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Jornal Caderno Jurídico

ESPAÇO ACADÊMICO

Planejamento familiar: um direito quase inacessível

5/8/2020 às 22h16 - Karinny Leal
Divulgação Karinny Leal “Lei de Planejamento Familiar é capaz de oferecer inúmeros benefícios à sociedade, porém, neste momento, tem sido um tanto quanto “inalcançável””, afirma a estudante Karinny Leal

Um problema que vem assolando o Brasil já há algumas décadas é a dificuldade em conseguir auxílio público em questões relacionadas à reprodução, mais especificamente quando não se tem o desejo de conceber. Existem vários métodos eficazes para evitar tal, sejam eles contraceptivos ou esterilizantes, presentes naquilo que chamamos de planejamento familiar, previstos como direitos em nossa legislação. Apesar disso, a ONU levantou índices que apontam que o Brasil é o país onde as taxas de gravidez na adolescência são as mais altas do mundo, e, além disso, pesquisas nacionais com mulheres de todas as faixas etárias mostram que metade das gravidezes do país são indesejadas, sendo que em 60% dos casos sequer foi usada alguma prevenção para evitá-la.

O planejamento familiar, como o próprio nome sugere, é um plano feito para impedir ou impulsionar a concepção de descendentes, para tê-los (ou não) somente quando for mais conveniente. No Brasil, esse é um direito assegurado pela lei 9.263/1996, que oferece via Sistema Único de Saúde (SUS) o auxílio para fazê-lo gratuitamente, com pré-natais, partos, métodos de esterilização e contraceptivos, seja por questões de fertilidade, prevenção ou tratamento de doenças. Contudo, é pouco visível a realização de ações concretas por parte do governo e até de membros específicos da sociedade para que estes aconteçam, e mais, não raro é ver sendo impostos novos obstáculos para quem tenta fazê-lo.

Um grande agravante do problema não é o planejamento familiar em si, e sim que, na maioria das vezes em que isso ocorre, os adolescentes em questão são de classes mais baixas e têm pouca escolaridade, o que, a grosso modo, é um indicativo de que esses não têm muito acesso às informações, mesmo aquelas que são de suma importância em suas vidas. É possível que estes nem mesmo saibam o que é planejamento familiar. Isso muitas vezes torna bastante difícil a vida desses indivíduos, levando-os a cair na extrema pobreza (“vendendo o almoço para comprar a janta”), a abortar em clínicas clandestinas (afinal, o aborto é expressamente proibido no Brasil) e até mesmo faz crescer o número de crianças abandonadas ou que vivem em lares pouco afáveis, puramente pelas circunstâncias em que foram concebidas.

Não obstante, existem outros empecilhos, aplicáveis não somente para a gravidez durante os anos de adolescência, e sim para toda a vida. Por exemplo, segundo a lei referente ao planejamento familiar acima citada, como consta em seu décimo artigo, a esterilização é permitida para aqueles que possuem plena capacidade civil (ser lúcido e maior de idade), desde que tenham mais de 25 anos ou, em idade inferior a esta, se já tiverem, no mínimo, dois filhos vivos. Mas não raro é ver pessoas que, mesmo tendo observado e respeitado o que ali foi disposto, e se enquadrando neste perfil, tem a sua cirurgia negada.

Segundo consta no capítulo I do Código de Ética do Conselho Federal de Medicina (CFM), resolução número 1931/2009, item VII, pode o profissional se negar a fazer o procedimento (não sendo caso de vida ou morte), argumentando que esse feito vai contra os seus ditames de consciência. De qualquer forma, tendo em vista que esse processo alterará de forma irreversível o corpo de alguém, o profissional tem o direito de se abster dessa responsabilidade. Mas esse é um debate controverso, pois, nesse caso, onde entram os direitos do paciente?

Outrossim, uma grande trava nesta longa jornada aparece para os cônjuges: para que uma pessoa dentro de um relacionamento afetivo (oficializado em cartório) possa realizar uma cirurgia de esterilização, é necessária a autorização de seu parceiro; logo, se o casal não estiver de acordo quanto a isso, nenhum procedimento será realizado, como firma o artigo 10, parágrafo 5º da lei supracitada. Não nego que esta é uma decisão que deve ser tomada em conjunto sempre que possível, afinal, envolve o futuro de ambos, mas, neste caso, onde se encaixa a autonomia (capacidade de decisão) do indivíduo sobre o próprio corpo?

Por fim, assumo que a lei de planejamento familiar, em nosso país, é bastante completa, capaz de oferecer inúmeros benefícios à sociedade, porém, neste momento, tem sido um tanto quanto “inalcançável”, cheia de percalços impostos a quem tenta usá-la, o que a torna um tanto quanto obsoleta. Entretanto, creio fortemente que isso ainda pode ser remediado, principalmente com ações governamentais, seja no sentido de oferecer mais informações à população sobre esse direito, quanto em flexibilizar algumas de suas barreiras mais duras, para ser mais acessível. Resta a nós, leitores, que concordamos com isso, tornar essa fagulha um incêndio, solicitando e até mesmo pressionando as autoridades para que tomem atitudes a respeito. Incendiemos.

 

Karinny Leal Azevedo, graduanda em Direito pela Unipar, câmpus Umuarama/PR.

 

Professor orientador Helton Kramer Lustoza, coordenador do curso de pós-graduação em Direito Administrativo e Municipal da Unipar de Umuarama, autor do livro “Eficiência Administrativa e Ativismo Judicial” (editora Ithála), especialista em Direito Tributário, professor da Universidade Positivo e professor convidado do COTEF-RJ, ESAF e ESA-OAB. Acesse também heltonkramer.com.

Este artigo está publicado no jornal impresso de julho de 2020.

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