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Jornal Caderno Jurídico

ESPAÇO ACADÊMICO

O ideal da justiça de Nietzsche

1/7/2020 às 23h14 - Gabriel Trentini Pagnussat
Luiz Prandi 23/10/2017 Gabriel Trentini Pagnussat Trentini: a principal ideia é empreender uma luta pela reconquista da natureza sufocada pelo Direito, uma luta pela liberdade individual

A Filosofia é um conhecimento que converte em problema os pressupostos das ciências e, sendo a Filosofia do Direito a própia ciência aplicada a questão da justiça, cabe a essa criticar a noção do justo. Ao longo da história, partindo de diferentes percepções epistemológicas, formularam-se diversos conceitos sobre a justiça, as quais influenciaram o Direito no seu mais íntimo fundamento e aplicabilidade.

Vários pensadores foram fundamentais à Filosofia do Direito, desde muito Aristóteles já nos dando uma noção da equidade, passando pela idade média com o notável Aquino, chegando a idade moderna com Kant, Rawls, Jhering, Kelsen, Reale, entre outros.

Mas como contra cultura, Nietzsche também oferece uma noção do justo, a qual pelo seu método de análise, serve de alargamento a percepção do estudioso do Direito e, por conseguinte, possibilita um melhor manuseio da ciência em âmbito prático e teórico.

Por se tratar de um ideal pautado em uma interpretação de mundo complexa, a qual demandaria uma explicão extensa, com data venia, delinear-se-á apenas os principais pontos dessa ideia. Em primeira análise, é na Obra Humano, Demasiado Humano que o Filósofo alemão inicia suas observações por um novo método investigativo.

Enquanto muitos doutos da história do Direito se arvoram, dentre outras visões,  no raciocínio puro com fulcro em encontrar leis universais ligadas a Deus, mais tarde à natureza, ou até mesmo o próprio espírito humano como condicionador que observa, Nietzsche deixa de lado a racionalidade pura e estados ideiais, valendo-se de uma multiperspectiva: da genealogia psicofisiológica e da perspectiva histórica.

Entende ele que os valores não são inerentes, mas sim, interpretações de um homem, resultado de um estado psicológico/físiológico, os quais são inseparáveis dentro de um corpo. Assim, um corpo doente, produziria valores doentes que visam conservar certo modo de vida, já o homem forte seria marcado por valores de potência. Qual tipo de homem produz determinado valor?

Para ele, é o homem ressentido que produz o ideal de justiça atual. Sentimento esse ligado a um auto envenenamento dado quando pela incapacidade de reação a um estímulo externo a ação não se exterioriza e a emoção se volta para dentro, continuando sua existência e produzindo seus efeitos mesmo quando de fato não existe mais sua causa.

Essa fraqueza em reagir, gera o sentimento de frustração e rancor, resultando em uma vontade de poder (impulso não volitivo que caracteriza a vida) que busca tornar-se dominante mediante a vingança, assim, toma o outro como culpado, onde na impotência a sua força se manifesta como ódio contra o que lhe é superior. A vingança do ressentido se realiza na inversão de valores, tornando mau o que é bom, negando o que é forte por lhe ser desfavorável.

A vontade de igualdade decorre da mesma incapacidade de exteriorização da força, onde é necessária uma defesa da coletividade para conervar as propriedades que resguardam os fracos, o que é posto como valoroso pelo ressentido, pois ao ser incapaz de elevar-se, opta por tornar médio e enfraquecer, evitando ameaça a seu modo de vida.

Pelo olhar histórico, a doutrina da igualdade de direitos se inicia com o cristianismo e se eleva ao grau máximo com o iluminismo, sendo um sintoma de decadência do homem moderno, o qual deixando de considerar a diferença entre os homens, realiza mais uma injustiça que justiça, no sentido em que tiram do homem sua individualidade e liberdade.

A gregariedade como valor, afirma tudo o que é médio e comum, em detrimento da diferença, da criação, da elevação de si, da solidão, da força e do ser senhor. Assim, torna-se uma moral da conformidade, da conciliação, da harmonia, da estática e não da dinâmica, mas da igualdade, o que vai de encontro a vida tal como ela é, embate entre forças.

Colocar a coletividade como critério único do juízo moral é negar a individualidade e a diversidade de homens, em prol de uma felicidade que ao invés de afirmar a vida, auxilia no seu esgotamento.

Em contra ponto, ele vê a gênese do Direito no acordo entre homens com poder aproximado, baseado na troca , onde cada um satisfaz o outro ao receber aquilo que estima mais, portanto, manutenção do interesse individual. É nesse sentido que a justiça pode ser entendida como equidade, manifestada em interesses individuais que geram equilíbrio entre forças por meio de contrato formado pela autonomia da vontade.

A relação jurídica justa seria aquela que possui uma relação de poder entre duas ou mais partes que tenderão e tentarão manter tais poderes, esses direitos e deveres, em níveis não desproporcionais para que não seja quebrado o vínculo que os une, gerando assim, o equilibrio.  E nessa senda, as partes se beneficiam de um modelo de Direito contratualista fundado na autonomia.

A principal ideia é empreender uma luta pela reconquista da natureza sufocada pelo Direito, uma luta pela liberdade individual. O que desemboca na revalorização das diferenças individuais e da potência afirmativa no homem, o que para o Nietzsche, representa afirmação da vida em consonância com a sua dourina da vontade de poder.

 

Gabriel Trentini Pagnussat é bacharelando em Direito e Filosofia pela UNIPAR, monitor da disciplina de Direito Civil I (Parte Geral) e participante do Programa Externo de Bolsas de Iniciação Científica (PEBIC/CNPq).

Orientado por Luiz Roberto Prandi, doutor em Ciências da Educação Pela Universidade Federal de Pernambuco, professor titular, escritor e pesquisador da UNIPAR.

Artigo está no jornal impresso de junho de 2020, página 10.

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