de um país em que os governos municipais ensinam as pessoas a repetirem, como papagaio, quando olham para um comerciante:

– Maldito ganancioso! Vidas valem mais que dinheiro!

PS: Aos que estão xingando o prolator da decisão que negou a liminar, três palavrinhas:

(a) se querem que um magistrado decida algo difícil, não protocolem o pedido algumas horas antes do prazo: ele é um ser humano;

(b) mas, se por algum motivo, tiverem que protocolar o pedido à undécima hora, pelo menos façam sua parte: forneçam provas e argumentos fortes e principalmente novos, pois ele não é advogado, mas o juiz;

Para dar uma disfarçada, de vez em quando toma uma atitude enérgica e de impressionante inteligência: manda cortar perigosos girassóis, para que as pessoas “parem de tirar fotos aglomeradas”.

(c) entendam que se o pedido feito ao julgador é fundamentado de forma idêntica a todos aqueles que que o STF já afastou, é evidente que um magistrado de carreira, responsável, iria mesmo respeitar a jurisprudência estabelecida, pois sabe que a segurança é o princípio número um, a base fundante da própria razão de ser do Direito; enfim, usem fundamentos diversos, para ter ao menos chance de obter resultados diferentes: o inverso é loucura.

 

O decreto do prefeito Celso Pozzobom

O município de Umuarama editou o Decreto 086/2021, com efeitos a partir de 0h do dia 25.3.2021 e vigência até às 23h59 do dia 28.3.2021. O impressionante artigo 2° do ato infralegal é um monumento ao esfacelamento do Direito, uma inversão completa do princípio da legalidade geral, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CR, artigo 5°, II).

De fato, o dispositivo do decreto do prefeito de Umuarama diz que os serviços e atividades econômicas, públicas e privadas, estão proibidas, exceto aquelas expressamente permitidas.

É tão tosco, tão deformado, tão violento contra milênios de civilização, que merece ser transcrito, para que o futuro nunca esqueça que o prefeito de Umuarama, CELSO POZZOBOM, teve a coragem de assinar essa violência e atirá-la na cara dos cidadãos:

Artigo 2°. Ficam temporariamente proibidos os serviços e atividades econômicas privadas, exceto os expressamente permitidos por este decreto.

Como numa ditadura, o Executivo de Umuarama elaborou uma lista, e ainda por cima num simplório decreto. O que ali consta, pode; o que está ausente, é proibido.

Essa pandemia é um terror para os entubados e uma festa para os que manejam o erário, com dinheiro vindo aos milhões do governo federal.

Ao invés dele, o Executivo, obedecer ao princípio da legalidade estrita, fazendo apenas o que a lei permite ou obriga (CR, artigo 37), resolveu o pequeno alcaide que são os particulares é que devem estar submetidos à amarra da finalidade, estrela d’Alva do direito público, em detrimento da liberdade (CR, artigo 5°, II), norte milenar do direito privado.

Em outras palavras, em algo que lembra o fantástico mundo de Gabriel García Márquez, o prefeito não só inverteu um princípio constitucional, como teve a coragem de fazer isso por decreto!

Na base geográfica do poder Executivo de Umuarama, a Constituição da República não foi apenas alterada por simples decretinho, mas verdadeiramente “corrigida”: do dia 25.3.2021 até o final do dia 28.3.2021, ela, a Carta Política do Brasil, passou a significar que “nada pode, exceto o que o decretinho municipal expressamente permitir”. Na dúvida, está proibido. Um decreto que faria César corar, Alexandre virar o rosto e Napoleão tirar o tricórnio para coçar, incrédulo, a calva avançada.

Mas não foi o suficiente para o prefeito de Umuarama: ele instituiu toque de recolher, das 20h até as 5h, covardemente alcunhado de “proibição de livre circulação noturna” (artigo 8° do decretinho).

 

Alessandro Otavio Yokohama é advogado, professor titular de Direito Administrativo da UNIPAR, câmpus Umuarama/PR, mestre em Teoria do Direito e do Estado (UFSC 1999) e doutor em Filosofia do Direito e do Estado (PUC/SP 2006).

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