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Jornal Caderno Jurídico

Segurança Pública

O uso de algemas na atividade policial. Quando, em quem e por quê?

12/3/2021 às 20h54 - Leonardo Cappellari
Divulgação Leonardo Cappellari Policial militar Cappellari: é essencial que o agente de segurança conheça a legislação e saiba aplicá-la de maneira correta

As algemas são utilizadas desde a antiguidade como forma de contenção, seguridade, castigo, escravidão e poder e domínio de um indivíduo sobre outro. O significado do termo é autoexplicativo e traduz-se como sendo um instrumento de ferro constituído por duas argolas interligadas e utilizado para prender alguém pelos pulsos ou tornozelos. Neste breve artigo vamos contar um pouco (informar) sobre o uso das algemas nas atividades policiais. O assunto é importante e está presente em diversos concursos públicos da área do Direito e da Segurança Pública.

O objetivo do uso de algemas é imobilizar um indivíduo que ofereça qualquer ameaça eminente, a fim de facilitar sua condução, garantir a segurança do próprio indivíduo, do agente público e da população em geral e prevenir o risco de fuga.

Em tempos passados, o uso de algemas era tema carente de legislação reguladora e ficava unicamente a critério do policial, sem que fosse necessária a justificação de seu uso ou qualquer causa taxativa que contivesse esse uso. O agente público como detentor do direito podia utilizar-se das algemas sempre que lhe conviesse. Este espaço vazio na legislação abriu portas para inúmeras transgressões aos direitos fundamentais dos indivíduos, além de um precedente de abuso de autoridade e uso imponderado entre os agentes públicos, que por muitas vezes utilizavam as algemas não para cumprir com os deveres do Estado, mas sim como forma de humilhação e zombaria sobre o conduzido.

Desta forma foi necessária a criação de normas reguladoras e a lacuna foi preenchida pela legislação. No fim deste artigo citamos a Súmula Vinculante 11/2008, do Supremo Tribunal Federal. Ela é esclarecedora.

As normas surgiram como maneira de educar o policial – o agente de segurança pública – e conduzi-lo à correta forma de utilização do meio coercitivo, a fim de resguardar os direitos fundamentais da pessoa humana, direitos constitucionais e ainda ampará-lo em casos de efetiva necessidade, para que não corra o risco de incorrer em abuso de autoridade em casos que sua conduta não a tenha abusado.

A nova legislação – fazemos menção ao decreto federal número 8.856/16 – vem amparada por diversos princípios constitucionais, dentre eles o da dignidade da pessoa humana e o da proibição de submissão a tratamento degradante e desumano da pessoa presa. O estimado leitor pode acessar o decreto no planalto.gov.br e no presrepublica.jusbrasil.com.br.

 

As duas realidades

A legislação surgiu como um meio termo entre o agente de segurança pública e o conduzido, de forma a tentar preservar o direito de ambos e prover que o momento da condução seja o mais harmônico possível. Ao fazer uso das algemas o agente público deve atentar-se a duas realidades:

 

1ª – A do policial, do agente de segurança, visando proteger a própria integridade física e também a da população em geral contra os transgressores da lei, considerando o perigo eminente da profissão e o risco diário;

2ª – E a do conduzido, tendo o objetivo de garantir a integridade e demais direitos fundamentais deste como pessoa humana.

 

É salutar ressaltar que as regras estabelecidas legalmente valem não só no momento da efetiva prisão do indivíduo, mas para todas as situações, uma vez que versa sobre a proteção de direitos constitucionais importantíssimos ao ser humano, quais sejam: o direito a imagem; a intimidade; a presunção de inocência e, em especial, a dignidade da pessoa humana.

A atividade policial é essencial à segurança pública em geral. O poder de polícia do Estado, exercido pelos agentes públicos, tem o objetivo de preservar o que se entende por Estado Democrático de Direito, como forma de garantir os direitos e deveres de todos e equilibrá-los de forma que todos possam viver em equilíbrio. Considerando tamanha importância e ciente de que tal atividade necessita de armamentos e demais objetos preventivos e ostensivos, a legislação sobre o uso de algemas veio não para suprimir a atividade policial, posto que a necessidade do uso é incontroversa, mas justamente buscar o equilíbrio para que os agentes públicos, como representantes do poder estatal, possam cumprir com o objetivo principal do Estado em si.

Na prática, o uso de algemas se encontra presente nos seguintes casos:

 

a) Prisão em flagrante e prisões em geral;

b) Movimentação entre prisões e dentro das prisões;

c) Condução coercitiva e escolta de presos aos mais diversos lugares em que necessitem estar e;

d) Presença em audiências, julgamentos em tribunal de júri e demais atos processuais, entre outras situações em que seu uso se torne necessário.

 

Outro fato que merece observação é a visível exposição do conduzido, no sentido de como terceiros irão olhar para uma pessoa algemada, a fim de preservar o princípio da inocência e a defesa da honra e da imagem. Já ocorreram situações em que, por estar algemado, o acusado foi visto de outra maneira por um tribunal de júri, ou audiência de instrução e julgamento, o que culminou em condenação. Também existem casos de nulidade de determinado ato, ou nulidade processual, devido ao uso incorreto ou abusivo de algemas.

 

O que é permitido

No nosso ordenamento jurídico atualmente só é permitido o uso de algemas nas situações em que haja resistência, possibilidade de fuga e perigo à integridade física do detido, do agente público ou de terceiros, sendo este entendimento inclusive sumulado, não podendo a medida ser utilizada de qualquer outra forma, principalmente em casos em que o uso não seja preciso, pois, sendo uma exceção, deve apenas ser utilizada caso não haja mais qualquer outra alternativa utilizável.

Seguindo essa linha, no CPP (Código de Processo Penal), em seu artigo 284, consta que o emprego da força só é permitido quando indispensável, em casos de desobediência, resistência ou tentativa de fuga.

 

Algemação de menores

Quanto aos menores, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) nada menciona sobre o assunto. Deve ser seguida a regra geral. A observância a tal normativa deve ser ponderada inúmeras vezes pelo aplicador da lei, considerando que a utilização de algemas de forma inadequada ou abusiva tem o teor de ocasionar inúmeros traumas aos menores, podendo abalar seu estado psicológico e ocasionar sérios riscos mentais, tendo em conta que não podem assimilar totalmente o que se está a ocorrer.

Sem fugir do tema “o uso de algemas”, mas complementando o procedimento relativo aos menores de idade, resumidamente temos: “O adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade.” (artigo 178, do ECA, lei 8069/90)

 

O uso de algemas em mulheres

No que tange às mulheres, a legislação veda o uso de algemas em mulheres grávidas em trabalho de parto ou que estejam em preparação hospitalar para o parto, estendendo-se tal veto às mulheres que se encontrarem em fase de puerpério imediato, de forma a evitar quaisquer complicações durante o momento de parto, garantindo a defesa dos direitos fundamentais neste momento íntimo, evitando-se qualquer constrangimento ilegal desnecessário por parte do agente de segurança pública – lei 13.434/2017, acrescentada ao Código de Processo Penal, no artigo 292, parágrafo único.

No artigo 292, do CPP, temos: “Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.”

“Parágrafo único. É vedado o uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como em mulheres durante o período de puerpério imediato.”

Assim, estimado leitor, temos uma breve análise da legislação vigente que regulamenta o uso de algemas possibilita o entendimento de que o uso deve ser moderado, expressamente justificado e tomado como medida excepcional apenas em casos de extrema necessidade, engessando seu uso pelos agentes de segurança.

Ora, na prática, o agente terá que, no calor do momento, ter a distinção de que determinada conduta do indivíduo conduzido é plausível ou não do uso de algemas. Ou seja, mesmo sendo regulamentado, tal assunto ainda carece da apreciação discricionária pelo agente público, que pode ou não utilizar as algemas, dependendo de qual for sua interpretação sobre a situação fática lhe apresentada.

Por essas circunstâncias é essencial que a autoridade de segurança seja conhecedora da legislação vigente e saiba expressá-la de maneira correta, mantendo o equilíbrio entre o resguardo de sua integridade, da população em geral e do indivíduo conduzido, respeitando os casos em que o uso de algemas é vedado e justificando estritamente o uso, de forma a cumprir com as premissas fundamentais do Estado Democrático de Direito e efetuar a condução do preso, respeitando os direitos fundamentais.

 

Artigo publicado no jornal impresso de fevereiro de 2021 (circulação a partir de 26/2/2021 - Caderno Jurídico encartado no jornal Coluna D'Oeste, edição 710, de 26/2/2021). Acesse também www.jornalcoluna.com.br.

 

Leonardo Formicoli Cappellari é Policial Militar do Estado do Paraná lotado no 7º Batalhão de Cruzeiro do Oeste, graduado em Administração de Empresas e pós-graduado em Segurança Pública.

 

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Súmula Vinculante 11/2008

“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. (portal.stf.jus. br/jurisprudencia)

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