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Jornal Caderno Jurídico

Direito Civil e Processual Civil

O tratamento desigual dado à mulher na área jurídica

20/1/2019 às 21h37 | Atualizado em 20/1/2019 às 21h45 - Irene Nohara
direitoadm.com.br Irene Nohara “Torcemos para que num futuro não muito distante ninguém mais sinta diferença de tratamento pelo simples fato de ser mulher, o que já deveria ser realidade em pleno século XXI”, afirma Irene Nohara

Estatisticamente, as mulheres ganham menos no Brasil do que os homens, quando ocupam os mesmos cargos, sendo a diferença maior em função da importância do cargo. Os dados variam de época de pesquisa, sendo que a diferença chega a 30%, conforme dados do IBGE (2018). Significa dizer que mesmo com a presença formal de direitos iguais na Constituição e nas legislações infraconstitucionais, a realidade ainda é de tratamento desigual.

No Direito, amplia-se significativamente a presença feminina nos bancos das faculdades, nas listas de aprovação dos concursos públicos e em diversas carreiras, mas no topo destas mesmas carreiras a predominância ainda é masculina. Também nos escritórios de advocacia de maior renome é mais comum encontrarmos homens entre os sócios principais. Assim, mesmo com a mesma qualificação, dedicação, os espaços de destaque ainda são atribuídos em sua maioria aos homens.

Nos eventos da área jurídica, ainda é recente a percepção da necessidade da presença das mulheres no espaço de fala pelas comissões que organizam as atividades. Assim, é muito comum ver um evento organizado por diversas mulheres, moderado pela presença feminina, mas em que o maior destaque é para a fala dos homens, sendo ainda existente no cenário latino-americano os chamados All Male Panels – painéis com composição absolutamente masculina, sem a presença de mulheres, ou mesmo com menor presença nas aberturas, encerramentos ou em posição de destaque dos eventos.

Essa realidade é ocasionada pela discriminação e acaba gerando também mais efeitos discriminatórios, pois se a sociedade não enxergar modelos de mulheres que alcançam destaque em suas atividades profissionais, mais difícil será para as mulheres das próximas gerações conseguirem enxergar um futuro de destaque em condições de igualdade.

Mesmo tendo qualificação igual, os espaços de destaque ainda são atribuídos em sua maioria aos homens.

A maioria de nós, mulheres, têm relatos de situações em que se percebe que há inúmeras pessoas que preferem: ouvir homens, fechar negócios com homens, serem includentes com homens, excluindo do rol de beneficiários de boas oportunidades as mulheres. Por outro lado, muitas mulheres são esforçadas, dedicadas, competentes, mas não conseguem alcançar o mesmo destaque social de um homem na área jurídica.

Assim, é evidente que, no Brasil, as mulheres possuem oportunidades sociais desiguais. Por esse motivo gostaria de compartilhar de minhas percepções e esperanças para a área jurídica. Se há uma coisa que sempre prezei, acreditei e ainda prezo é que as pessoas ascendam socialmente muito em função de seu desempenho, de sua competência e habilidade.

Todavia, não obstante, não podemos ignorar que apesar do esforço pessoal haverá grupos de pessoas que não terão acesso às mesmas oportunidades de ascensão social, somente pelo fato de a sociedade olhar com desconfiança e muitas vezes com menosprezo, colocando em xeque a competência por puro preconceito (às vezes sequer conscientizado, sendo muito comum homens que se acham pessoas absolutamente “sem preconceito” fazerem piadinhas sexistas e preconceituosas a respeito de mulheres e de suas habilidades e competências).

Esse preconceito também existe nos espaços onde há a influência política ou econômica, onde a disputa se faz grande, em que as mulheres são invariavelmente discriminadas. Muitas vezes a discriminação é feita de forma sutil: homens se encontram em locais frequentados sobretudo pelo público masculino para fechar grandes negócios, discutindo em reuniões mais privativas os destinos de um grande número de pessoas, ao passo que mulheres são comunicadas de parcela dessa discussão. O discurso dirigido para a mulher é, em sua maioria, aberto e racional, sendo que as decisões mais relevantes são não raro tomadas de forma fechada, num ambiente mais restrito, portanto, e por um grupo eminentemente masculino.

Ainda, forma-se toda uma intimidade entre os homens, que quase sempre apresentam uma cumplicidade que se volta à ajuda recíproca, ao passo que as mulheres são constantemente colocadas à prova, sobrecarregadas de tarefas, sendo, ainda, distante aquele ideal de sororidade, isto é, de ajuda recíproca entre mulheres em comparação com a fraternidade masculina. Outrossim, para piorar, em inúmeros casos há competição acirrada entre mulheres curiosamente nem sempre por uma posição de destaque, mas por uma situação assujeitada.

Na área jurídica percebemos que o preconceito existe e que deve ser rompido com posturas mais includentes e com maior compaixão pelas dificuldades que a sociedade impõe às mulheres.

As mulheres são submetidas a um rigor maior de julgamento de postura, exigindo-se delas o exemplo, a organização, saberem de tudo, sendo ainda reiterada a necessidade de constantemente afirmar sua competência que, a depender do público, é posta em questão muito mais do que aquela dos homens, que, para alguns, é tida como pressuposto... Então, minha esperança é que esse quadro se altere e isso depende de uma tomada de consciência por parte de todas as pessoas, além das medidas de ação afirmativa, para a necessidade de se pensar a igualdade no tratamento entre homens e mulheres.

Na área jurídica, em particular, conseguimos perceber que o preconceito existe e que ele deve ser rompido com posturas mais includentes e com maior compaixão pelas dificuldades que a sociedade impõe às mulheres ao passo que os homens são liberados de igual fardo e responsabilidade, o que se torna socialmente injusto. Somente com essa postura teremos avanços e conseguiremos construir um cenário mais equilibrado para o público feminino, para que num futuro não muito distante ninguém mais sinta diferença de tratamento pelo simples fato de ser mulher, o que já deveria ser realidade em pleno século XXI...

 

Irene Patrícia Nohara, advogada parecerista, livre-docente em Direito Administrativo (USP), doutora em Direito do Estado (USP), mestre em Direito do Estado (USP) e graduação pela USP, com foco na área de Direito Público. Professora da pós-graduação stricto sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie (mestrado e doutorado). Autora de diversas obras jurídicas, entre elas “Gestão Pública - abordagem integrada da Administração e do Direito Administrativo”, escrita junto com Antonio Cesar Amaru Maximiano (Atlas Gen, 2018).

Publicado originalmente no thomsonreuters.com.br em 6/9/2018.

Este artigo está no jornal impresso de novembro de 2018.

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