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Jornal Caderno Jurídico

Direito de Família

Os diversos regimes de bens no Brasil

6/7/2018 às 1h00 | Atualizado em 6/7/2018 às 1h02 - Lorena Tôrres
lucenatorresadv.com Lorena Tôrres “A noção dos direitos e obrigações inerentes a cada regime de bens não é suficiente para resguardar os interesses patrimoniais e econômicos dos cônjuges”, explica Lorena Tôrres

São quatro os regimes de bens existentes no Brasil:

 

1) Comunhão universal de bens

Neste regime comunicam-se todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e respectivas dívidas, na forma do artigo 1667 do Código Civil, ressalvadas as exceções do artigo seguinte. Desde a vigência do CC de 1916 até o advento da Lei Federal 6.515/77, que entrou em vigor em 26/12/1977, este regime era o legal. Assim, os casamentos realizados no referido período dispensam o pacto antenupcial. Todavia, com a Lei de Divórcio, o regime legal passou a ser o da comunhão parcial de bens. Por consequência, os casamentos celebrados após 26/12/77 sob o regime da comunhão universal necessitam de pacto antenupcial. A ausência do ajuste pré-nupcial, neste caso, não invalida o casamento. Entretanto, aplicar-se-á o dispositivo legal do artigo 1640 do CC atual, o qual dispõe que “não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”.

 

2) Comunhão parcial de bens

Somente se comunicam os bens adquiridos pelo casal, após a constância do casamento, conforme dispõe o artigo 1658 do CC de 2002. A lógica temporal para exigência do pacto antenupcial neste regime é exatamente a contrária do previsto para o regime da comunhão universal. Logo, exige-se a convenção antenupcial apenas para os casamentos celebrados antes da Lei Federal 6.515/77, que o instituiu como regime supletivo.

 

3) Separação de bens

O descrito regime subdivide-se em separação obrigatória e separação convencional de bens. Inicialmente, convém salientar que na modalidade obrigatória a própria lei impõe o regime de bens, excepcionando a norma que prevê a liberdade de escolha do regime de bens pelos nubentes. Deste modo, o artigo 1641 do CC enuncia que “é obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II - da pessoa maior de sessenta anos; III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial”. Assim, é possível concluir que o regime de separação obrigatória também constitui regime legal de bens, não sendo exigível o pacto antenupcial para a realização do casamento. Em sentido contrário, na separação convencional de bens, os contraentes manifestam livremente a sua opção pelo referido regime. Contudo, como não se trata de regime legal, é indispensável a lavratura de escritura pública de pacto antenupcial para a realização do matrimônio.

 

4) Participação final nos aquestos

O presente regime foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio pelo CC de 2002. A respeito da matéria Nicolau Balbino Filho ensina que “no regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, constituído dos bens que cada um possuía ao casar e os por ele adquiridos a título oneroso, que subsiste até a dissolução da sociedade conjugal”. É considerado híbrido, haja vista que na constância do matrimônio aplicar-se-ão as disposições da separação de bens, mas com a dissolução da sociedade conjugal cada cônjuge terá direito à metade dos bens adquiridos pelo casal a título oneroso, em consonância com o artigo 1672 do CC. Quer dizer, na vigência do casamento as disposições aplicáveis serão as do regime de separação de bens. Porém, com a extinção da sociedade conjugal, o parâmetro legal passa a ser o regime da comunhão parcial de bens. Por não se tratar de regime legal, os efeitos jurídicos dele decorrentes dependerão da lavratura do instrumento público de pacto antenupcial.

Conforme exposto acima, o regime legal após a publicação da Lei Federal 6.515/77, que entrou em vigor no dia 26/12/1977, passou a ser o da comunhão parcial de bens. Todavia, não é absoluta a presunção de existência do pacto antenupcial para os casamentos celebrados sob o regime da comunhão universal de bens após a mencionada data.

O que justifica esta afirmação é a validade da certidão de habilitação anterior à lei. O artigo 181, parágrafo 1º, do CC de 1916, previa que a habilitação dos pretendentes para se casar era válida por três meses.

Por este motivo, muitos casamentos ocorridos até o dia 24/03/1978 foram celebrados sob o regime da comunhão universal de bens, sem a lavratura da escritura de convenção antenupcial, desde que a referida certidão tivesse sido expedida até o dia 24/12/1977.

Ademais, mesmo que a certidão tivesse sido expedida antes da vigência da Lei 6.515/77, o pacto antenupcial não poderia ser dispensado. Por consequência, não havendo convenção, passou a vigorar, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial, nos termos do artigo 1640 do CC, sendo necessário que essa circunstância conste no assento de casamento e respectivas certidões.

Na comunhão parcial, por exemplo, somente se comunicam os bens adquiridos pelo casal, após a constância do casamento.

A oponibilidade em relação a terceiros do pacto antenupcial não nasce com expedição do traslado. Para que os seus efeitos não fiquem restritos aos nubentes, o artigo 1657 do CC dispõe que “as convenções antenupciais não terão efeito perante terceiros senão depois de registradas, em livro especial, pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges”.

Esta exigência legal é confirmada pela Lei Federal 6.015/73, quando em seu artigo 244 prescreve que “as escrituras antenupciais serão registradas no Livro número 3 do cartório do domicílio conjugal, sem prejuízo de sua averbação obrigatória no lugar da situação dos imóveis de propriedade do casal, ou dos que forem sendo adquiridos e sujeitos a regime de bens diverso do comum, com a declaração das respectivas cláusulas, para ciência de terceiros”.

Então, cabe ressalvar que a lavratura da escritura pública é apenas o primeiro passo para confirmar os efeitos da convenção antenupcial.

Outrossim, com o advento do CC de 2002, as normas que regem o casamento também sofreram alterações quanto à possibilidade de mudança do regime de bens. Anteriormente, a imutabilidade do regime de bens era absoluta, sendo que o artigo 230 do CC de 1916 determinava que “o regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável”.

Esta regra foi flexibilizada pelo artigo 1639, parágrafo 2º, do CC atual, quando dispõe que “é admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.

Assim, é perfeitamente possível a modificação do regime de bens, após a realização das núpcias, desde que comprovada perante a autoridade judicial as razões do pedido e a preservação dos eventuais direitos de terceiros.

A modificação do regime de bens após a realização do matrimônio divide a doutrina em relação à exigibilidade do pacto antenupcial, se o regime posterior for diverso do legal, ou supletivo.

Neste sentido, o conceituado registrador João Pedro Lamana Paiva discorre que “a realização de escritura pública de pacto acerca do regime de bens adotado por ocasião de alteração pelos cônjuges vem a proteger e resguardar tanto o casal, como terceiros, preservando a publicidade e segurança jurídica exigidas quando da escolha do regime de bens, além de ser requisito de formalização de regime patrimonial determinado por lei”.

De outro modo, o controle de jurisdição exigido para a mudança do regime de bens não se restringe aos requisitos processuais, devendo o juiz competente observar o aspecto material ao proferir a decisão de mérito, o que permite a proteção aos direitos de terceiros.

Por fim, embora a atividade notarial e registral tenha por finalidade a segurança jurídica, este princípio é de ordem pública, devendo ser observado pelas autoridades judiciais, inclusive. Tal princípio é a base do sistema constitucional, estando presente já no preâmbulo da Constituição da República de 1988.

Conclui-se, pelo exposto, que a noção dos direitos e obrigações inerentes a cada regime de bens não é suficiente para resguardar os interesses patrimoniais e econômicos dos cônjuges, fazendo-se imperiosa a análise dos demais requisitos legais, o que abrange a exigência ou dispensa do pacto antenupcial e, sobretudo, dos aspectos temporais, para eficácia do regime de bens escolhido pelo casal, após a realização das núpcias.

Gostaram? Um abraço e até o próximo artigo!

 

Lorena Lucena Tôrres. Advogada especialista em Direito Ambiental, atuante nas áreas do Direito Civil, Direito de Família, Sucessões e contratos, Direito do Consumidor, Ambiental e Trabalhista. Administradora de empresas, MBA em Perícia e Auditoria Ambiental, Escritora e empreendedora. Membro da Comissão de Direito Ambiental, Marítimo, Portuário, Aeroportuário e Aduaneiro e Administrativo da OAB/CE. Livro publicado pela Lumem Juris e livros publicados pela Síntese, nas áreas de Direito Ambiental, Consumidor, Imobiliário e Civil.

 

Este artigo está na versão impressa de março de 2018

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