ESPAÇO ACADÊMICO
A crise humanitária e o sistema brasileiro de proteção ao refugiado
Olá leitores do Caderno Jurídico. Satisfação comunicar novamente neste início de ano! Na coluna deste mês vamos dissertar sobre o sistema de proteção ao refugiado. Obrigado a Deus, minha família e ao professor Prandi que muito bem nos orienta. Boa leitura!
As migrações humanas permeiam diferentes fases da história da humanidade, com características diferenciadas de deslocamentos.
Seja ela individual ou coletiva, percebe-se que atualmente a mobilidade humana é motivada por diversos fatores unidos de alguma maneira a uma sociedade complexa, marcada pelos desequilíbrios socioeconômicos, a violência e a intolerância do que pelo respeito à igualdade e à dignidade humana.
São homens, mulheres e crianças compelidos a abandonarem seu país por fundado temor de perseguição, sejam por motivos sexuais, de raça, de opinião, de nacionalidade, de religião, ou até mesmo por ausência de tutela do próprio Estado em que vivem.
O Brasil reconhece o refugiado como um sujeito de direitos e deveres. Proporciona a eles oportunidade de recomeçar a vida.
Dentre as diversas formas de migração, destaca-se a do texto em questão. A pessoa do refugiado, diferencia-se das demais espécies de migrantes, em especial da pessoa do asilado. É diferente, pois o asilado pode ser entendido como aquele que deixa seu país de origem ou residência habitual e busca proteção em outro país, na qual está limitado as questões políticas. Já o refugiado busca proteção por fundado temor de perseguição em seu país, motivado, além da questão política contrária ao governo de seu Estado, por afronta a seus demais direitos fundamentais.
Desta forma, observa-se que a pessoa do refugiado vivencia uma forma de migração forçada, dada pelas questões de desordens e de desequilíbrios mundiais.
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), órgão responsável pela proteção dos refugiados, no primeiro semestre de 2016, cerca de 3,2 milhões de pessoas foram forçadas a deixarem suas moradias devido a conflitos ou a perseguições, das quais 1,5 milhão são refugiados ou solicitantes de refúgio. Atualmente, sob o mandato do ACNUR, existem aproximadamente 16,5 milhões de refugiados ao redor do mundo.
Já em solo brasileiro, dados levantados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública dispõem que em 2016 houve 10.308 solicitações de refúgio no país, dos quais 9.552 imigrantes foram reconhecidos como refugiados.
A questão dos refugiados, na história das sociedades humanas, verifica-se desde o século XV. Todavia, foi somente após a Segunda Grande Guerra Mundial que se pode verificar uma maior mobilização por parte das comunidades internacionais no sentido de instituir regras, normas e procedimentos de tomada de decisão sobre a temática dos refugiados, bem como a ampliação ao conceito de direitos humanos, baseado nas ideias de universalidade, que reconhece como requisito essencial, a condição de pessoa humana para que possa reconhecer e exigir o devido respeito à dignidade humana e à titularidade de direito e indivisibilidade de todas as formas de direitos, quando, uma vez violado, os demais também o serão.
Foi a Declaração Universal de 1948 que serviu de base para o processo de construção do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Nesta perspectiva, compreendeu-se também a construção da tutela aos refugiados, quando afirmado pela própria Declaração de 1948, em seu artigo 14, inciso I, ao reconhecer que toda pessoa humana, vítima de perseguição, terá o direito de buscar e desfrutar de asilo em outro país. Neste âmbito, percebe-se que fora garantido o direito fundamental à vida, à segurança e à integridade de toda humanidade. Partindo desta premissa, leis de âmbito internacional foram criadas para a proteção do refugiado.
Tem-se como marco inicial a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, que forneceu a mais ampla codificação dos direitos dos refugiados no âmbito internacional. Trouxe referido Estatuto o conceito de “refugiado”, de maneira a atingir um número elevado de pessoas. Contudo, a proteção abrangia determinados refugiados quanto a eventos ocorridos até a data de 1º de janeiro de 1951.
Com a crescente mobilização, dado a situações de conflitos e perseguições em diversas partes do mundo, tornou-se crescente a necessidade de providências que colocasse os novos fluxos de refugiados sob a proteção das provisões da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951. Foi então promulgado o Protocolo de 1967, que aboliu o limite temporal e geográfico para que uma pessoa fosse reconhecida como refugiada, isto é, passou-se a assegurar a qualquer pessoa, em caso de necessidade, o direito de procurar e de usufruir de refúgio em outro país.
Por fim, merece também destaque a Declaração de Cartagena de 1984, a qual ampliou o conceito de “refugiado”, reconhecendo a pessoa que sofra violação de seus direitos humanos ou de causas similares.
De que modo o refugiado é tratado no Brasil pela Constituição?
Assim, a pergunta que fica é de que modo o refugiado é tratado em nosso país pela Constituição Federal? Há algum aparato legal que promova a proteção de quem busca asilo no país, dado a perseguição ou fundado temor de perseguição?
Proclama a Carta Constitucional do Brasil de 1988 que o país tem como uns de seus fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, incisos II e III) e que em suas relações internacionais será regido, dentre outros princípios, pela prevalência dos direitos humanos (artigo 4º, inciso II) e pela concessão de asilo político (artigo 4º, X). Declara ainda o artigo 5º que os brasileiros e os estrangeiros residentes no Brasil terão tratamento igualitário e lhes serão assegurados todos os direitos que a própria Constituição proclama. Percebe-se que, referidos dispositivos assumem expressão fundamental com relação aos refugiados, estando amparados, deste modo, por todos os preceitos constitucionais, em especial os relacionados aos direitos humanos.
Dado a preocupação do legislador, em 15 de setembro de 1997 fora promulgada a Lei 9.747/97, a qual representou um marco histórico no Brasil e na legislação de proteção aos direitos humanos com relação à temática e a causa dos refugiados. Deste modo, como muito bem elucida Milesi e Carlet (2012, p. 85-86), pode-se destacar, dentre outros “a ampliação do conceito de refugiado, que passou a incluir as vítimas de violação grave e generalizada dos direitos humanos; a criação do Comitê Nacional para refugiados (CONARE) – órgão colegiado responsável por analisar e declarar a condição de refugiado; a concessão de documento de trabalho e a abertura à implementação de políticas públicas para a integração dos refugiados.” (MILESI; CARLET, 2012, p. 76-97).
Embora a Constituição Federal de 1988 e a Lei dos Refugiados (Lei 9.474/97) ofereçam amparo legal e constitucional à efetivação dos direitos dos refugiados, o Poder Público ainda se mantém distante a implementação e cumprimento das políticas públicas voltadas a garantir a proteção e a concretização dos direitos humanos, sociais, econômicos e culturais a eles, visto que facilmente delega à sociedade civil a respectiva tarefa.
Assim, observa-se que o Brasil reconhece o refugiado como um sujeito de direitos e deveres, uma vez que proporciona a estes a oportunidade de recomeçar a vida, dado que fora perdido tudo pela questão da desordem, desequilíbrio, violência e perseguição em seu país de origem.
Desse modo, não apenas formalmente, mas de maneira efetiva, espera-se do Poder Público Federal, Estadual e Municipal uma integração conjunta e articulada a implantação de políticas públicas pautadas em valores éticos, humanitários e de solidariedade social capazes de garantir a proteção dos direitos humanos dos refugiados em solo brasileiro.
Escrito por Perci Fabio Santos Fontoura, bacharelando em Direito e participante do Programa de Iniciação Científica (PIC) da UNIPAR, Campus Umuarama/PR. Contato no perci_fabio@hotmail.com
Orientado pelo professor Luiz Roberto Prandi, mestre e doutor em Ciências da Educação, conferencista, pesquisador, autor de livros, professor titular e pesquisador da UNIPAR e colunista do Caderno Jurídico. Acompanhe cadernojuridico.com.br. Escreva para prandi@prof.unipar.br
Publicado no jornal impresso de janeiro de 2018.