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Jornal Caderno Jurídico

Opinião

A República do Judiciário em tempos de pandemia

22/5/2020 às 19h33 | Atualizado em 22/5/2020 às 19h52 - Lucas Pagani
Divulgação Lucas Pagani “Não poderia deixar de lembrar da frase de Padmé Amidala: É assim que a liberdade morre. Com um estrondoso aplauso. É do aplauso dos escravos que os tiranos se erguem. É da leniência dos homens bons que o ímpeto dos maus triunfa”, destaca Lucas Pagani.

Talvez, um dos mais importantes Founding Fathers americanos, John Adams, no dia 1 de julho de 1776, pronunciou, retumbante, a frase que ecoa, desde então, na democracia americana:

 

“Nós devemos sempre lembrar que uma constituição livre de um governo civil não pode ser comprada com uma taxa qualquer, como se não fosse nada, neste lado da nova Jerusalém, de igual importância para a humanidade (...) Eu vejo uma nova nação pronta para tomar o seu lugar no mundo, não como um império, mas como uma república! Uma república de Leis e não de homens (...) Tudo que eu tenho, tudo que eu sou, e tudo que eu tenho esperança nesta vida, eu não estou preparado para arriscar sobre elas. Enquanto eu viver, deixe-me ter um país, um país livre!”

 

Tenho inveja dos americanos, onde o maior aprendizado que os seus pais fundadores deixaram foram, exatamente, que a liberdade sempre tem um preço e deverá ser sempre vigiada, constantemente, dos ataques iminentes de homens impetuosos e ávidos pelo poder.

Parece que aqui, esquecemos desta lição – e não por falta de aviso. Podemos recorrer aos mais antigos manuais de Direito Constitucional Brasileiro, como Sampaio Dória que, em seus livros descrevia o espírito de um país livre, em harmonia entre autoridade e liberdade:

 

“Mas limitação apenas no sentido de bem coexistirem a liberdade e a autoridade. Não esquecer jamais que autoridade é coacção social para a garantia da liberdade, e esta é prerrogativa imprescriptível. A liberdade é terreno sagrado, com que a sociedade logra melhor sua coesão e seu desenvolvimento. Qualquer coacção social nos domínios da liberdade é escravidão dos indivíduos, e, pois, suicídio da sociedade, em benefício dos escravocratas.”

 

Podemos, também, lembrar de obras clássicas como o O estado é meio e não fim, do Ataliba Nogueira.

 

No âmago de seu livro, com palavras de ferro, escreveu que:

“É por isso que afirmamos que o indivíduo não foi feito para o estado, mas sim o estado para o indivíduo, para o seu bem estar moral e material, para sua felicidade. Nesta doutrina, não existe o estado que cria o direito, mas o estado que o descobre, reconhece, determina, aplica, sanciona, pondo a seu serviço a coação física. A fonte mais profunda do direito não é a vontade do Estado, mas a exigência da razão, a consciência moral e jurídica da humanidade, o reflexo da imagem divina impresso na alma humana, aquela projeção da lei eterna, donde se origina aquele código natural, anterior e superior a todos os códigos. O direito não nasce com o estado, mas com o homem. Existe para servir o homem, como também para servir o homem existe o Estado.”

 

No sangue do brasileiro, pulsa, sim, a liberdade, como um só povo. Sabemos, sim, à nossa maneira, o valor de nossa liberdade, entretanto, nossa sociedade, hoje, vive em um jogo adormecido, fanático, frenético em busca de um salvador da pátria e não um governante, um Estadista, no sentido da palavra.

Busca-se que resolvam todos os problemas nas mãos de homens totalitários, voluptuosos que não se preocupam-se com as leis (em todos os sentidos). Isso é inato de qualquer político, a ânsia de controle da vida humana total, buscando poder sempre a si mesmo para suas vontades imperarem e não as suas leis.

O real perigo reside neste âmago de salvador da pátria em homens que não deveriam existir.

O poder judiciário arrogou o poder de ser representante da sociedade (sem eleições) onde representa, em tese, ‘a vontade do povo’ através de concursos e burocracias intermináveis para assim blindarem-se do escrutínio público.

O poder público, também, aquele poder não eleito (Síndrome do pequeno poder) são encrustados em nosso patrimonialismo, tão caro ao brasileiro de modo tão geral. São Deuses que não podem ser tocados pelo povo, pelo baixo clero, pelos comuns. São enviados pela divindade em pessoa, onde sempre lutam pelo bom, justo e verdadeiro. Contém Ironia.

Sejam iluminados pela imagem de Deus ou pela Imagem do Rei Sol (Luís XIV) acreditam estar lutando pelos mais fracos, pelos vulneráveis, enquanto, na verdade, tão somente brincam com os seus súditos para elevarem a sua autoestima e o seu ego envaidecido.

Em brados retumbantes (inclusive, chancelados pelos próprios Ministros do STF) dizem-se ativos diante a inércia do poder legislativo aos anseios do povo. Por isso, então, o Tribunal Constitucional que deveria cuidar tão somente do Controle da Nossa Constituição, expandiu sua jurisdição para todos os casos, transformando-se em uma Terceira Instância.

Rui Barbosa estava correto em dizer que a pior tirania existente seria sempre do Poder Judiciário, pois contra ela não se poderia recorrer.

Ora, desde então, absurdos foram criados, em tempos normais, desde cobrança extraordinária de impostos até leis penais criadas por analogia, ignorando qualquer princípio constitucional e da repartição de poderes encrustados na Constituição Brasileira.

Agora, então, vemos que a briga dos paladinos da moral e dos bons costumes intensificou em um período tão delicado e tenso como os tempos da pandemia causada pelo COVID-19.

Alertem-se, a liberdade esvai-se em momentos delicados como esse, não em momentos onde a democracia está a todo vapor, funcionando, em tempos de paz. É aqui que a liberdade morre, não com um estrondo, mas com um gemido.

Pequenas liberdades são tomadas, de pouco em pouco. Liberdade de ir e vir, de dirigir o próprio carro, de andar pelas ruas, de professar sua fé com sua família ou até mesmo em sua casa. Depois, começam a instituir leis que fazem que sua propriedade privada, seu domicílio – que é inviolável – seja violável pelo síndico do prédio, caso você estiver recebendo familiares ou amigos.

Depois, entram em um frenesi jurídico, exigindo documentos médicos, e, agora, até mesmo o seu Smartphone (que é, também, um asilo inviolável, pelo direito à intimidade).

Entramos num Estado onde, de fato, não existe Direito na realidade fática, isto é, objetivamente. O Direito, hoje, só existe, se algum juiz proferir a sentença, favorável ou não, ao Direito postulado. Depende da vontade de poucos homens todos os direitos caros a humanidade. Tudo depende. Nada é seguro. Afinal, estamos falando dos ímpetos dos homens e não da segurança institucional que um império de Leis pode gerar.

Você tem direito de ir e vir, se assim um juízo determinar. Você tem o direito de professar sua fé, em família, se um juízo, assim, determinar. Você tem direito à saúde, se um juízo, assim, determinar. Você tem direito a sua liberdade, se assim um juízo determinar.

Você tem direito à liberdade de expressão, se assim um juízo determinar. Vivemos em uma república de Juízes, onde o poder reside na caneta do STF e não de outros poderes, sem qualquer responsabilidade, balanço de poderes ou alternância de poder. Vivemos presos e amarrados a esses homens ocos, como bem descreveu o Prêmio Nobel da Literatura, T. S. Elliot, em seu poema O homem Oco (1920):

 

“Somos os homens ocos

Somos homens empalhados

Apoiados todos juntos

Com chapéus cheios de palha. Ah!

Nossas vozes secas, dado

Sussurrarmos juntos

São mudas, sem Sentido, 

Como vento em capim ressequido

Ou patas de Ratos nos cacos de vidro

De nossa cave seca


Forma sem corpo, sem sombra, sem cor

Paralítica força, gesto sem impulso; 

(...)

Os olhos não estão aqui

Não há olhos aqui

Neste vale de estrelas moribundas

Neste vale oco

Mandíbula partida de nossos reinos perdidos”


E não poderia deixar de lembrar da grande frase de Padmé Amidala: É assim que a liberdade morre. Com um estrondoso aplauso.

É do aplauso dos escravos que os tiranos se erguem. É da leniência dos homens bons que o ímpeto dos maus triunfa.

 

Lucas Pagani é colunista do Instituto Liberal, acadêmico do 10º semestre do curso de Direito da Unipar, câmpus Umuarama e colunista do jornal Caderno Jurídico.

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