Direito Penal e Processual Penal
O artigo 22 do Código Penal. Coação irresistível: física versus moral
Conforme o artigo 22 do Código Penal (CP), quando uma conduta é praticada mediante coação irresistível só é punível o coator.
Coação irresistível e obediência hierárquica
"Artigo 22 – Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem."
Ou seja, a coação, quando irresistível, exclui o crime. Contudo, há que se delinear a diferenciação entre a coação moral e a coação física, uma vez que a atuação delas dá-se de modo diverso.
Inicialmente, importa entender o que compõe o crime.
Segundo a teoria finalista tripartida, o crime é composto pelos seguintes elementos: fato típico, ilicitude e culpabilidade. Decorrentemente, a falta de um desses elementos enseja a inexistência de crime.
O fato típico é composto pela conduta, pelo resultado naturalístico, pelo nexo causal e pela tipicidade.
Já o terceiro elemento do crime, a culpabilidade, é composto por: imputabilidade penal; potencial consciência da ilicitude da conduta praticada; exigibilidade de conduta diversa.
A conduta, primeiro elemento do fato típico, é composta pela voluntariedade (domínio da vontade sobre a ação) e pela consciência da conduta praticada, o que nada mais é que “o comportamento humano consciente e voluntário, dirigido a um fim”.[1]
A coação pode ser irresistível ou resistível. A irresistível divide-se em coação física irresistível e coação moral irresistível.
A coação física irresistível (vis absoluta) dá-se por atrito motor, contato físico. A coação moral (vis compulsiva) ocorre em âmbito psicológico.
A coação moral irresistível vicia a vontade do sujeito, não a elimina, portanto. Vontade viciada ainda é vontade, logo, não está excluída a voluntariedade.
Diante da coação moral irresistível, o sujeito – mantendo o controle da sua vontade sobre a ação – pratica a conduta que lhe foi exigida pelo coator, mesmo sem ter o ânimo de praticá-la.
Por exemplo, um sujeito imputável que abre a porta do cofre da empresa que gerencia e subtrai os bens ali guardados para atender exigência de sequestrador que mantém sua filha em cativeiro sob ameaça de morte possuía voluntariedade (embora não tivesse vontade), estava consciente de que abria o cofre de terceiro, subtraindo-lhe bens. Presentes a voluntariedade e a consciência, consubstanciada está a conduta.
A sua conduta provocou um resultado – a subtração dos bens –, havendo nexo causal entre este e aquela. Presente também a tipicidade, uma vez que o ato de subtrair coisa alheia móvel com abuso de confiança está previsto em lei como furto qualificado (artigo 155, § 4º, II, do CP).
Não havia no tempo da ação praticada qualquer causa que diminuísse ou suprimisse a imputabilidade penal do sujeito. Este sabia que subtrair bens de terceiros configurava crime (consciência da ilicitude). No entanto, a coação, ao viciar-lhe a vontade, suprimiu sua liberdade, não restando, portanto, exigibilidade de conduta diversa.
Sem a exigibilidade de conduta diversa, não há culpabilidade; sem culpabilidade não há crime.
Já a coação física irresistível elimina a deliberação volitiva, logo, a vontade é totalmente suprimida, restando abolida, por consequência, a voluntariedade, elemento da conduta, que, por sua vez, é elemento do fato típico. Desse modo, quando a coação irresistível for física, exclui-se o crime pela falta de fato típico.
Concluindo, tanto a coação física irresistível quanto a coação moral irresistível são causas de exclusão do crime e, por consequência, da pena.
No entanto, cada uma opera sob razões distintas. A coação moral elimina a culpabilidade; a coação física elimina o fato típico.
É de se anotar que em ambos os casos o coator responderá pela conduta praticada pelo coagido, por ser autor mediato (aquele que pratica crimes por intermédio de terceira pessoa inculpável).
Ressalta-se que o artigo considerou as duas espécies de coação irresistível. Se o coagido tivesse condição de resistir incidiria somente uma atenuante penal, a saber, a prevista no artigo 65, III, c, do CP.
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[1] MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Edição 10. São Paulo: Método, 2016. P. 247
Karine Gomes Vieira. Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). Aluna da Escola da Magistratura de Santa Catarina (Esmesc). Residente Judicial no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Advogada licenciada OAB/SC 29.254.