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Jornal Caderno Jurídico

ENTREVISTAS

"O promotor que atua no Tribunal do Júri deve saber contar a história", afirma promotor que chega a marca dos mil júris

28/7/2017 às 23h01 - Marcelo Balzer Correia
Marcelo Balzer Correia

Em 2016 foram realizados cerca de 1,3 mil júris no Paraná, sendo 242 somente em Curitiba. No primeiro semestre deste ano, em todo o estado, ocorreram 600 júris. Em novembro de 2016, o promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná, Marcelo Balzer Correia, que atua na Promotoria de Crimes Dolosos Contra a Vida de Curitiba, completou a marca de mil júris. Na instituição desde 1995, Balzer já atuou nas Comarcas de Loanda (Nova Londrina e Santa Isabel do Ivaí), Palotina, Cidade Gaúcha, Medianeira, Guarapuava e Cascavel. Entrevista especial produzida pela Assessoria de Comunicação do MPPR, o promotor de Justiça fala um pouco sobre sua trajetória de atuação à frente do Tribunal do Júri.

 

Em sua avaliação, qual é o significado de ser o Tribunal do Júri a instância responsável por julgar os crimes dolosos contra a vida?

A Constituição Federal e as demais legislações do país atribuíram à própria sociedade a decisão sobre o crime contra o nosso maior bem, que é a vida. O júri existe para que a sociedade diga se concorda ou não com a prática daquele crime. É claro que a maioria das pessoas é contra a morte, mas em determinado momento aquela morte pode até ser justificada, como em uma situação de legítima defesa, por exemplo. Então cabe à sociedade decidir sobre a conduta daquele acusado.

 

Como o senhor avalia as decisões que são tomadas pelo júri popular?

O Tribunal do Júri existe há anos e vem funcionando muito bem. As estatísticas sobre a atuação do Tribunal do Júri mostram que o parâmetro de justiça que a sociedade faz muitas vezes é maior que do próprio juiz de direito. Isso porque, em algumas situações um juiz pode até errar, mas sete pessoas dificilmente erram. O que pode ocorrer é um equívoco de interpretação, mas quantos erros no Judiciário, praticados por juízes de direito, nós não vemos? Eventualmente são cometidos erros pelo Judiciário, mas acredito que a sociedade procura errar menos que o próprio juiz. O que vejo é que a sociedade, ainda que leiga, não quer errar. Quando os jurados aqui estão, eles julgam com o coração, o sentimento e a razão.

 

Sobre a atuação do Ministério Público no Tribunal do Júri, apesar de ser o MP o autor da denúncia, nem sempre a instituição cumpre o papel de acusação, certo?

Isso mesmo. Quando o Ministério Público oferece uma denúncia, ainda não estamos nessa fase acusando a pessoa. A denúncia nada mais é do que um termo técnico para a peça inicial do Ministério Público para que o juiz inicie a persecução penal. Até então ocorre a fase da investigação, feita pela Polícia ou pelo próprio Ministério Público, em que podem ser encontrados elementos indicativos de que aquela pessoa é suspeita de ter cometido determinado crime. O julgamento é o momento do contraditório e, se para o Ministério Público existirem elementos que apontam para a responsabilidade do acusado por determinado crime, buscaremos comprovar isso perante os jurados. É por isso que, muitas vezes quando a imprensa nos procura antes da realização de um júri, o que sempre digo é que foi oferecida a denúncia e que o resultado nós teremos somente ao final do processo.

 

Quais características o senhor considera importantes para a atuação do promotor de Justiça no Tribunal do Júri?

A primeira característica que considero fundamental, não só para o promotor de Justiça, mas também para o juiz e o advogado que atuam nos julgamentos, é gostar e respeitar a instituição do Tribunal do Júri. Porque quem não gosta do Tribunal, a tendência é que não faça um bom trabalho e isso acaba prejudicando a instituição e diminuindo o valor do Tribunal do Júri. Outra característica importante é que a pessoa deve conhecer bem o processo, ter uma boa oratória e até um bom preparo físico, porque muitas vezes um júri não tem hora para acabar, podendo durar dias, e é preciso ter essa disponibilidade. É necessário, ainda, estar atento a tudo o que acontece no processo, porque no Júri o promotor de Justiça está muito mais exposto. Temos o plenário, a fase de debates e é diferente de um processo comum em que você pode se fechar em um gabinete, estudar e fazer uma peça final. No Tribunal do Júri, o juiz concede a palavra e você tem duas horas para apresentar tudo o que estudou e, em muitos casos, é pouco tempo. Por isso é preciso ter uma grande capacidade de síntese e objetividade para transmitir aos jurados tudo o que o processo possui. E, em minha avaliação, inclusive por conta dessa exposição, considero a vaidade o maior pecado para quem trabalha no Júri.

 

E como o senhor, particularmente, se prepara para um Júri?

A primeira coisa importante é conhecer bem o processo nas linhas e, principalmente, nas entrelinhas. É preciso conhecer as partes e prestar atenção em tudo o que acontece no processo. Muitas vezes uma palavra ou uma frase dita que passa despercebido ou que não é dita, pode ser determinante e decisiva para a causa. Meu preparo é conhecer o processo integralmente e me convencer daquilo que vou sustentar. Enquanto eu não me convenço da tese que vou sustentar, seja uma acusação ou uma absolvição, eu não vou ao Júri. Porque eu sou a primeira pessoa que precisa estar convencida para depois tentar convencer os outros.

 

O trabalho no Tribunal do Júri é cercado de muita pressão externa, seja da imprensa, seja dos familiares da vítima ou do acusado. Como o senhor lida com esse tipo de situação?

É natural que a família que perde um ente querido queira que aquela pessoa seja julgada e condenada. No entanto, muitas vezes essas pessoas também se deixam levar por informações externas, sejam da própria polícia ou da imprensa, sem conhecer o verdadeiro teor do processo, e isso faz com que ela venha com a paixão da causa. A partir do momento em que a gente fala e do que existe nos autos podemos, inclusive, machucar a família. Isso porque, em algumas situações, eles podem ouvir que, naquele caso específico, a vítima pode ter provocado sua a própria morte. E são vários os casos em que aquela família não aceita que o réu agiu em legítima defesa, por exemplo, e temos que demonstrar aos familiares que o seu ente querido, ainda que falecido, vítima de um homicídio, foi o agente provocador daquela morte.

 

Falando para os promotores de Justiça que têm vontade de atuar no Tribunal, com a sua experiência, quais os conselhos daria?

Conheça bem o processo. A dificuldade de alguns colegas, sejam advogados ou promotores, é contar a história que está no processo para os jurados. É como fazer a leitura de um livro e saber contar essa história para outro. Se a pessoa consegue fazer isso, vai fazer um bom júri. Muitos perdem tempo com retóricas e teses jurídicas, mas em um Júri o leigo quer julgar o fato, saber se aquela pessoa é culpada ou não e você tem que dizer se os fatos que aquela pessoa cometeu efetivamente são dignos de uma repressão ou não. Então meu conselho é, conte a história, e deixe que o jurado conclua, ele vai saber diferenciar entre o que é justo e o que não é. Eu sempre falo para os jurados, todos nós sabemos a diferença entre o certo e o errado, então se você transmitir a ele que aquela conduta está certa, ele absolve, se estiver errada, o que nos resta, é a condenação. Meu conselho então é, relate os fatos, da maneira mais simples e objetiva possível, sem floreios.

 

Com mais de mil júris na bagagem, o senhor citaria algum como de maior destaque?

Para mim um grande júri é aquele em que julgamos o caso do José que matou a Maria, por exemplo. Ou seja, independente da repercussão do caso, trato todos os júris igualmente, não consigo destacar entre os mais de mil casos quais foram os mais importantes. Todos foram muito importantes e cada um teve sua história, que me marcou com a emoção e também com a dor.

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