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Jornal Caderno Jurídico

Direito Penal e Processual Penal

Pena mais dura para motorista bêbado que mata

6/8/2018 às 23h50 | Atualizado em 6/8/2018 às 23h53 - Alessandro Dorigon
Luiz Roberto Prandi Alessandro Dorigon “Punição apta a cumprir o duplo efeito da sanção criminal: reprimir o autor do crime e servir de modelo aos demais para que não pratiquem a conduta”, afirma Dorigon

A Lei 13.546/2017, que entrou em vigor dia 19 de abril, trouxe significantes alterações junto ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB), principalmente no que diz respeito ao aumento de pena para os crimes de homicídio e lesões corporais culposas cometidos na direção de veículos automotores.

No presente estudo o foco de análise recai sobre o dispositivo acrescido pelo §3º ao artigo 302 do CTB (homicídio culposo na direção de veículo automotor), onde se prevê a qualificação da pena para o agente que mata no trânsito estando sob efeito de bebidas alcoólicas ou substâncias psicoativas que causem dependência.

Inicialmente, cumpre salientar que o CTB, embora norma de mesmo nível hierárquico que o Código Penal (ambas são Leis Ordinárias), é mais especial com relação a este. Ou seja, em que pese ambos os diplomas tipifiquem a conduta ‘homicídio culposo’, cabe ao intérprete do Direito verificar se o fato típico ocorreu no contexto da direção de veículo automotor, caso em que a aplicação será do CTB, embasando-se no Princípio da Especialidade.

Além disso, o CTB não prevê em seu rol de crimes a figura do homicídio na modalidade dolosa. Assim, caso a conduta do agente resulte em homicídio na direção de veículo automotor com dolo, a legislação aplicável será o Código Penal (CP).

Caminhamos para uma efetiva punição ao condutor que mata na direção de veículos sob o efeito de álcool ou outras drogas?

Diante disso, para se ter uma ideia mais clara do assunto, deve-se fazer uma breve conceituação sobre os elementos subjetivos previstos no artigo 18 do CP, quais sejam, o dolo e a culpa.

Conforme o conceito legal do artigo 18, inciso I, do CP, o crime é doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Desta forma, verificam-se dois tipos de dolo, sendo que a doutrina os nominou de dolo direto e dolo eventual.

Acerca da definição de dolo direto, explica Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 235) que: “É a vontade do agente dirigida especificamente à produção do resultado típico, abrangendo os meios utilizados para tanto.” Quanto ao dolo eventual, ensina Rogério Greco (2010, p. 184) que: “Fala-se em dolo eventual quando o agente, embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir, e com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito.”

Já o tipo culposo, conforme narra o artigo 18, inciso II, do CP, se trata de um crime “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.” Para desmistificar mais esse elemento subjetivo, é válido trazer o conceito legal descrito no artigo 33, inciso II, do Código Penal Militar, que diz: “culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção, ou diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.”

Verifica-se, também, que há dois tipos de culpa, quais sejam: a culpa consciente e a culpa inconsciente. Conforme Fernando Capez (2013, p. 234), culpa inconsciente “é a culpa sem previsão, em que o agente não prevê o que era previsível”. Enquanto que a culpa consciente “é aquela em que o agente prevê o resultado, embora não o aceite. Há no agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta, de pronto, por entender que a evitará [...]”.

No CTB a pena para o homicídio culposo é de detenção de dois a quatro anos, na modalidade simples (artigo 302, caput) além de medidas administrativas. Já no CP (artigo 121, §3º), o homicídio culposo é punido com pena de um a três anos de detenção.

Com a alteração legislativa ora em comento, acresceu-se uma qualificadora ao artigo 302 do CTB, que passa a vigorar nos seguintes termos: “Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: [...] §3º: Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:  Penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”

Nota-se que o legislador ordinário buscou dar uma punição mais severa àquele que comete um homicídio culposo no trânsito, mormente quanto ao agente que o faz com seu estado mental adulterado em virtude da utilização de álcool ou substância psicoativa que cause dependência.

A justificativa se revela pelo maior desvalor da conduta. Explica-se: primeiro: o indivíduo está limpando sua arma e acidentalmente a dispara, vindo a tirar a vida de outrem; segundo: um motorista consome álcool a tarde inteira em um bar, e voltando para sua casa ao entardecer não vê e acaba por atropelar e matar um ciclista que na via pedalava.

Não nos parece haver dúvidas de que o segundo fato é mais ‘reprovável’ que o primeiro. Tem-se no segundo exemplo um caso de culpa consciente, onde o agente assume o risco e têm ciência de que o resultado pode acontecer, acreditando firmemente, todavia, que não ocorrerá. Eis a diferença com o denominado dolo eventual, o qual o agente assume o risco e não se importa com a existência ou não do resultado.

Definidos e apontados tais aspectos, resta a constante dúvida: será a norma penal que qualifica a pena para aquele que comete homicídio culposo na direção de veículo automotor realmente efetiva ou apenas resultado de ‘populismo penal’?

Tal dúvida é advinda de algumas perguntas que vários leigos têm feito, visto que, anteriormente a esta mudança legislativa, normalmente os casos com morte em acidente de trânsito onde o infrator estava dirigindo sob o efeito de álcool, era tratado como homicídio doloso com dolo eventual, com pena de reclusão de seis a vinte anos, se for enquadrado como homicídio simples (artigo 121, caput, CP), ou, até, de doze a trinta anos, se enquadrado como homicídio qualificado (artigo 121, §2º, CP).

Assim, será que esta nova qualificadora no artigo 302 do CTB não seria mais benéfica, visto que agora a pena do homicídio no trânsito quando o infrator está sob o efeito de substâncias psicotrópicas é de 5 a 10 anos?

Da análise do novo texto legal, nos parece a priori que veio para trazer mais efetividade. Justificamos.

Esta nova norma não se modificou o conceito de dolo ou culpa, mas trouxe somente um aumento de pena para o homicídio culposo no trânsito, sendo que, caso tal crime seja realmente considerado doloso, a pena continuará conforme os moldes do Código Penal, devendo o infrator sentar no banco dos réus frente ao Tribunal do Júri.

Já se o crime for culposo, a pena não será irrisória e sem qualquer fim pedagógico, visto que passou de 2 a 4 anos, para 5 a 10 anos, sendo que deverá iniciar o cumprimento da pena em regime semiaberto, podendo, dependendo do caso, ser condenado a uma pena em regime fechado. Em outras palavras, o infrator poderá ser preso, fato este que não ocorreria, de regra, se a condenação fosse conforme as penas do dispositivo anterior à mudança.

Por tudo isso, entendemos que a mudança legislativa trazida, além de absolutamente necessária e clamada pela sociedade, em face do elevado número de mortes causadas no trânsito por motoristas alcoolizados ou drogados, parece ser efetiva, já que o Estado, detentor do jus puniendi através da figura do Juiz, aplicará ao infrator uma punição apta a cumprir o duplo efeito da sanção criminal (reprimir o autor do crime e servir de modelo aos demais para que não pratiquem a conduta).

 

Artigo escrito por Alessandro Dorigon, mestre em Direito Processual e Cidadania (Unipar), especialista em Direito e Processo Penal (UEL) e em Docência e Gestão do Ensino Superior (Unipar), professor de Direito Penal da Unipar e advogado Criminalista autor do livro “Execução Civil da Sentença Penal e o Novo CPC” (Juruá, 2017) e por Rafael Guimarães Ribeiro, acadêmico do 4º ano de Direito da Unipar, câmpus Umuarama/PR e pesquisador PIC/Unipar.

Este artigo aparece na edição impressa de abril de 2018.

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