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Jornal Caderno Jurídico

Direito Penal e Processual Penal

A liberdade artística e o direito à honra

12/4/2019 às 19h02 | Atualizado em 12/4/2019 às 19h03 - Flávio Martins
professorflaviomartins.com.br Flávio Martins "Como toda decisão judicial haverá recurso. O réu aguardará o julgamento do recurso em liberdade e o Tribunal Regional Federal poderá reparar os exageros da sobredita sentença", afirma o professor Flávio Martins

“Sua puta”, “chegando minha cartinha, abre ela, tira o conteúdo, sinta aquele cheirinho do meu saco e abra a bunda e enfie bem no meio dela tudo isso aí que eu estou mandando para você. Tchau”. Por essas e outras palavras proferidas contra uma deputada federal, o humorista Danilo Gentili foi condenado à pena de 6 meses e 28 dias de detenção, em regime semiaberto, pela juíza federal da 5ª Vara Criminal de São Paulo, Maria Isabel do Prado.

Sempre foi e sempre será tormentosa a análise casuística dos conflitos entre direitos fundamentais. No caso, estamos diante do conflito entre a liberdade de expressão e a liberdade artística, de um lado, e o direito à honra, de outro lado. Em sua defesa, durante o processo, o artista utilizou o argumento de que “fez o vídeo dentro de sua profissão de humorista”. Quando indagado acerca do humor referente à palavra “puta”, que proferiu contra a parlamentar, respondeu que “não acha que o termo ‘puta’ seja ofensivo, porque é a favor do reconhecimento da profissão de garotas de programa”.

No meu livro “Curso de Direito Constitucional”, falo detidamente sobre o tema. Afirmo que “como inexiste um conceito legal do que é pornográfico, obsceno ou contrário aos bons costumes (porque esses conceitos variam de acordo com o tempo e os costumes), caberá ao juiz fazer essa ponderação. Não obstante, deve-se partir do pressuposto de que a liberdade artística é bastante ampla, em constante movimento”.

Explico: como dizem os alemães, na ponderação entre a liberdade artística e outros direitos, a primeira deve ser vista de forma bem ampla, porque às vezes a arte pode chocar. A arte pode incomodar ou ser de péssimo gosto (na visão do intérprete), mas nem por isso pode ser proibida. No meu livro falo de casos polêmicos, como a exposição do Queermuseu, uma exposição de nudismo no Museu de Arte Moderna de São Paulo, ou de uma peça teatral na qual Jesus teria renascido um transexual. Uma coisa é gostar ou não das manifestações artísticas, sentir-se incomodado. Outra coisa é o direito constitucional de proibir sua circulação.

Sempre foi e sempre será tormentosa a análise casuística dos conflitos entre direitos fundamentais. No caso, estamos diante do conflito entre a liberdade de expressão e a liberdade artística, de um lado, e o direito à honra, de outro lado.

Obviamente, nenhum direito é absoluto. Como afirmo em minha obra, “não poderá o magistrado proibir a exibição de uma peça, uma música, uma exposição porque é de péssimo gosto, MAS PORQUE AFRONTA INEQUIVOCAMENTE OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS”. No caso concreto, a magistrada entendeu que, ao chamar a parlamentar de puta e mandar enfiar o documento na bunda, o humorista afastou-se da liberdade artística e adentrou no crime contra a honra. Os fatos narrados na sentença demonstram, realmente, um certo exagero por parte do humorista. Criticar, através do humor, às atividades do parlamentar, está dentro da liberdade de expressão. Ofensas como “ladrão, bandido, corrupto, facínora, fascista, comunista, hipócrita, laranja, etc.” são, no nosso ver, relacionadas à atividade política e poderiam, em tese, estar acobertadas pela liberdade de expressão. Todavia, chamar a parlamentar de “puta” ou outra ofensa pessoal, pode estar (e na opinião da juíza, estava) fora dos limites desse direito.

Não obstante, há um trecho da sentença da qual ouso discordar veementemente. A juíza, ao condenar o humorista, recusou-se a aplicar os benefícios do “sursis” (artigo 77, CP) e da substituição por penas restritivas de direitos (artigo 44, CP), ainda que presentes os requisitos legais objetivos (ora, trata-se de uma infração de menor potencial ofensivo). Para tanto, a magistrada utilizou-se das “circunstâncias judiciais”, afirmando que a culpabilidade, a conduta social e a personalidade do agente não permitiriam a substituição. Aí houve um inequívoco exagero. Em tempos de democracia e de princípio da legalidade, o abuso do poder se esconde nas expressões abertas do texto legal.

Não obstante, como toda decisão judicial, haverá recurso, o réu aguardará o julgamento do recurso em liberdade e o Tribunal Regional Federal poderá reparar os exageros da sobredita sentença.

 

Flávio Martins Alves Nunes Júnior é coordenador dos cursos de pós-graduação em Direito Constitucional do Damásio, autor do livro “Curso de Direito Constitucional” (RT) e outras importantes e renomadas obras. Flávio Martins é professor de Direito Constitucional e de Direito Processual Penal. Doutorando em Direito Político e Econômico.

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