ESPAÇO ACADÊMICO
A disseminação de fake news e seus reflexos no âmbito jurídico
Em época que a tecnologia e as redes sociais estão ganhando cada vez mais espaço no cotidiano das pessoas, incluindo jovens, adultos e idosos, as fake news também tomam o universo cibernético em uma intensidade frenética, difundindo-se por milhares ou até milhões de aparelhos celulares, tablets e computadores. A prática de criar ou espalhar notícias falsas, não bastando seu malefício no meio social, também gera efeitos no mundo jurídico.
As fake news - termo em inglês que já foi incorporado ao nosso dialeto em razão de sua frequente propagação - são informações ou conteúdos falsos que viralizam, especialmente nas redes sociais, como se verdades fossem.
Vezes sobre figuras públicas, como políticos, vezes sobre situações atuais ou pretéritas, como a Covid-19 ou Golpe de Estado de 64, a criação e difusão de notícias falsas se dão, em maioria das vezes, no intuito de denegrir a imagem de alguém, de ganhos financeiros ou políticos, ou por pura e simples ignorância de quem o faz.
Quando se recebe uma informação de uma pessoa conhecida, que tem um conteúdo no qual a pessoa se compactua, pronto, eis mais uma fake news compartilhada. Porém, a realidade é que as fake news podem trazer graves consequências para o âmbito social, causando pânico ou deterioração política.
Para quem recebe, é prejudicial, pois na frequência em que se alastram falsas notícias, as pessoas ficam cada vez mais desinformadas e ignorantes, por, muitas vezes, aceitarem o que chegam até si, sem questionar ou buscar saber a veracidade de tal.
Às vítimas, a gravidade, na maioria das vezes, é maior. Pessoas que tem sua figura associada a fake news podem ser banalizadas, caçoadas, “canceladas” (como está na moda) ou pior, podem ser ameaçadas e até linchadas.
Um exemplo grave é da mulher linchada na Cidade de Guarujá, Estado de São Paulo, após se espalhar fake news em seu desfavor. Segundo noticia o jornal O Globo (2017): “Espancada até a morte por moradores de Guarujá, onde morava, Fabiane foi acusada de praticar magia negra com crianças após uma notícia falsa espalhada pelas redes sociais. O boato gerado em uma página no Facebook e um retrato falado da dona de casa rapidamente se espalharam pelas redes, juntamente com histórias falsas e relatos mentirosos de quem afirmava ter testemunhado os sequestros.”
A prática, como se vê, pode causar árduas consequências, como o linchamento de um ser humano inocente, mudança de rumo em uma eleição ou então pode fazer com que pessoas desacreditem da gravidade de uma pandemia suportada e combatida pelo mundo todo.
Coronavírus
Nas últimas semanas estamos nos deparando, como nunca, com fake news, em sua grande maioria relacionadas ao novo coronavírus. Pessoas gravando vídeos dizendo que caixões estão sendo enterrados vazios ou com pedras dentro; pessoas dizendo que conhecem infectados que foram curados com uso de Cloroquina, ou então que o vírus foi criado num laboratório para a China dominar o mundo. O nível das notícias falsas é absurdo, mas infelizmente tem muita gente que acredita e, pior, compartilha tais notícias.
Contudo, a disseminação de fake news ultrapassa o liame social e têm efeitos também no mundo jurídico. A fake news, em si, não é crime, porém o conteúdo contido nela pode trazer ao irresponsável que a criou ou propagou, prejuízos superiores aos da vítima da falsa notícia.
É como explica Luiz Augusto Filizzola D'Urso (2018): "Quando um indivíduo, também influenciado por tais características, compartilha uma Fake News, pode sim estar cometendo crime. Se a notícia falsa for difamatória, por exemplo, e divulgada na íntegra pelo sujeito que compartilha, poderá suportar as sanções penais. Aliás, o mero compartilhamento de uma Fake News pode resultar a quem compartilhou a obrigação de um pagamento de indenização à vítima da mentira."
Nessa toada, compreende-se que o sujeito que compartilha uma fake news, pode estar cometendo crimes contra a honra do ofendido, sendo esses calúnia, difamação e injúria, previstos nos artigos 138, 139 e 140, todos do Código Penal, respectivamente, além de ter sua pena aumentada em 1/3 se a fake news for difundida na presença de várias pessoas ou por meios que facilite a divulgação, como, por exemplo, nas redes sociais (artigo 141, inciso III, do CP).
Além da incursão na sanção penal, o propagador da fake news ainda poderá ser responsabilizado a arcar com responsabilidade civil de indenizar a vítima, por ferir sua moral e sua honra, nos termos dos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil.
Outrossim, além do eventual cometimento de crime contra a honra e obrigação de indenizar, a pessoa que dissemina notícia falsa também pode incorrer em outros tipos de infração penal, como, por exemplo, crimes de denunciação caluniosa e comunicação falsa de crime (artigos 339 e 340 do Código Penal), e contravenções penais referentes à paz pública (artigos 39 a 42 da Lei de Contravenções Penais).
Para se exemplificar sobre o cometimento de delitos de quem publicar fake news, interessante se faz citar um recente e famoso caso referente a uma mulher de Minas Gerais, que gravou um vídeo dizendo que foram encontrados caixões de supostas vítimas de Covid-19, em Belo Horizonte, cheios de pedras e madeiras, posteriormente sugerindo que o Prefeito da cidade estaria por trás do “falso” alarde.
Além do crime contra a honra ao Chefe do Executivo de Belo Horizonte, a autora da fake news também foi indiciada pelo crime de denunciação caluniosa e pela contravenção penal de propagação de pânico, que somadas as penas, dá-se uma pena máxima de reclusão superior a oito anos, ensejando, inclusive, o regime fechado para o início do cumprimento da pena.
Fake News nas eleições
Por fim, além dos mencionados delitos, tipificados pela legislação penal comum, as fake news também podem abranger a legislação penal especial, pasmem, no prisma eleitoral. Campanhas políticas que chegam ao ápice para tentar denegrir a imagem da oposição, podem incorrer em crimes eleitorais. Além dos crimes contra a honra e de denunciação caluniosa, citados anteriormente, que, se cometidos para fins eleitorais, serão de competência dessa justiça especial, a esfera eleitoral tem um crime próprio, que diz respeito exatamente à prática de fake news política.
Trata-se do crime previsto no artigo 323 do Código Eleitoral, o qual prevê que “divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado” sujeita-se a pena de até um ano de detenção ou 150 dias multa. Assim, compartilhar notícias falsas em relação a partidos ou candidatos são condutas criminosas, que, embora sejam pouco fiscalizadas, podem penalizar o responsável por tal.
Dito isso, além da fake news ser um verdadeiro câncer na nossa coletividade, em especial nas nossas redes sociais, por propagar o caos, ofender a honra das pessoas, interferir em situações delicadas e importantes do nosso dia-a-dia, a disseminação dessa conduta também pode ensejar em responsabilidade jurídica, tanto criminalmente quanto com a eventual responsabilidade civil de indenizar a vítima das falsas notícias.
Deve-se, portanto, se atentar ao conteúdo que se divulga, procurando saber se esta notícia é verdadeira das mais variadas formas possíveis, sendo que há sites especializados que estudam se as notícias são verídicas (Agência Lupa, Fato ou Fake, E-Farsas e Fake Check, por exemplo), para não cometer a irresponsabilidade de estar compartilhando fake news, visto que, além de ser um ato inconsequente, ainda pode causar prejuízos irreparáveis a terceiros e à população em geral.
Por fim, vale ressaltar que o único meio de se discutir as ideias é por meio da verdade. Se você quer o melhor para nosso País, difunda a notícia verdadeira e combata as falsas.
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Referências
D’URSO, Luiz Augusto Filizzola. É crime compartilhar uma Fake News?. Jusbrasil, 2018. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/585697974/e-crime-compartilhar-uma-fake-news>. Acesso em: 07 mai. 2020.
D’AGOSTINO, Rosanne. Três anos depois, linchamento de Fabiane após boato na web pode ajudar a endurecer lei. G1, 2017. Disponível em <https://g1.globo.com/e-ou-nao-e/noticia/tres-anos-depois-linchamento-de-fabiane-apos-boato-na-web-pode-ajudar-a-endurecer-lei.ghtml>. Acesso em: 07 mai. 2020.
Link do vídeo falso: <https://noticias.r7.com/minas-gerais/videos/mulher-divulga-video-falso-sobre-infestacao-de-covid-em-bh-01052020>
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Artigo escrito por Eduardo Scotti Antoniel, acadêmico do 5º ano do curso de Direito da Unipar, câmpus Umuarama/PR.
Orientado por Alessandro Dorigon, mestre em Direito Processual e Cidadania (Unipar), especialista em Direito e Processo Penal (UEL) e em Docência e Gestão do Ensino Superior (Unipar), professor de Direito Penal da Unipar e advogado criminalista.