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Jornal Caderno Jurídico

ENTREVISTAS

A busca de uma administração pública eficiente, eficaz e efetiva

25/9/2018 às 0h15 | Atualizado em 25/9/2018 às 0h18 - Helton Kramer Lustoza
Divulgação Helton Kramer Lustoza “De tantas propostas eleitorais é raro encontrar um projeto de governabilidade que abarque um tempo maior que quatro anos, a fim de tornar as atividades administrativas mais eficientes e atender os cidadãos com qualidade”, afirma Lustoza

As políticas sociais praticadas no Brasil andam precárias e a passos lentos igual tartaruga. Estão longe de atingir todos os cidadãos de forma eficiente. Resultado disso é uma assombrosa desigualdade social e dominação de elites econômicas. O Estado incompetente atinge muito os cidadãos. A opinião é do procurador do Estado e mestre em Direito Constitucional, Helton Kramer Lustoza. Em entrevista ao Caderno Jurídico, o advogado chama atenção de outra questão importante: ausência do hábito de se fazer um planejamento em longo prazo do modo de organizar e disciplinar a administração pública. “É o resultado dessa forma de trabalho que irá surtir efeitos para um melhor desempenho de atribuições políticas.”

Professor universitário, Lustoza é coordenador do curso de pós-graduação em Direito Administrativo e Municipal da Unipar, Campus Umuarama/PR. Vê que as pós em Direito Público estão ganhando relevância a cada ano, visando atender as exigências da prática jurídica administrativa.

Autor do livro Eficiência Administrativa e Ativismo Judicial (editora Ithála), o entrevistado enfatiza que com exceção dos beneficiários da corrupção, todos perdem com a burocracia. “A começar pelo cidadão que ainda sofre constrangimentos de obter autenticação de documentos e preenchimento de cadastros, cujos dados, muitas vezes, já estão devidamente atualizados nos bancos de dados de quem lhes cobra”, critica.

 

Doutor Lustoza, em que sentido um Estado ineficiente atinge os cidadãos?

Anderson, primeiramente agradeço a oportunidade de conversar com os leitores do Caderno Jurídico. É uma satisfação poder falar sobre Administração Pública. É um tema muito importante. Entendemos que o exercício das atividades públicas tem enfrentado dificuldades em se implantar uma conduta ética de forma a valorizar as boas gestões dos bens públicos. A Lava Jato demonstra isso hoje.

Respondendo, apesar da existência de um rol significativo de direitos na Carta Constitucional, as políticas sociais praticadas no Brasil ainda estão muito precárias, longe de atingir todos os cidadãos de forma eficiente. Isso retrata uma profunda desigualdade social e dominação por parte de elites econômicas, o que levou a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármem Lúcia, afirmar que embora o Brasil possua uma ótima Constituição, o país tem uma péssima prática constitucional.

Esse afastamento entre a igualdade contida na lei, em contraste com a verdadeira realidade – desigualdade e exclusão – coloca os direitos sociais como uma abstração (preenchida com meros ideais), tornando-se impotentes para alterar a ordem social. Essa situação faz lembrar a obra de William Davenant, “Amantes platônicos”, onde se compreendia que o amor platônico era concebido como um sentimento à distância, revestido de fantasias e de idealização, distanciando-se da realidade. E parece que a relação entre direitos sociais e o Estado brasileiro se baseia numa relação platônica, muito utilizados como fervor na retórica em discursos políticos, mas ausente de concretizações práticas.

 

Quais os motivos que impedem o Estado de ser eficiente?

Presencia-se uma ausência na cultura política brasileira do hábito de se fazer um planejamento em longo prazo, acerca do modo que irá se organizar e disciplinar a Administração Pública. Pois, no final das contas, é o resultado dessa forma de trabalho que irá surtir efeitos para um melhor desempenho de atribuições políticas.

De tantas propostas eleitorais que presenciamos na atualidade é raro encontrar um projeto de governabilidade que abarque um tempo maior que quatro anos, a fim de tornar as atividades administrativas mais eficientes e atender os cidadãos com qualidade.

 

Quais os desafios que os administradores públicos irão enfrentar?

A inclusão cidadã – imprescindível para a democratização das relações entre Estado e sociedade – demandou atenta revisão da postura estatal, para a qual, muitos governantes não estavam preparados. As demandas crescentes de uma sociedade complexa e que ensaia sair do subdesenvolvimento exigirão, a cada dia, maior competência e eficiência na implementação das tarefas públicas.

Quando Olavo Bilac afirma “preparar homens de pensamento e ação”, talvez seja possível identificar um gestor preparado

Frente a esta situação, os gestores públicos, cada vez mais, passarão a ser exigidos a cumprir tarefas que a Constituição Federal estabeleceu como objetivos claros ao Estado. A missão não é fácil! Se de um lado a implementação dos direitos fundamentais é impulsionada pelo princípio da eficiência administrativa, do outro, existem limitações orçamentárias e controle de gastos públicos (Lei Responsabilidade Fiscal). Mas não se deve esquecer que o Estado assumiu o compromisso, como agente protagonista, de implementar os direitos sociais, sendo que somente a partir da concretização mínima dos direitos básicos é que os cidadãos teriam condições de exercer seus direitos civis e de ver reconhecida sua dignidade social.

 

Diante desse cenário, pode-se compreender que a eficiência administrativa seria utópica?

Não. Acredito que a expressão eficiência administrativa não é algo inatingível ou utópico, pelo contrário, mostra-se ser o resultado de um processo de planejamento governamental. Por isso, entende-se que a solução não está em propostas mirabolantes que nossa lógica humana permite saber ser inaplicável a realidade pública. Quando Olavo Bilac afirma “preparar homens de pensamento e ação”, talvez seja possível identificar um gestor público preparado para os desafios que Administração Pública apresenta. Que tenha de antemão objetivos claros, ações planejadas e instrumentos capazes de garantir a regularidade na fixação de metas para cumprir os direitos básicos dos cidadãos e, assim, compensar o déficit dos direitos de liberdade e participação popular nas decisões políticas.

 

Quem perde e quem ganha com a burocratização das atividades administrativas?

Com exceção dos beneficiários da corrupção, todos perdem com a burocracia. A começar pelo cidadão que ainda sofre constrangimentos de obter autenticação de documentos e preenchimento de cadastros, cujos dados, muitas vezes, já estão devidamente atualizados nos bancos de dados de quem lhes cobra.

A burocracia tem uma força de perpetuidade através da sua racionalidade, baseados no caráter legal das normas e regulamento, hierarquia da autoridade e rotinas padronizadas. O emprego de formalidades exageradas acaba por frustrar a celeridade dos processos, pois além de não resolver apropriadamente problemas cotidianos, ainda causa dano ao Erário, por impedir a efetividade dos serviços públicos.

 

O servidor tem um papel importante neste processo?

A enorme dificuldade na luta contra a burocratização é a necessidade de quebra de paradigmas, mudanças culturais que devem ser protagonizadas principalmente pelos servidores públicos de carreira. Os mecanismos de controle são sempre reativos e não buscam se antecipar à desobstrução dos canais de comunicação entre Administração Pública e a sociedade. Assim, não podemos ser reducionistas, pois nós, servidores públicos, já demos provas que podemos fazer de nossa atividade um meio condutor de mudanças essenciais à vida republicana.

Para isso, todo servidor público precisa estar qualificado e preparado para melhor atender a necessidade de profissionalização no âmbito da Administração Pública, com a o objetivo de alcançar a efetividade do serviço público.

 

O professor coordena o curso de pós-graduação em Direito Administrativo e Municipal na Unipar, Campus Umuarama. O que esse curso poderá contribuir para o servidor público?

O curso tem por objetivo a capacitação plena na área de Direito Administrativo e Municipal, contribuindo para uma atuação tecnicamente adequada e eficiente, fundada em valores éticos e em conformidade com a legislação vigente aplicável.

Seria uma possibilidade de formação especializada – em nível de pós-graduação – em importantes áreas de direito público, especialmente aquelas afetas à gestão, contratação, planejamento e tributação. Acredita-se que este curso, estando direcionado especialmente para atuação no âmbito municipal, irá atender uma demanda substancial da região, atraindo o interesse de uma gama significativa de servidores, advogados públicos e privados, dentre outros profissionais que atuam direta ou indiretamente na área.

Os cursos de pós-graduação em Direito Público vêm ganhando relevância, a cada ano, pela intensa procura por parte dos profissionais, com o objetivo de atender às exigências atuais da prática jurídica administrativa, principalmente frente às recentes alterações legislativas (reforma trabalhista, lei terceirização, lei anticorrupção, dentre outras).

 

Existe uma boa perspectiva de uma cultura da eficiência na Administração Pública?

Atualmente a sociedade vive em um período em que as referências de se avaliar as condutas humanas se enfraqueceram diante de tantos problemas sociais. A operação Lava Jato, por exemplo, demonstra que o exercício das atividades públicas tem enfrentado dificuldades em se implantar uma conduta ética de forma a valorizar as boas gestões dos bens públicos.

O que tem falhado em nossa sociedade é a falta de controle efetivo das contratações públicas e planejamento das políticas públicas. Nesta linha, é possível compreender que a eficiência administrativa tem movido o poder público para uma sensível melhora. Atualmente o movimento no Judiciário denominado de “ativismo judicial” tem controlado as metas administrativas, penalizando gestores públicos que não estejam preparados para os desafios que Administração Pública apresenta.

De modo geral, tem-se verificado – ainda que timidamente – um aumento na preocupação dos gestores públicos acerca de um planejamento da rotina administrativa, muito em função dos resultados e das recomendações controladas pelos órgãos fiscalizadores (Tribunal de Contas, Ministério Público, etc). Isso é um processo que demanda aperfeiçoamento contínuo, revisão frequente das várias etapas, perseguição das metas pactuadas, acompanhamento dos indicadores da gestão e qualificação dos agentes públicos. 

Esperamos presenciar um esforço maior com o objetivo de atender as reais necessidades da população, buscando ao máximo, a concretização de um Estado justo e igualitário.

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Helton Kramer Lustoza também é especialista em Direito Tributário, professor da Universidade Positivo, professor convidado do COTEF-RJ, ESAF e ESA-OAB.

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Entrevista publicada no jornal impresso de novembro de 2017

 

Anderson Spagnollo
Da Redação
contato@cadernojuridico.com.br

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