ESPAÇO ACADÊMICO
O benefício da remição da pena através do estudo. Realidade ou ficção?
A sociedade organizada atribuiu ao Estado e dele espera a responsabilidade em relação à Segurança Pública. Dentre as atribuições está formular leis que busquem sansões adequadas ao autor de delitos. Espera-se do Poder Legislativo normas no âmbito Penal que, quando aplicadas, tenham eficácia para aqueles que um dia decidiram desviar-se da conduta adequada previamente estabelecida. Lembrando que, um dia esses indivíduos retornarão ao convívio social e devem estar com comportamento apropriado para isso. Mas é notório que as leis sempre tiveram caráter meramente punitivo, não atentaram para a recuperação, por isso não surtiram o efeito desejado.
A expectativa da sociedade
Sempre existiu a expectativa de um convívio harmonioso com o semelhante, embora seja um pensamento deveras utópico, pois é parte intrínseca da humanidade um caráter maligno que não permite esta tão sonhada harmonia social, haja vista estar registrado no primeiro livro escrito em relação à humanidade o relato de um homicídio.
Sabendo que a tendência ao crime é algo inerente no ser humano, este Estado passa a elaborar leis com penas cominadas de acordo com a relevância do fato na intenção de resolver esta problemática. Um dos tipos de penas criadas, e a mais severa no Brasil, é a pena privativa de liberdade, que tem como objetivo retirar o autor do fato delituoso do seio da sociedade a aprisioná-lo como forma de punição. Com o passar do tempo, verificou-se a necessidade de oportunizar àqueles que foram sentenciados e reclusos, estabelecer um tempo para “pagarem” por seus delitos e retornarem à sociedade.
A ressocialização como uma das finalidades da pena
Criada com o caráter apenas punitivo surgiram outras finalidades para a pena, dentre elas a necessidade de preparar este indivíduo para que, após o cumprimento, pudesse retornar a conviver em sociedade. Mas, como reintegrar uma pessoa depois de muito tempo recluso, num local isolado sem contato com a liberdade e o “mundo de fora”!
Uma das formas de resolver essa problemática foi a instituição da “remição”, ou seja, o indivíduo que cumpri pena, preenchendo alguns pré-requisitos, tem a possibilidade de remir parte da pena por meio do trabalho. Falar que em remir é dizer que o preso irá “pagar”, abater uma parcela da pena a ser cumprida, com trabalho, com previsão na LEP (Lei de Execução Penal).
Assim como é importante para o recluso diminuir o tempo preso, também será para a sociedade, pois enquanto ele se beneficia “pagando” a pena mais rápido, a sociedade terá o recluso menos alienado da realidade fora da prisão, exercitando uma profissão, se atualizando, isso irá causar um impacto menor no momento de sua saída.
Em 2011 houve uma alteração no artigo 126 da LEP. Com a nova redação, dada pela lei 12.433/2011, que prevê a remição da pena também mediante estudo. Este novo regramento agrega benefícios importantes na esfera penal/social, pois o apenado poderá, assim como no trabalho, remir com estudo parte de sua pena, e ser preparado para o retorno à sociedade.
Paradigma
Neste contexto, surge um paradigma: como aplicar esta norma e permitir sua eficácia a ponto de ressocializar e reconduzir estes cidadãos à sociedade. A discussão surge ao pensar que a norma tem uma bela redação, mas difícil execução, frente à realidade das prisões no Brasil.
Destarte, tenha a pena essa nova finalidade, qual seja, reeducar para reinserir, agregada à originária, as prisões deveriam ser ambiente propícios, onde se pune, e ao mesmo tempo educa seus internos para um bom retorno ao convívio social, permitindo ao Estado cumprir seu papel de punir, o “ius puniendi”, e ao mesmo tempo de educar e ou reeducar, pois educação é um direito disciplinado no artigo 6º da Constituição Federal do Brasil.
O que se observa é uma total ineficiência estatal na aplicação da pena no tocante a ressocialização, demonstrado nos altos índices de reincidência, que em alguns Estados brasileiros chega a níveis alarmantes. Detentos nas penitenciárias sendo tratados como verdadeiros lixos humanos, que mais parecem um amontoado de subumanos como se não fossem da mesma raça em relação a esses que os deixam lá, à sua própria sorte.
Presos com crimes patrimoniais chamados “comuns”, convivendo com criminosos catedráticos, iniciam o verdadeiro aprendizado da marginalidade, par e passo com as péssimas condições que encontram as unidades prisionais. Esses presos “comuns”, num pequeno espaço de tempo, serão como os “profissionais”, ou seja, bastará a primeira oportunidade de deixar a prisão para nela retornarem por praticarem crimes mais graves com penas mais severas, pois a “escola do crime”, que se encontra dentro das penitenciárias, instruem-nos de maneira a saírem diplomados.
Fiscalização
Cabe ao Juízo da Execução a fiscalização do sistema prisional, mas com o efetivo de servidores que a Justiça dispõe, é só olhar as mesas dos magistrados e ver que o volume de processos, os impedindo de executar suas tarefas como gostariam, pois além de mesas cheias, a todo instante chegam novos, comprometendo a celeridade que a justiça exige e a sociedade espera.
Realidade social
Surge um questionamento. Por que o Brasil tem uma das massas carcerárias proporcional mais elevada do planeta? A resposta é que, atrelado a essa situação degradante nas penitenciárias, o preso, quando recebe a liberdade, se depara extramuros com a violência urbana, desemprego, miséria, falta de educação para si e seus filhos, além da falta de assistência na área da saúde, ou seja, políticas públicas que iriam contribuir com sua inclusão social e afastá-lo da possibilidade de retorno à prisão. Com essa ausência estatal, e consequentemente exclusão social, esses ex-detentos em sua maioria irão integrar os tristes índices da reincidência carcerária.
A inteligência do artigo 1º da Lei de Execução Penal
As normas elaboradas pelos legisladores trazem em seu bojo um texto lindo, diz o artigo primeiro da LEP: “Art. 1º – A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
Olhando para a realidade das penitenciárias, percebe-se que essa linda frase é apenas uma “linda poesia” grafada na página do código, pois é notória que sua aplicação, embora programática, é uma verdadeira utopia, porque onde está o “proporcionar condições harmônicas de integração social”?
Remição
É facultativo ao apenado trabalhar para remir parte de sua pena, ou seja, não é uma imposição, porém, aos que se utilizarem dessa modalidade, terão o benefício da redução do tempo total a cumprir de acordo com o percentual legal.
A nova redação do artigo 126 da LEP que trouxe a previsão de remir parte da pena também por meio do estudo e se baseou no modelo da remição da pena através do trabalho, aqui, diferente da remição pelo trabalho, não está restrito apenas aos apenados encarcerados.
Destarte, o estudo seja uma garantia constitucional fundamental à pessoa (artigo 205, da Constituição Federal), portanto um dever do Estado junto à sociedade, nem sempre é possível observar essa obrigação sendo cumprida pelos governantes.
Se essa é a triste realidade da educação no meio escolar, quanto mais difícil será quando se tratar da educação dentro dos institutos prisionais brasileiros, pois se trata de um ambiente inóspito, com péssimas condições em todos os sentidos. Dar ao apenado a oportunidade de estudar seria muito bom, uma vez que um dos fatores que conduzem um cidadão à prisão é a falta dela. Ao aferir o grau de escolaridade dos reclusos, encontram-se níveis muito baixos, em sua maioria, analfabetos ou semianalfabetos.
O estudo como fator gerador de ressocialização
O estudo é um dos meios mais eficazes para que o ser humano seja um ser sociável, haja vista que, quando pequenas, as crianças em regra, têm seu primeiro contato com pessoas fora de suas famílias no ambiente escolar e ali iniciam o convívio social, com regras que definirão, ao longo de suas vidas, conceitos advindos desses relacionamentos interpessoais.
Olhando para a criminalidade com olhar sociológico é entender que o delinquente, em algum momento, perdeu esse relacionamento/respeito pelo semelhante, mas atentar para o estudo como meio de os ressocialização é apostar na grandeza do intelecto humano, capaz de aprender ou reaprender conceitos e valores intrínsecos que outrora foram reprimidos.
Vale lembrar que muitos nunca adquiriram tais valores morais devido à exclusão social, mas dentro de uma penitenciária poderiam, pela primeira vez, ter a oportunidade de aprender aquilo que deveriam ter iniciado em suas infâncias, com a possibilidade de perpetuar-se, seja através da constituição de uma família, recuperação dela, de um trabalho digno perdido, ou a conquistar.
Faz-se necessário entender que o detento é um cidadão que deve ter seus direitos e garantias constitucionais respeitados, garantias estas que o Estado não promove nem mesmo para cidadãos livre, quanto mais para os internos nas penitenciárias.
A ineficácia na aplicação da norma penal
Antes de falar da eficácia de uma lei, é necessário lembrar que elas são elaboradas num legislativo com vocação política que as “fabrica” para atender seus próprios interesses, e não os da sociedade. Importa destacar que com a intenção de serem reeleitos, redigem textos para “cair na graça” do povo eleitor, não se importando com a aplicabilidade.
Embora algumas normas tenham cunho programático, há que considerar que em algum momento sua aplicação tem que se concretizar. Diante dessa realidade, na qual um poder redige a lei para que outro execute, com interesses divergentes, fica o questionamento sobre tal eficácia. Basta verificar que o espaço físico das prisões lembram mais “porões” ou “esgoto” indignos até para ratos, quanto mais pensar neste ambiente como um espaço propício para educar uma pessoa. Deveriam tais normas trazer não somente a previsão normativa (dever-ser), mas delinear a forma de aplicação (efetivar).
Dessa forma, transpassa um pensamento, que causará indignação aos menos familiarizados com esta realidade.
Melhor será deixar o apenado fora da prisão para tentar se ressocializar trabalhando, estudando, com penas alternativas à privativa de liberdade, salvo as devidas exceções, pois em contato com a sociedade, viria a possibilidade efetiva de recuperação, pois deixá-lo nas condições em que as prisões oferecem nos moldes atuais, dificilmente alguém irá se recuperar, tornando a norma integralmente ineficaz.
Fica clarividente a omissão do Estado na aplicação da norma penal, uma vez que, além de punir mal, com péssimas condições materiais, psicológicas e de logística, ainda o caráter ressocializador é inexistente. Mas que dizer de um modelo capitalista de governo que se utiliza de meios que lhes são próprios ou convenientes para administrar. Estando bem ou mal a máquina governamental, não importa, se há ou não efetiva aplicação das normas penais escritas a quem interessa, se vai ressocializar ou não, a quem caberá essa preocupação. Num país onde a educação secular é ineficaz, haveria possibilidade de pensar em preocupação com educação dentro das prisões. Chega-se então a conclusão que diante da omissão do Estado, há uma verdadeira ineficácia na aplicação da remição da pena como meio de ressocialização do apenado.
Autor Ivo Galdino da Silva, acadêmico do curso de Direito da Universidade Paranaense, UNIPAR.
Artigo escrito com orientação da professora Fernanda Garcia Velasquez. Mestra em Direito Processual e Cidadania, pela Universidade Paranaense, UNIPAR. Atualmente é diretora do Núcleo dos Institutos de Ciências Humanas, Letras e Artes, de Ciências Sociais Aplicadas e de Educação e professora adjunta da UNIPAR. Membro do Comitê de Ética em pesquisa. Avaliadora institucional e de cursos do INEP. Tem experiência na área de Direito e de Educação, com ênfase em Direito Processual Penal, atuando principalmente nos temas Cidadania, Educação, Ética, Bioética e Execução Penal.
Publicado na versão impressa em setembro de 2014.