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Jornal Caderno Jurídico

Direito Imobiliário

A proteção do inquilino em tempos de pandemia

15/5/2020 às 17h28 | Atualizado em 15/5/2020 às 17h34 - Ingrid Zanella
Divulgação Ingrid Zanella “O momento é de negociação e bom senso entre inquilino e locador, pois é melhor pingar do que secar”, orienta a advogada especialista em Direito Imobiliário, Ingrid Zanella

Os tempos estão difíceis e também podem ficar confusos, pois, para amenizar a crise socioeconômica que surgirá da Pandemia, os legisladores são obrigados a alterar as leis e, consequentemente, serão modificadas as relações entre as pessoas. Neste artigo queremos conversar um pouco sobre um o Projeto de Lei 1179/2020 de autoria do senador Antonio Anastasia, especialmente da parte que altera a Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. O projeto propõe alterações nos procedimentos legais para solução de problemas que venham a ter nos contratos de locação.

A Lei de Locações, em seu artigo 59, regula as ações de despejo e determina que elas deverão seguir o rito ordinário em um processo. Nossa primeira etapa é entender porque o despejo deve ter um rito ordinário e não outro.

No Direito Processual Brasileiro, há uma distinção entre rito ordinário (procedimento comum) e outros ritos (procedimentos especiais). Esses últimos para atender questões com necessidades específicas. Evidente que, para os leigos, ao tomarem conhecimento de tanta diversidade no Direito Processual, podem ser levados à conclusão: “por que tanto ‘juridiquês’? É só para dificultar a vida das pessoas”.

Na verdade, não.

A função destes distintos procedimentos é proteger os direitos da forma mais adequada possível. Expliquemos. Primeiro é necessário entender que o Direito está separado em Direito Material, aquele que dita os direitos, obrigações e penalidades, e o Direito Processual, que determina como a Justiça deve proceder para garantir o Direito Material. Ou seja, um dá o direito, o outro diz o caminho que se deve percorrer para efetivar esse direito. Este Direito Processual são as regras do jogo que definem como devem ocorrer as disputas por direitos e também servem para definir como o juiz deve decidir.

Pode parecer, num primeiro momento, que estas regras deveriam ser universais a toda disputa por direitos. No dizer dos professores Luiz Marinoni, Arenhart e Mitidiero: O mito do procedimento uniforme. Todavia, a prática não aceita esta uniformidade, pois há uma variabilidade imensa de como os direitos serão disputados. Portanto, para alcançar a justiça, também se faz necessário distintas formas de como proceder o caminho das decisões.

Devido a este fato, o Código de Processo Civil e diferentes leis podem conter procedimentos especiais segundo a necessidade de efetivação do direito. Por exemplo:

Um procedimento comum é bastante seguro e, às partes, são dadas diversas oportunidades de substanciar o processo para facilitar o entendimento e o convencimento do juiz. Todavia, esta segurança toda implica em um ônus, a demora para a conclusão do processo. E, neste caso, não estamos falando de justiça morosa, uma vez que, num procedimento comum, mesmo com o juiz e auxiliares trabalhando dentro dos prazos, será consumido um tempo razoável para se chegar a uma conclusão final. Devido a este fato, quando se trata de pequenas quantias, é possível percorrer um caminho processual mais simples e rápido.

Outro caso é quando há um direito fundamental em jogo, ou seja, a dignidade da pessoa humana pode ser atingida. Neste caso, o ideal é que o processo siga o caminho mais seguro, mesmo que mais lento. Esta é a situação do direito à moradia, protegido no artigo 6º de nossa Carta Suprema.

No caso da locação acrescenta-se o fato do locatário ser, na maioria das vezes, o lado mais frágil da relação e é o seu direito fundamental (à moradia) que fica exposto. Portanto, nada mais justo que o Direito Processual tome todos cuidados para que a decisão não fulmine a dignidade dos locatários.

O Projeto de Lei 1179/2020 será muito bem-vindo, porque evitará diversas ações que não cumprirão o papel de fazer Justiça. No entando, percebemos que ele apresenta um vazio. Não define os casos que poderão fazer uso da proteção. Assim, é provável que, inquilinos não afetados pela crise da COVID-19 poderão fazer uso da Lei, comprometendo a resolução normal dos contratos.

Entretanto, há casos em que o locador pode estar sendo prejudicado por ação ou omissão do locatário e o Direito Processual contido na Lei das Locações previu alguns destes casos. Por exemplo: o contrato de locação ficar sem uma garantia de recebimento dos aluguéis, sendo o contrato firmado inicialmente com esta garantia.

Assim, no § 1º do artigo 59 da Lei das Locações, abre-se a possibilidade do juiz conceder liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel. Entretanto, mesmo neste caso há restrições para o juiz possa conceder esta liminar. Ela será somente quando as ações tiverem por fundamento exclusivo:

 

I – o descumprimento do mútuo acordo (artigo 9º, inciso I), celebrado por escrito e assinado pelas partes e por duas testemunhas, no qual tenha sido ajustado o prazo mínimo de seis meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento;

II – o disposto no inciso II do artigo 47, havendo prova escrita da rescisão do contrato de trabalho ou sendo ela demonstrada em audiência prévia;

III – o término do prazo da locação para temporada, tendo sido proposta a ação de despejo em até trinta dias após o vencimento do contrato;

IV – a morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação, de acordo com o referido no inciso I do art. 11, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei;

V – a permanência do sublocatário no imóvel, extinta a locação, celebrada com o locatário.

VI – o disposto no inciso IV do artigo 9o, havendo a necessidade de se produzir reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo poder público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário, ou, podendo, ele se recuse a consenti-las;

VII – o término do prazo notificatório previsto no parágrafo único do artigo 40, sem apresentação de nova garantia apta a manter a segurança inaugural do contrato;

VIII – o término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30 (trinta) dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento de retomada;

IX – a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo.


Em leitura atenta, pode-se perceber que a Lei dá um direito especial ao locador, mas já em seguida restringe os casos em que pode ser aplicada, ou seja, resguarda o direito do locatório à moradia.

O que traz de alteração o PL 1179/2020?

Com a crise da COVID-19 haverá um reflexo econômico extremamente negativo para as famílias brasileiras. Portanto, muitos não conseguirão mais cumprir com os pagamentos de seus aluguéis. Mantendo a Lei atual, podemos ter uma grande leva de ações de despejo devido à inadimplência. Portanto, o PL visa aumentar esta proteção do inquilino para mantê-lo com moradia.

Para isto o artigo 9º determina:

 

Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o artigo 59, § 1º, incisos I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 30 de outubro de 2020.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se apenas às ações ajuizadas a partir de 20 de março de 2020.

 

Enfim, o PL tem a finalidade de suspender a possibilidade desta liminar para determinados casos, visando aumentar a proteção ao direito à moradia.

Em nossa opinião, como advogada militante em Direito Imobiliário, a Lei será muito bem-vinda, porque evitará diversas ações que não cumprirão o papel de fazer Justiça. Todavia, percebemos que o PL apresenta um vazio, uma vez que não define os casos que poderão fazer uso da proteção. Assim, é provável que, inquilinos não afetados pela crise da COVID-19 poderão fazer uso da Lei, comprometendo a resolução normal dos contratos.

E mesmo que não venha a Lei, deixamos aqui a recomendação que temos dado a todos nossos clientes do setor imobiliário: O MOMENTO É DE NEGOCIAÇÃO E BOM SENSO ENTRE AS PARTES – É MELHOR PINGAR DO QUE SECAR.

Estimados leitores do Caderno Jurídico. Espero que tenham gostado do artigo. Assunto interessante de extrema relevância né! Conto com a participação de vocês. Escrevam para ingridzanella.advocacia@gmail.com. Até o próximo material.

 

Ingrid Cristine Zanella é advogada militante em Direito Ambiental e Imobiliário.

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