Política
A impunidade a golpes de talão de cheques
O STF, como instituição, fala pelos cotovelos, mas age como se fosse cego e surdo. Enquanto o Brasil do bem paga com insegurança e corrupção a conta da impunidade, a posição do STF sobre a prisão após condenação em segunda instância tem a solidez de um pudim de claras.
O Supremo, é óbvio, não tem qualquer obrigação de atender os anseios da população. A rigor, nenhum dos poderes de Estado tem esse dever. A tal “soberania popular” tem vigência fugaz, a cada quatro anos, no primeiro domingo de outubro dos anos pares não bissextos, e é exercido no silêncio das urnas, das 8 horas da manhã às 5 da tarde. E acabou. A partir daí prevalece, sempre e sempre, a vontade dos representantes. E dos magistrados.
No entanto, somente alguém cego e surdo não sabe que a lei, em tese, se impõe sobre todos os poderes, inclusive sobre o STF. Este, porém, tem dado mostras suficientes de que seus onze membros, na prática, decidem com a testa e sem o texto em muitas oportunidades nas quais o tema é polêmico. Já ouvi votos em que só ficou faltando a locução “eu acho”. Ora, se os onze podem fazer o que bem entenderem (é assim que alguns “supremos” compreendem a própria função), puxa vida, bem que poderiam ouvir o clamor da sociedade na questão da prisão após condenação em segunda instância.
Foi o que aconteceu em fevereiro de 2016. Desde então, as coisas vêm andando assim e muitos corruptos cumpriram ou estão cumprindo uma temporada com mordomia zero e pouco sol. Se o pudim de claras dessorar, a prisão dos criminosos de primeira classe voltará a ser postergada para após o trânsito em julgado da sentença condenatória. E isso, sabemos todos, voltará a ser sinônimo de “nunca”. Será a impunidade a golpes de talão de cheques. Será o “foro privilegiado” que o sistema recursal brasileiro proporciona a quem tem recursos.
A leitura do blog do Merval Pereira, nesta sexta-feira 02/03, leva a crer que a bolsa de apostas pendeu para o lado da volta ao sistema antigo. Há outro pudim de merengue no forno. Cegos e surdos, seis ministros se inclinam pela volta da impunidade. Nossa esperança estaria num remendão pelo qual a condenação em segunda instância autorizaria prisão provisória. Mas essa tese, por enquanto, só teria cinco votos...
Saramago, se vivo, poderia escrever um ensaio sobre essa cegueira e essa surdez.
Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites. Autor de crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.