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Jornal Caderno Jurídico

Direito e Filosofia

Decreto magnífico e empoderado...

4/12/2020 às 20h30 | Atualizado em 4/12/2020 às 21h09 - Alessandro Yokohama
Luiz Prandi 13/10/2017 Alessandro Yokohama “O que está pensando esse povo que brota decretos pelas orelhas? Que todo mundo trabalha e recebe como político?”, critica o advogado Alessandro Yokohama.

Breves notas a alguns trechos brilhantes de decreto magnífico e empoderado:

 

§4º - Em hipótese alguma será permitida a aglomeração de pessoas nos estabelecimentos em funcionamento, as pessoas devem manter uma distância de 2 metros uma das outras, cabendo ao proprietário e/ou responsável adotar as medidas para dispersão das pessoas, como medida de isolamento social.

Na cidade, distanciamento social virou isolamento social, já que decreto bom é decreto que inova tudo, até a ciência.

 

§5º - Durante o período de vigência da epidemia do coronavírus Covid-19 e deste decreto fica orientado que nas ruas, passeios e nos estabelecimentos comerciais e outros, não haja a permanência de pessoas acima de 60 anos, as que estejam em situação comorbidades ou com a saúde fragilizada. Todas as pessoas que transitem nas ruas devem estar utilizando máscaras, sejam as máscaras descartáveis ou de pano, cobrindo nariz e boca, inclusive quando estiverem conversando.

Epidemia agora tem vigência (será revogada, no futuro, pelo prefeito; o homem é mesmo competente). Decreto já era mais do que lei, agora virou também conselheiro e mãe: “fica orientado”…

 

§2º - O descumprimento do § 5º do artigo 2º deste decreto, bem como a desobediência à quarenta recomendada pelo poder público, sujeitar-se-ão as pessoas físicas a uma multa de R$ 200,00 por evento ou por vez que incidir a pessoa.

Nova concordância passou a valer no Brasil. Olhem que bonito: “O descumprimento bem como a desobediência sujeitar-se-ão as pessoas”. Antes, seria apenas “sujeitarão”. Era jeca, não é? Agora o Município arrumou.

 

§3º - O trabalho de fiscalização poderão se dar por meio de servidores ou fiscais municipais ou estaduais da Vigilância Sanitária e que poderão pedir apoio policial quando necessário. A abordagem preza primordialmente pela educação e bom senso, visando, sobretudo, a conscientização sobre a importância do uso de máscara para proteção individual e coletiva e da necessidade de observação da quarentena.

Seguem as alterações no vernáculo. Agora o certo é “o trabalho poderão” e não mais “o trabalho poderá”. Fiquem atentos, estudantes. No choque entre o VOLPI e um decreto municipal do interior do Paraná, sempre prevalece este último.

 

§4º - O infrator deverá apresentar algum documento pessoal que contenha o número de seu CPF, para que seja lavrado o auto de infração com prazo de dez dias para defesa. Caso o recurso seja aceito, a multa é cancelada. Se não, ela deverá ser paga sob pena de inscrição em dívida ativa municipal.

A partir do decreto, “defesa” e “recurso” são a mesma coisa. Ah, também passou a ser “pena” a inscrição em dívida ativa.

 

§5º - Os pais ou responsáveis, são responsáveis para fazer com que seus filhos, quando menores de 18 anos, cumpram o disposto na legislação municipal. Em caso destes descumprirem a legislação a multa será revertida aos pais ou responsáveis.

Shakespeare ficaria com inveja: “os responsáveis são responsáveis”. Mas na área jurídica também temos novidades: menor de idade agora pode ser multado, mas a multa é “revertida” para os pais. Engenhoso... Vão mesmo passar o dinheiro para os pais ou responsáveis?

 

Artigo 14 - Este decreto entra em vigor a partir da data de sua publicação, tendo seu efeito por tempo indeterminado.

Não basta mais dizer que “entra em vigor” para presumir que a norma permanecerá válida e eficaz até que outra a revogue. Nada disso. Agora tem que constar que “entra em vigor e os efeitos são por tempo indeterminado”. Esqueçam a LC 95/98; ignorem a LINDB: obedeçam ao decreto. Sempre ao decreto. Afinal, ele é a nova Constituição da República, o novo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) e até a sua nova mãe.

 

A revolta é a nobreza do escravo, anunciava Nietzsche

Quem consente em ser atacado, acusado de todas as culpas, e aceita isso sem ficar revoltado, das duas, uma: ou tem a alma de um escravo sem nobreza, ou habita em seu coração a pedra de gelo que atende pela alcunha de covardia.

Comércio em geral e prestadores de serviço das 9 às 17 horas? Restaurantes, lanchonetes e bares até às 14 horas? O que está pensando esse povo que brota decretos pelas orelhas? Que todo mundo trabalha e recebe como político, que faz seus os próprios horários e mesmo assim a grana cai no final do mês de qualquer jeito? Ora, tenham vergonha na cara!

Todos os políticos do Brasil que são favoráveis a isso deveriam ver descontados à força metade do que ganham como subsídio (nome bonito do salário dos políticos) para formar um “Fundo Social a Vida Vale Mais”, o FSVVM. E todo o valor desse fundo deveria ser distribuído para os que não puderam trabalhar o quanto querem e aguentam, mas ficaram com a obrigação de pagar tributos e funcionários. O fundamento para o fundo pode ser o mesmo discurso dos próprios políticos, que grasnam, com uma eloquência tão pobre que faria Cícero e Demóstenes chorarem sangue:

- Saúde é tudo, né?

- Em primeiro lugar vem a vida, né?

- Emprego se recupera, a vida não, né?

- Os números estão subindo, né?

- Não tem profissional, né?

- A gente está fazendo de tudo, mas o povo não colabora, né?

- Comércio é aglomeração, né?

- Só vagabundo sai à noite, né?

Como explica o clássico Pedro Calmon, se o Estado fosse um ser vivo, os pés seriam o comércio, o aparelho digestivo corresponderia à economia e o sistema circulatório faria paralelo com o consumo.

Por que os comerciantes, as pessoas que são os pés, o sistema circulatório e o aparelho digestivo desta cidade, estão aceitando tão pacificamente a acusação de que são a causa da propagação desse vírus chinês?

Por que não se juntam, formam uma associação especificamente para combater isso?

Por que não compram espaços nos jornais para divulgar que o certo é AUMENTAR o diabo do tempo em que as coisas ficam abertas, e NÃO diminuir, o que faz aglomerar consumidores?

Por que não lideram uma campanha aberta contra todos os atuais políticos, assumindo que gastarão o que for necessário para fazer campanha contra qualquer candidatura futura desses atuais chefes de Executivo e vereadores?

Assumam posição. Gritem que, ou isso muda, ou pelas próximas duas décadas vocês farão ponto de honra manter o grupo unido para impedir que tais políticos voltem a ocupar qualquer cargo público. Qualquer um.

“Ah, isso seria perseguição”, dirá algum pateta. E o que estão fazendo com o comércio é o quê, animal?

Até o próximo encontro, em breve, neste conceituado jornal.

 

Alessandro Otavio Yokohama é advogado, professor titular de Direito Público e Direito Administrativo da UNIPAR, câmpus Umuarama/PR, mestre em Teoria do Direito e do Estado (UFSC 1999) e doutor em Filosofia do Direito e do Estado (PUC/SP 2006).

 

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CALMON, Pedro. Teoria geral do Estado. 5ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958, p. 54.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Companha de Bolso, 2019, p. 46.

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