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Jornal Caderno Jurídico

ESPAÇO ACADÊMICO

Assistência médica: obrigação de indenizar decorrente da violação positiva do contrato

18/2/2017 às 18h51 | Atualizado em 20/2/2017 às 11h37 - Vanessa Carvalho dos Santos
Vanessa Carvalho dos Santos

A palavra contrato vem do latim contractu, ou seja, uma aliança, um compromisso, forma-se com duas ou mais partes em que se tem como afã o criar, modificar ou extinguir um direito, parafraseando o ilustre jurista Washington de Barros Monteiro (2013). Logo, tanto contratado quanto contratante contraem deveres e direitos, respectivamente. Contudo, em se tratando desse acordo, pode-se gerar o inadimplemento, isto é, o não cumprimento de alguma condição que impede a perfeição contratual.

À formação de um contrato, é necessária a manifestação livre de vontade entre as partes para que produza efeitos jurídicos acerca do fim pactuado. “Em geral, o interesse predominante dos parceiros implica o cumprimento simultâneo das prestações, ou seja, trato a trato” (ASSIS, 1999, p. 20). Logo, cada parte assume uma obrigação de contraprestação, consequentemente, obrigações recíprocas entre os contratantes. Todavia, dependendo do negócio jurídico firmado, poderá um dos contratantes cumprir primeiro a obrigação ou até mesmo adimplir.

O contrato estabelecido entre as partes determina que o médico e/ou cirurgião deverá executar a medicina com zelo, aptidão e cautela. “[...] não será pré-contratual a responsabilidade do médico ou cirurgião que dispensa os cuidados de sua especialidade a um paciente sem obter previamente o seu consentimento, na hipótese de lhe causa prejuízo” (CHAVES, 1959, p. 30). É evidente que, o contrato mesmo que não pactuado expressamente ele se constituirá diante da prestação do serviço médico realizado. Em se tratando de procedimentos ou intervenções médicas necessárias, não é exigida a anuência do doente, por se tratar de urgência. Porém, em tratamentos com finalidade puramente estética, terá que se valer da autorização expressa do paciente. A conduta médica deverá proceder com o único fim: proteger e resguardar a vida.

A obrigação médica se dá desde o início do atendimento ao doente, durante e até o pós-procedimento, pós-tratamento ou pós-cirúrgico. Neste sentido, o ilustre doutrinador Genival Veloso de França (2013, p. 243) enfatiza: “[...], no âmbito do exercício da medicina, como um elenco de obrigações a que está sujeito o médico, e cujo não cumprimento o leva a sofrer as consequências impostas normativamente pelos diversos diplomas legais”.

A responsabilidade do médico será subjetiva quando não pactuada, uma vez que não existe como afirmar que o tratamento, procedimento ou cirurgia proposto será totalmente satisfatório e sem riscos. O artigo 122 do Código Civil/2002 enfatiza que todas as cláusulas e condições estipuladas e estabelecidas entre as partes num contrato, desde que não contrárias às leis vigentes ou ilícitas, serão eficazes juridicamente. Diante da manifestação exteriorizada pelas partes surge a obrigação de cumprimento contratual. “Os tempos mudaram e a cidadania, que chegou tão tarde, está sendo incrementada fundamentalmente no estímulo a reclamação. Incutido esse comportamento em nosso povo nem todos sabem ainda quando usá-lo corretamente. Esse fato tornou obrigatório ao médico comprovar que deixou claro a seu paciente os perigos que os procedimentos que ele sugere apresentam.” (MORAES, 2003, p. 648)

Na prestação de assistência médica, além da obrigação de contraprestação pactuada entre as partes, existirá expressamente e/ou implicitamente a responsabilidade civil do médico decorrente da previsão do artigo 951 do CC. No entanto, o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que a responsabilidade será verificada diante da culpa e a previsibilidade do insucesso do procedimento ou serviço pactuado. Nas palavras de França (2013, p. 79): “Haverá inadimplência se a atividade for exercida de forma irregular, atípica ou imprudente, e, se na prestação de serviço venha ocorrer um acidente de consumo, o médico terá sua responsabilidade civil apurada dentro dos limites da má prática.”

 

Acordo mal cumprido

O contrato mal cumprido ou cumprimento imperfeito compreende as violações contratuais advindas da inobservância dos requisitos imprescindíveis do contrato, gerando a insatisfação do credor. O fato do cumprimento do contrato não ser perfeito, não quer dizer que não fora cumprido, e sim cumprido indevidamente ou em desconformidade. Diante do contrato mal cumprido coexistirá a violação positiva do contrato, que sobrevém da transgressão dos deveres inerentes ao exercício da Medicina, ou seja, se faz o que não deveria fazer. Conforme preceitos de Tepedino, Barboza e Moraes (2004, p. 693), existem casos em que não há que se falar propriamente em inexecução, mas no cumprimento indevido da obrigação. O devedor não deixa de prestar, mas o faz mal. Diferentemente de que se dá no inadimplemento absoluto e na mora, em que o devedor omite-se, deixando de cumprir a obrigação ou de cumpri-la no tempo, forma ou local ajustados, nesta hipótese tem lugar uma ação positiva do devedor, porém sem satisfazer adequadamente o interesse do credor, exigível por força do título.

Quando o médico viola esses deveres implícitos no exercício da assistência médica, será imputado ao mesmo a responsabilidade objetiva quanto ao resultado advindo da sua conduta. O contrato que não for completamente satisfatório para o paciente, quanto ao modo, lugar e duração pactuados haverá o cumprimento imperfeito prestado pelo médico, autorizando o pedido de indenização pela parte lesada. Araken de Assis (1994, p. 113) instrui: “O médico Paulo diagnostica, exatamente, a doença do paciente Pedro, mas administra-lhe, dentre os vários disponíveis, um tratamento penoso ou demorado.” Esse tipo de conduta médica alude insatisfação do paciente, que por sua vez, passível de indenização conforme previsão do artigo 927 CC.

Se uma das partes não cumprir o que fora pactuado, não pode a parte que a inadimpliu reclamar a prestação do outro contratante que também se encontra inadimplente, já que as prestações deverão ser recíprocas. Dispõe o artigo 389 do CC que “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”. A culpa é elemento indispensável para que haja dever de indenização.

O ordenamento jurídico brasileiro enseja que em primeiro plano se cumpra a obrigação e, somente, em segundo plano que poderá requerer a resolução do contrato. “O direito à resolução consiste no desfazimento da relação contratual, por decorrência de evento superveniente, ou seja, do inadimplemento imputável, e busca a volta do status quo.” (ASSIS, 1999, p. 69)

 

Não garante o resultado

O cumprimento da prestação de serviços médicos, a regra geral, em se tratando de obrigação de meio, é que o médico não tem como afirmar o sucesso do que fora proposto, eis que cada indivíduo se comporta de maneira diversa diante dos tratamentos, procedimento e cirurgias propostas. O médico não pode ser constrangido a alcançar o êxito, pois isso é impossível. Ergo, nas obrigações de meio não tem como garantir ou prever o resultado almejado.

 

Procedimentos com obrigação de resultado

É necessário destacar que existe exceção a essa regra, isto é, procedimentos, tratamentos e cirurgias com obrigação de resultado, ou seja, as com fins estéticos ou reparadoras. Nestes casos, é possível o médico prever o resultado desejado ou ao menos melhora significativa como, por exemplo, em casos de preenchimentos com a toxina botulínica e silicone. Consequentemente, nos casos decorrentes de contrato mal cumprido, importará em inversão do ônus de prova, ou seja, o médico terá que provar que aconteceu um fato imponderável que fez com que ele não pudesse alcançar o resultado pactuado para se eximir da obrigação de reparar perdas e danos. Essa inversão de ônus visa dar equilíbrio processual entre as partes no litígio, garantindo as partes o direito de ampla defesa e contraditório. “O ônus da prova é diverso na responsabilidade extracontratual, quando é a vítima que deve provar a culpa do autor do dano, salvo em casos de responsabilidade objetiva e algumas exceções legais.” (VENOSA, 2010, p. 333)

É pacifico o reconhecimento do dever de ressarcir os danos suportados pelo paciente decorrente do mau cumprimento do contrato, conforme a designação de Antunes Varela (1978, p. 167): “Pode assim considerar-se doutrina assente, no Direito brasileiro constituído, a de que, no caso de cumprimento defeituoso da obrigação, seja qual for a sua forma, o devedor responde pelos danos causados ao credor.”

Poderão as partes, se em comum acordo, estipular um novo contrato, para ponderar valores e meios eficazes para o cumprimento do novo contrato. Igualmente, o paciente poderá pleitear indenização dos danos materiais e morais que eventualmente tenha suportado em razão da promessa de resultado ou, até mesmo, do contrato mal cumprido, eis que a prática de um ato ao arrepio das cláusulas pactuadas entre as partes, que por sua vez infringe também as demais disposições legais suplementares à espécie pactuada – impõe ao médico e/ ou cirurgião o dever de indenizar os danos acarretados ao paciente.

A ação de reparação de danos, diante da responsabilidade do médico prestador de serviços mal cumpridos ou defeituosos, obedecerá ao prazo de cinco anos para ser arguida, obedecendo às regras contidas nos artigos 27 e 101 do CDC. Não obstante, poderá o paciente lesado, alegar dano moral conforme previsão do artigo. 6º, VI, CDC.

Nota-se que a obrigação referente à assistência médica, em regra, será de meio. Quando o devedor for hipossuficiente ou em caso de evidências do mau cumprimento, ocorre a inversão do ônus da prova, assim, cabendo ao médico provar que o sinistro não se resultou da sua culpa. Também, incumbirá ao médico à obrigação de ressarcir as perdas e danos suportados pelo doente. Portanto, se o mau cumprimento se deu por força maior ou caso fortuito a vontade do médico, competirá a ele provar o ocorrido e deste modo será isento de indenizar.

 

Autora Vanessa Carvalho dos Santos, acadêmica do curso de Direito e participante do Programa de Iniciação Científica (PIC) da Universidade Paranaense, UNIPAR, Campus Umuarama/PR.

Orientada por Valdecir Pagani, mestre em Direito Processual e Cidadania/UNIPAR. Exerce a docência e a coordenação do curso de Direito da Universidade Paranaense, UNIPAR, Campus Umuarama. Tem experiência nas áreas de Direito Civil e Processo Civil, atuando principalmente nos temas Responsabilidade Civil, Obrigações, CDC, Contratos, Tutela Específica, Recursos e Juizado Especial Cível.

Publicado na versão impressa em setembro de 2014.

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