Opinião
O nosso Judiciário: entre a independência e a subserviência
Juízes de 20 países europeus se encontraram em Varsóvia, Polônia, dia 11 de janeiro de 2020, sábado, para participar de uma marcha silenciosa em protesto às medidas do governo polaco que atentam contra o Judiciário da Polônia. Aos magistrados se somaram mais de vinte mil manifestantes, cidadãos que perceberam que a independência de seus juízes é essencial para a continuidade da democracia na Polônia e na Europa.
Juízes poloneses que tratam de casos sensíveis ou expressaram sua oposição aos ataques à independência judicial sofrem ameaças de medidas disciplinares, acusações criminais e campanhas de intimidação com o apoio do Estado.
Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, que também participou da marcha em Varsóvia, afirmou em entrevista que “os governos autoritários não suportam uma Justiça independente, capaz de limitar a sua ação, e encontram sempre pretextos demagógicos para impor as suas políticas com o apoio do povo”.
No Brasil, depois da Lei da Impunidade, legislação vocacionada a enfraquecer a Justiça e sua capacidade de julgar com independência e sem medo de pressões, percebe-se, agora, mais uma tentativa de impor a subserviência dos juízes e desembargadores.
A imprensa noticiou, no dia 9.1.2020, que do relatório da “PEC Emergencial” que tramita no Senado da República constou alteração que proíbe aumento automático dos subsídios dos juízes e desembargadores quando houver aumento para o STF, o que afastaria parcialmente o efeito cascata.
A previsão constitucional acerca do escalonamento dos subsídios da magistratura parte do princípio, já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Conselho Nacional de Justiça, de que o Poder Judiciário é nacional e unitário, embora previsto em vários ramos que absorvem as diversas competências jurisdicionais.
É de fácil percepção que a regra atualmente vigente reforça a independência do Poder Judiciário Nacional, pois seu subsídio é regulado por lei aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado apenas, evitando que os juízes e os desembargadores tenham, a todo tempo, que bater as portas ao poder político local, este nem sempre satisfeito com a atuação da magistratura que decide, por vezes, contra o seu interesse. Trata-se de um instrumento de preservação da autonomia dos Tribunais e, ao mesmo tempo, evitam-se represálias à atuação jurisdicional.
Pelo mundo afora, todas as vezes que os juízes se tornam um incômodo ao poder político acostumado com práticas não republicanas e para uma elite econômica que não mais quer se sujeitar às regras a todos impostas, começam os ataques e as tentativas de desconstrução do Poder Judiciário, sob as mais diversas máscaras e dissimulações. É produzida uma cortina de fumaça na qual os juízes se tornam o problema da nação. E essa cortina acaba por esconder as verdadeiras chagas do país: a corrupção, a sonegação fiscal, a improbidade administrativa, a pobreza de boa parte da população e tantas outras mazelas que, essas sim, merecem e devem ser objeto de leis que possam facilitar a sua erradicação.
O enfraquecimento do Poder Judiciário é corrosivo para a nossa jovem democracia. Está na hora de refletirmos, mesmo que em silêncio, se é esse o Judiciário que queremos para o nosso futuro.
Geraldo Dutra de Andrade Neto é presidente da Associação dos Magistrados do Paraná (AMAPAR), secretário de relações internacionais da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), secretário-geral da Federação Latino-Americana de Magistrados (FLAM) e secretário-executivo da União Internacional dos Juízes de Língua Portuguesa (UIJLP).