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Revista Veja consegue informações de forma ilegal e advogados pedem providências ao CNJ

Como consequência estão sendo requeridos o recolhimento da revista física das bancas e a retirada da matéria da internet

30/9/2018 às 0h16 | Atualizado em 6/4/2020 às 13h26
Divulgação Revista Veja consegue informações de forma ilegal e advogados pedem providências ao CNJ A petição é incisiva: princípio da liberdade de expressão não pode ser usado como escora

Grupo de advogados paranaenses protocolou na madrugada deste sábado, 29, um pedido de providências junto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para que seja instaurada sindicância, visando a apurar os responsáveis pelo vazamento das informações contidas no processo que tramitou na Vara da Família da Barra da Tijuca, em 2011 e em segredo de justiça, envolvendo o candidato a presidente e líder nas pesquisas Jair Bolsonaro e a ex-esposa Ana Cristina Siqueira Valle. A revista Veja obteve informações de forma ilegal e publicará na edição de 3 de outubro, próxima quarta-feira [revista já em circulação adiantada]. Como consequência estão sendo solicitados o recolhimento da revista das bancas e a retirada do conteúdo online. “Queremos deixar claro que o pedido não tem motivação de censura, porque todos os fatos poderiam ter sido obtidos com o jornalismo investigativo responsável e sem quebrar a lei e sem ferir o direito de família e de menores”, afirmam os advogados Alexandre Zeigelboim, Ana Cecília Parodi e Ricardo Kassin.

Na edição 2602, provavelmente já em circulação, datada de 3 de outubro, a Veja publica reportagem intitulada “O Processo”. É referente aos autos 0017660-74.2011.8.19.0209 que tramitaram em 2011 na 2ª Vara da Família do Foro Regional da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. O processo envolve o candidato a presidente e líder nas pesquisas Jair Messias Bolsonaro (autor) e a ex-esposa Ana Cristina Siqueira Valle. Dia 4 de setembro a Editora Abril pediu o desarquivamento dos autos, o que ocorreu na quinta-feira, 27.

O Caderno Jurídico apurou que houve um acesso incomum feito por terceiro em processo que tramitou protegido pelo pálio do segredo de justiça. Foram veiculados dados supostamente produzidos nos referidos autos, os quais diriam respeito à ocultação de patrimônio, recebimento de pagamentos não declarados, conduta agressiva e tantas outras acusações supostamente ditas pela ex-esposa de Bolsonaro.

Não queremos a censura ou cerceamento da liberdade de expressão do jornalista. Nosso pedido trata da ilicitude de se obter documentos, principalmente quando se trata de processo com segredo de justiça, que invadiu a intimidade de Bolsonaro e sua ex-esposa de forma ilegal.

O pedido de providências destaca que os advogados se dirigem ao CNJ como cidadãos e operadores do Direito, atuantes nas áreas de Família e de Menores, Criminal e de Liberdade de Expressão. “Todos motivados pela impendente necessidade de que se resguarde a ordem pública e jurídica, em razão das fortes e notórias evidências de violação das garantias constitucionais, processuais e das leis orgânicas da magistratura, atinentes à potencial violação da preservação do segredo de justiça que reveste os atos administrativos e processuais de natureza de Direito e Família e de Menores, no caso da matéria jornalística”, cita a petição.

 

Princípio da liberdade de expressão não pode ser usado como escora

De acordo com o advogado Ricardo Grande Casselli Kassin, do escritório Parodi & Kassin, de Curitiba, a liberdade de expressão deve ser festejada sempre, porque é um dos pilares da democracia, mas o princípio não pode ser usado como escora para causar abalo nas garantias judiciais e nem se valida como legitimador para a “ocultação de fonte”, num caso que se reveste de segredo de justiça por normativas de ordem pública, “razão pela qual pedimos urgentes providências”.

O advogado Alexandre Zeigelboim, do AZ Escritório Jurídico, de Curitiba, fundamenta que a editora e a revista têm o direito de publicar matérias baseadas em reportagens, produzindo jornalismo investigativo. Num cenário razoável, explica, o veículo teria acesso a informações e as utilizaria de maneira saudável à ordem pública, sem cometer atos ilícitos e violar normas. “Até mesmo poderiam obter ordem judicial para divulgação, independente da vontade dos ex-cônjuges, de algum conteúdo pontual preservado por segredo de justiça e que não revelasse questões de interesse dos menores. Mas, o que não podemos admitir é a flagrante violação das garantias processuais de ordem pública, que deveriam ser preservadas, como bem fundamentamos no pedido feito ao Conselho Nacional de Justiça”, reitera Alexandre.

A petição relata, ainda, que o vazamento do processo que correu em segredo de justiça causou abalo na confiança dos jurisdicionados no Poder Judiciário e em todo o sistema judicial que já vem desacreditado e desgastados perante a população. A proteção do segredo de justiça é garantia excepcional, que reveste a atos jurídicos sensíveis, cuja exposição de fatos e de documentos colocaria em risco não apenas a intimidade ou a segurança das informações das partes envolvidas.

“A proteção do segredo de justiça atrelada aos processos como os de Família, especialmente quando há menores envolvidos, serve de verdadeiro estímulo para que jurisdicionados naturalmente mais vulneráveis não se sintam intimados para buscar seus direitos e, pelo contrário, estejam em ambiente seguro e protegido no acesso à Justiça”, afirma Ricardo Kassin. Segundo ele, a notícia social que o caso em comento veicula é a de que o interesse e o poder econômicos poderiam sobrepujar garantias, maculando a boa-fé objetiva desse “contrato social” existente entre a Justiça e os jurisdicionados. Ricardo Kassin acrescenta que, além de esgarçar ainda mais o tecido que une cidadãos e instituições, ainda gera pânico e receio àqueles que um dia já ingressaram em juízo, nas searas de Família e desestimula as partes a apresentarem as suas demandas perante um Poder Judiciário injustamente enfraquecido pela conduta perniciosa de um gigante econômico.

Uma das concepções da liberdade de expressão é a busca pela verdade. Neste sentido é a informação verdadeira que se encontra protegida pela liberdade de expressão. “Uma renomada revista não pode publicar uma “pós-verdade”, travestida de “verdade absoluta”, não observando a Constituição Federal, a ética do jornalista e o artigo 189, parágrafos 1 e 2 do Código de Processo Civil”, enfatiza Ricardo Kassin.

Na fundamentação do pedido de providências, os advogados escrevem que a informação que goza de proteção constitucional é a informação verdadeira. “A divulgação deliberada de uma notícia falsa, em detrimento do direito da personalidade de outros, não constitui direito fundamental do emissor. Os veículos de comunicação têm o dever de apurar, com boa-fé e dentro de critérios de razoabilidade, a correção do fato ao qual darão publicidade.”

“Nenhum jornalista ou veículo de comunicação possuem o direito de desrespeitar o ordenamento jurídico, usando o direito constitucional à liberdade de expressão como escudo. Dentro deste contexto, jamais poderá a falta de ética profissional, desrespeito ao princípio constitucional à dignidade humana e, principalmente, a tentativa de manipulação de opiniões, serem utilizados de forma abusiva e violadora de sua função social, de maneira a tentar e mesmo afrontar toda a segurança institucional do Poder Judiciário”, defende Ricardo Kassin. “O segredo de justiça é um delimitador da liberdade de expressão processual.”

De forma incisiva, o pedido de providências enfatiza que “é inadmissível que um veículo de imprensa esteja acima das limitações do gravame do segredo de justiça, gozando de maiores prerrogativas do que toda a classe dos operadores do Direito”.

“O manejo de nossa medida não é nenhum pedido de providências, é uma súplica por providências justamente para restaurar o estado de direito. É uma verdadeira quebra dos valores jurídicos. Nós como advogados nos sentimos legitimados a pedir uma investigação e a própria restauração do direito que é nossa própria matéria prima, sem os quais nossa sociedade certamente ruma a um inevitável caos”, observa Alexandre Zeigelboim.

 

Sindicância no TJ do Rio

O Conselho Nacional de Justiça deverá instaurar sindicância na 2ª Vara da Família do Foro Regional da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Serão investigados seu eventual arquivo físico instalado fora das dependências do fórum, todos os órgãos e setores do TJ que tenham envolvimento com o caso, além de ser apurado o nome e o grau de responsabilidade de todo e qualquer serventuário do Tribunal que tenha tido participação direta ou indireta no desarquivamento e de publicidade dos autos a pessoa não legitimada.

 

Não é censura. É para restaurar o caráter do segredo de justiça

Como consequência do pedido de providências os advogados estão requerendo que o Conselho Nacional de Justiça recolha as revistas físicas de todos os pontos de distribuição e retire a matéria da internet e todo e qualquer conteúdo alusivo e documentos correlatos.

A advogada Ana Cecília Parodi, autora do livro “O direito é todo seu” (Saraiva), colunista do Caderno Jurídico e sócia do escritório Parodi & Kassin, deixa claro que o pedido não tem motivação de censura, porque todos os fatos poderiam ter sido obtidos com o jornalismo investigativo responsável e sem quebrar a lei e sem ferir o direito de família e de menores. “Todos os dias milhares de mulheres abandonam a busca de seus direitos por medo e por vergonha. A proteção do sigilo de justiça é um dos poucos remédios práticos para garantir acesso à justiça. Esse ato da revista Veja é um ato de barbárie egoística, visando a obtenção de lucros pessoais do periódico, colocando sobre abalo todo o sistema judicial e a confiança dos cidadãos no processo nos tribunais”, adverte Ana Parodi. O processo caiu para o ministro-corregedor do CNJ, Humberto Eustáquio Soares Martins, que é o atual vice-presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

 

Anderson Spagnollo
Da Redação
contato@cadernojuridico.com.br

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