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Jornal Caderno Jurídico

Política

A conveniência de se conhecer o Brasil que se mantem desconhecido

25/2/2019 às 18h12 | Atualizado em 30/3/2019 às 21h08 - Sérgio Lacerda
Divulgação Sérgio Lacerda "O Brasil precisa resgatar a educação, onde se deveriam estudar valores humanos de reintegração popular ao ordenamento social", explica o professor Sergio Lacerda

O problema da criminalidade no Brasil é uma consequência da fragilidade socioambiental trazida pela aculturação educacional, cuja base está sedimentada no modelo introduzido no início da década de 70, mais precisamente em 1971. O governo da época implanta um novo modelo para Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1946 (Constituição da época), aquela que propunha uma educação inclusiva, fazendo surgir movimentos de educação popular, como o Movimento em Defesa da Escola Pública e o Movimento de Educação Popular. Esse modelo é derrubado pela crise de 64, trazendo a lei 5.692 de 11/08/71, a qual retira o caráter liberalizante da educação prevista pela anterior, impondo um novo projeto de educação, que tomasse conta da formação de mão-de-obra necessária para suprir a demanda da indústria que surgia no período do “grande milagre brasileiro”.

As reformas do ensino dos anos de 1960 e 1970 defenderam uma educação para formação do capital humano, que expressavam um vínculo estrito entre educação e mercado de trabalho, modernização de hábitos de consumo, integração da política educacional aos planos gerais de desenvolvimento e segurança nacional, defesa do Estado, repressão e controle político-ideológico da vida intelectual e artística do país. A base das desigualdades sociais se instala no Brasil e a partir daí os grandes centros passam inchar por meio da ideologia de melhores oportunidades de vida e trabalho. Num primeiro momento essa realidade se torna verdadeira e factível, isto porque o setor industrial necessitava de um afluxo significativo de mão-de-obra. Mas de meados da década de 80 e início da de 90 esse quadro se inverte por conta da crise internacional verificada nos EEUU (abreviatura de Estados Unidos, na língua espanhora), o sempre maior importador das commodities brasileiras. Esse quadro não se reverte para o mercado interno na mesma intensidade da crise externa. É nesse panorama complexo que o Brasil começa a se defrontar com mecanismos de corrupção junto ao estado brasileiro plenamente inchado e excessivamente burocrático. É nesta época, pela primeira vez e ainda que com vulgarização nos mecanismos de controle, neste caso tem-se a Rede Globo por trás dos bastidores, enfrenta sua primeira intervenção no campo da corrupção, depondo Collor da presidência. Mas é sob esse contexto político que são estabelecidos, pela primeira vez, mecanismos de coligação e coalizações políticas com o auxílio de stakeholders – os conhecidos “Lobbys” para maquiarem condutas e ações de políticos na direção de propor um novo mecanismo de perpetuação de poder no Congresso. São introduzidos os primeiros meios de corrupção política com característica institucionalizada. As eleições e o voto, por exemplo, em nada serviram para modificar a estrutura política que se apresentava nascente direcionada para a corrupção.

Dando um salto no tempo, de 1990 para 2018, 28 anos, parece um tempo irrisório em termos de número, mas em bases culturais e dentro do modelo econômico excludente e concentrador de renda, expõe a sociedade atual sobre os efeitos da crise em direção a criminalidade que aí está. Mesmo com a Constituição de 88, esta, rigorosamente voltada aos direitos fundamentais e humanos, como doutrina não saiu plenamente do papel quanto a prática efetiva do direito, da justiça e da plena igualdade.

O Brasil segue o caminho, mas o ponto de chegada ao mínimo possível ainda está muito distante.

O que se vive hoje é uma falsa expectativa de que haverá uma recuperação da sociedade brasileira, aproximando-a dos anos do militarismo de 64, que com repressão ao crime por meio da força coercitiva será suficiente para se mudar o curso do Brasil. Ledo engano, enxergar-se nosso País por esse olhar. O Brasil necessita resgatar a educação, onde se deveriam estudar valores humanos de reintegração popular ao ordenamento social. Onde, por meio da educação, se produzisse a igualdade de cidadania, se debatesse direito, política e inserção social. Entretanto o que se percebe é o reducionismo de mentalidades, por desinformação de um lado, por ideologia e exclusão de outro. É o imediatismo conveniente. Como, então, se combater corrupção sem se ser adepto a agressão, a coerção e a imposição da força? Como entender de corrupção se o que se conhece e se compreende é o que aprendeu pela conveniência de “tirar vantagens de tudo o que for possível”? Como superar o equívoco de que o corrupto é somente aquele que está vinculado ou preso à “bandidagem” ou a práticas de todo e quaisquer formatos de crimes que envolva ofensa ao direito à vida? Como se aperceber e compreender que corrupção não tem “cara” e nem “direito de propriedade”?

O Brasil, como poucos supõem, avançou e muito na direção ao combate da corrupção. De forma introdutória reconheceu tratados e convenções internacionais, quando assinou, por exemplo, a Convenção das Nações Unidas contra corrupção, promulgada pelo decreto 4.687/2006. Mais à frente, reconheceu a Convenção Interamericana contra a Corrupção, promulgada pelo decreto 4.410/2002 e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, chamada de Convenção da OCDE, promulgada pelo decreto 3.678/2000. Todo esse esforço se presta ao enfretamento internacional imposto pelas relações comerciais do Brasil com o resto do mundo.

Contudo, o nosso país irá se expor ao combate à corrupção internamente a partir de 2013, que é promulgada a lei 12.846/20013, conhecido por Lei Anticorrupção, a qual passa a dispor sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Em 2015 com o decreto 8420 nasce e são implantados todos os mecanismos de diagnóstico e controle para o funcionamento pleno da Lei Anticorrupção, regulamentando-a. Surgem por conta disso o Instituto de Compliance, envolto inclusive sobre bases criminais.

Em termos de princípios normativos o Brasil se apresenta, dentro dos meios possíveis, em plena conveniência. Todavia, normas nem sempre condizem a justiça se as partes interessadas não estiverem em plena consentaneidade, ou seja, devidamente preparadas em condições de aprendizado e conhecimento, consequentemente interesse e desejo de prática como meio de superar as inconveniências e os prejuízos da corrupção. O Brasil segue o caminho, mas o ponto de chegada ao mínimo possível ainda está muito distante.

Escrito em novembro de 2018. Publicado originalmente no blog Momentos (In)convenientes (slacerdadr.blogspot.com). Está no jornal impresso de março de 2019.

 

Sérgio Luis Lacerda. Jurista, professor do curso de Direito da PUC-PR, mestre em Integração Latino-Americana-UFSM-RS, doutorando em Filosofia do Direito/UFPR, mediador e árbitro de contratos e economista.

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