ESPAÇO ACADÊMICO
Filhos do coração. Formação de famílias por adoção multiparental
A família comum brasileira – formada por pai, mãe e irmãos consanguíneos – vem se modificando ao longo do tempo e, no decorrer deste tempo o ordenamento jurídico também se modificou. A Constituição da República Federativa do Brasil em 1988 inovou ao garantir um tratamento igualitário e indistinto a todos os filhos, sendo eles adotivos, biológicos ou advindos de relações extraconjugais.
A legislação infraconstitucional também contribui para a garantia desse atamento igualitário, objetivando, também, aperfeiçoar os mecanismos de proteção aos direito das crianças e adolescentes, no que concerne à convivência familiar. É o que consta da Lei 12.010/09, a qual esboça em seu artigo 1º que “Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”.
O termo “aperfeiçoamento da sistemática” dá espaço para uma interpretação mais extensiva, nos distanciando da definição comum de família. Pois como já exposto acima, o que se tinha por definição como a estrutura familiar comum brasileira, em razão das modificações ocorridas ao longo do tempo, não faz jus ao que vemos retratado em nossa sociedade atual.
Definição
A adoção multiparental consiste na possibilidade de um genitor ou genitora, sendo biológico ou afetivo, invocar o princípio da afetividade e da dignidade humana, ambos direitos fundamentais conferidos pela Constituição Federal, para ter reconhecido seu vínculo afetivo parental. Ela se revela na convivência, na manifestação de sentimentos e afeto.
Uma forma de liberdade na escolha para a formação da família. A multiplicidade de vínculos afetivos se tornou comum
Para que haja a adoção é necessário o preenchimento de requisitos formais, consoante disposto no artigo 227, § 5º da CF, que faz referência aos requisitos da lei específica, qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que traz em seu texto, a partir do artigo 39 até o artigo 52-D, o tema adoção. Como não há todo um regulamento legislativo, se faz imprescindível preencher requisitos subjetivos, como o do vínculo afetivo entre adotante e adotado, sendo, também, fundamental a manifestação de vontade de ambas as partes. Segundo o disposto no artigo 41, §1º, tem-se que “Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino (companheiro) do adotante e os respectivos parentes.” Neste caso há uma exceção à regra do rompimento de vínculos parentais entre o adotando e seus pais e parentes consanguíneos, pois deste modo, o supracitado dispositivo legal nos aponta que se houver a adoção unilateral o adotado passará a ter os mesmos vínculos afetivos que os filhos biológicos de seu adotante.
Efeitos jurídicos
A adoção multiparental tem os mesmos efeitos jurídicos da adoção regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo possível averbar em registro de nascimento do adotado mais de uma filiação, permanecendo assim a igualdade estabelecida na Constituição Federal.
A legislação constitucional e a infraconstitucional deixam em aberto o reconhecimento de outros tipos de composição familiar, sendo flexível a todo tipo de vínculo afetivo.
O reconhecimento da filiação múltipla no registro de nascimento é permitido pela Lei de Registros Públicos (6.015/73), que foi alterada pela Lei 11.924/09 que modificou o artigo 57, § 8º: “O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2º e 7º deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família”.
Um recorte jurisprudencial exemplifica de maneira compreensível a adoção multiparental:
“APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA DE MULTIPARENTALIDADE. REGISTRO CIVIL. DUPLA MATERNIDADE... MULTIPARENTALIDADE. Observada a hipótese da existência de dois vínculos paternos, caracterizada está... a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade. DERAM PROVIMENTO AO APELO.” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, 2015).
No caso acima citado o vínculo é o da dupla paternidade, onde a adotada tem a manifestada vontade de acrescentar o nome de seu padrasto na sua certidão de nascimento, sem que o nome de seu pai biológico seja suprimido de sua certidão. O provimento desta apelação nos mostra que os princípios constitucionais estão sendo respeitados pelo nosso sistema jurídico, trazendo uma adequação da lei com o momento vivido pela nossa sociedade.
A partir do momento da inclusão do nome do pai afetivo no registro de nascimento se regulariza o poder familiar exercido pelo pai sobre o adotado. Este para tal deverá seguir os deveres enumerados no artigo 1.634 do Código Civil, que aborda sobre o dever de responsabilidade pelos atos praticados pelo adotado e também o de ensinar uma conduta correta. O artigo 22 do ECA se assemelha a esse preceito, apontando que, além do poder familiar, aos pais também incube o dever sustentar, educar e guardar os interesses destes. “[...] não há como deixar de reconhecer que a multiparentalidade será, em breve, mais comum do que se imagina, na medida em que, em determinados casos, é a única forma de garantir interesses dos atores envolvidos nas questões envolvendo casos de filiação, albergando-lhes os princípios constitucionalmente e eles garantidos da dignidade da pessoa humana e da afetividade” (PÓVOAS, 2012, p. 11).
Sendo assim, a multiplicidade de vínculos afetivos se tornou comum em nossa sociedade, e tendo em vista isso, fez-se necessário ao legislador quebrar os tabus e preconceitos – que até então eram comuns – e trazer essas modificações e melhorias às necessidades da sociedade atual.
Escrito por Kamila Rezende, bacharelanda em Direito e participante do Programa de Iniciação Científica/UNIPAR, Campus Umuarama. Escreva para kamilaarezendee@hotmail.com.
Elaborado com a orientação da professora Elirani de Sousa Chinaglia, graduada em Direito pela UNIPAR, especialista em Direito Civil e Processual Civil, especialista em Direito Previdenciário, professora da disciplina de Direito Processual Civil, atuando principalmente nos assuntos Direito Civil, Direito Processual Civil e Previdência Social.
Publicado no jornal impresso de fevereiro de 2018.