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Jornal Caderno Jurídico

Direito Agrícola, Ambiental e Urbanístico

Avareza imobiliária põe em risco nossa água

22/4/2018 às 4h55 | Atualizado em 22/4/2018 às 4h59 - Tarcísio Teixeira
Divulgação Tarcísio Teixeira Tarcísio: se temos o direito ao meio ambiente equilibrado e que ele é bem de uso comum do povo, como é possível uma normativa infraconstitucional ser contrária a esta determinação?

Nos últimos anos Umuarama confronta-se com um enorme problema: a destruição de sua fonte de água. A água é um elemento essencial à vida e ao funcionamento de inúmeros serviços da sociedade moderna (indústrias, rotinas domésticas, serviços públicos, clínicas e hospitais). O fornecimento desse elemento em abundância e qualidade depende de uma série de fatores. O primeiro é a posição geográfica em que ocorram as precipitações adequadas e sua distribuição temporal. Também o tipo de solo e relevo irão influenciar no regime hídrico do local, porque determinarão a infiltração, retenção, percolação e formação dos depósitos no subsolo. Em seguida teremos a vegetação, pois a cobertura protetiva das plantas é peremptória no ciclo hidrológico. Para entender esse último item, basta lembrar do exemplo das matas ciliares que protegem as margens dos rios, lagos e nascentes, evitando erosão e assoreamento.

Outro fator relevante é a ocupação antrópica do meio, tanto em concentração como em forma de utilização. A concentração é a proporção de indivíduos que ocupam a mesma área e quanto à forma de utilização, nos referimos ao uso conservacionista ou predatório. O problema desse uso irracional é que só um pequeno grupo irá obter lucros com a destruição e toda uma sociedade  irá arcar com os prejuízos.

Chamamos este fenômeno de externalidade econômica (positiva ou negativa). Na negativa são os efeitos que promovem prejuízos (econômicos ou ambientais). O empresário não se responsabiliza. E o custo acaba sendo assumido pela sociedade.

Um exemplo de externalidade negativa está ocorrendo com a água de Umuarama, mais especificamente na APA do Rio Piava, onde a exploração imobiliária irá comprometer a produção de água para toda uma sociedade. Todos irão arcar com os prejuízos! E somente um pequeno grupo irá lucrar com as vendas dos imóveis!

APAs (Áreas de Proteção Ambiental) são ambientes delimitados que podem receber proteção especial para “assegurar o bem-estar das populações humanas e conservar ou melhorar as condições ecológicas locais”¹. Este conceito foi ampliado pela Lei 9.985/2000, que em seu artigo 15 define: A APA é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes à qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

Além deste ataque pelas margens da APA do Piava, temos também problemas no seu interior. Em levantamento recente, constatou-se que a cobertura vegetal existente na APA pode não corresponder ao mínimo que determina o Código Florestal.

A Lei define que nesta região as propriedades rurais devem ter cobertura de 20% de sua área (salvo exceções definidas pela mesma Lei) e que nas margens dos corpos de água sejam preservadas as vegetações naturais com as extensões definidas em função do tipo de corpo de água e suas dimensões. Ora, se a APA tem a função de preservar os recursos hídricos, somando-se Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente, espera-se para o local um percentual maior que 20%! Todavia, os levantamentos realizados indicam de matas aproximados 11% e somando com eucaliptos o valor sobe para 14,5%, ou seja, abaixo do esperado².

A exploração imobiliária irá comprometer a produção de água! Um grupo ganancioso irá lucrar com as vendas dos imóveis!

A polêmica atual é a alteração das demarcações dos limites da APA junto à Rodovia Moacyr Pacheco, para instalação de novos bairros no interior da APA. Um detalhe muito importante desta “invasão” é a tentativa de usar um mecanismo legal.

Isso nos leva a uma reflexão sobre a razão da criação do Direito como instrumento de controle social e pacificação entre os homens. Se, diante do exposto sobre a importância de cuidarmos da APA, ainda há uma Lei que permite seu proveito imobiliário, concluímos que o Direito é pura perda de tempo ou sua utilidade é para manipulação da sociedade por certos grupos. Mas, queremos crer que a realidade não é esta e que o Direito não é uma inutilidade social.

O Direito não é composto somente por leis. É muito mais que leis escritas. Transcende às mesmas para bem cumprir sua função. As leis são a materialização dos princípios que a sociedade adotou para si. Essa materialização é uma técnica de uniformização para aplicação destes princípios. Mas as leis não podem ser dissonantes destes princípios que as geram.

Se o Direito é ontologicamente ligado a princípios, onde podemos encontrá-los? Uma pergunta ampla. Respostas longas. E podemos encontrar muitos destes princípios materializados na Constituição Federal.

As Leis em toda sua existência (percepção da sua necessidade, elaboração de projeto, processo de criação, entrada no corpo jurídico do Estado e aplicação) devem respeitar o que há na CF, mesmo que exija-se um exercício hermenêutico. E que a interpretação faça uma leitura sistêmica da CF.

Exemplo: não é possível constituir uma Lei que respeite a formalidade exigida para sua elaboração, mas que se choque com os direitos garantidos na CF. Não pode uma Lei superior (exemplo a CF) declarar um direito a todos e outra Lei inferior publicar uma determinação, retirando este direito. Diz o artigo 225 da CF: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Ora, se todos temos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e que ele é bem de uso comum do povo, como é possível uma normativa infraconstitucional ser contrária a esta determinação? Simples: não é lícita esta normativa! Ela deve ser eliminada do corpo legal da sociedade ou ser reelaborada respeitando a CF!

Esta questão lógica também estende-se às Leis que estejam no mesmo nível hierárquico e também dentro da mesma Lei. Se é criada uma Lei para proteger a APA do Piava e cuidar da geração da água que nos abastece, não é possível intra corporis uma permissão para destruir esse recurso.

Concluímos que a sociedade de Umuarama, juntamente com suas autoridades constituídas, fará o melhor uso do Direito e praticará a Justiça quando evitar invasões ao bem comum tão precioso. Empreendedores de Umuarama, vocês escolheram investir aqui. Aplicam seu dinheiro, seu tempo e suas vidas. Temos atividades que estão contribuindo para desvalorizar a cidade como um todo e gerar lucros para um pequeno grupo. As entidades empresariais não podem ficar paralisadas vendo os seus investimentos prejudicados num futuro próximo! Reajam empresários! Protejam a APA!

Publicado no jornal impresso de dezembro de 2017.


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¹ Artigo 8º, Lei 6.902, de 27 de abril de 1981.

² SARANN, João Paulo Primo; TEIXEIRA, Tarcisio Miguel. Relatório do projeto de estudos das características químicas e da ocupação do solo da APA do Rio Piava do Município de Umuarama. Projeto financiado pelo Fundo Ambiental administrado pelo Conselho de Meio Ambiente de Umuarama.

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Tarcísio Miguel Teixeira, professor, advogado, doutorando em Direito Constitucional (UBA) e especialista em Direito Tributário e Direito Ambiental.

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