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Jornal Caderno Jurídico

ESPAÇO ACADÊMICO

Maconha: liberar ou não? Eis a questão

18/2/2017 às 20h45 | Atualizado em 20/2/2017 às 11h31 - Renan William de Deus Lima
Renan William de Deus Lima

Atualmente, pode-se verificar temas que são verdadeiros “tabus” na sociedade, os quais geram grandes conflitos de opiniões e críticas, seja pelos mais intelectualmente esclarecidos, seja pelos menos instruídos. Um destes temas – sabe-se – além de sofrer grande impacto social, também tem gerado grande repercussão midiática; que é a legalização ou não do uso da maconha (cannabis sativa). Numa análise preliminar dos prós e dos contras, se há, de um lado, a vantagem social e científica; do outro ao verificar a estatística que pode mostrar o impacto da legalização na vida das pessoas. Iniciando a análise do tema, é mister entender sua etimologia. Segundo os autores Taylor (1992); Rezende (1998); Carvalho (2000), a maconha é um alucinógeno obtido da planta cannabis sativa, também conhecida como haxixe e marijuana. Geralmente é consumida por via endovenosa, inalada (através de tabaco chamado de “baseado”) e oral. A legalização dessa substância tem sido amplamente difundida por diversos seguimentos da sociedade, pois o tráfico de drogas desencadeou uma onda de violência na América Latina, e graças a isso, alguns países da América Central registram os índices de homicídio mais elevados do mundo, com um número de mortos superior ao de alguns países afetados por conflitos armados. Por esta razão, em março deste ano, a ONU admitiu em um documento elaborado, para uma reunião em Viena que os objetivos na luta mundial contra as drogas não foram cumpridos até agora e sugeriu pela primeira vez a descriminalização do consumo de entorpecentes, pois esta poderia ser uma forma eficaz de “descongestionar” as prisões, redistribuir recursos para atribuí-los ao tratamento e facilitar a reabilitação dos usuários. A partir disto, uma proposta de iniciativa popular contou com mais de vinte mil assinaturas, e foi encaminhada à Comissão de Direitos Humanos do Senado Brasileiro, ficando este responsável por discutir a proposta de regulação do uso recreativo e medicinal, bem como iniciar os debates sobre o tema em todo o Brasil. Porém, tem-se verificado que a descriminalização para o consumo medicinal já foi aplicada em algumas situações em nosso país, como nos casos em que a Justiça autorizou pacientes com epilepsia, a comprarem o medicamento Canabidiol (CBD), que tem substâncias derivadas da maconha e é proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil. As decisões judiciais a este respeito, impediram a agência de barrar a importação do produto, que é legalizado nos Estados Unidos. Segundo um dos Juízes que autorizou a compra como tutela antecipada “liberar o uso do remédio no caso específico preserva o direito fundamental à saúde e à vida”. O Canabidiol é extraído da maconha, mas não tem efeitos entorpecentes. Sendo assim, o que será realmente discutido é quanto a sua legalização de forma recreativa.

 

Pensando a favor

Para aqueles que concordam com a legalização, um dos argumentos utilizados é o de que as pessoas, hoje, já consomem a droga mesmo sendo proibida. Então se pode considerar que já é um problema existente e não um novo problema que irá surgir com a descriminalização. Outro argumento é o de que ela deve ser considerada como um problema de saúde pública e não mais um problema de ordem penal. Pois, grande parte dos usuários, cerca de 91% destes, não desenvolve nenhum tipo de problemas relacionados à dependência e ao consumo, e os que desenvolvem e que podem causar algum dano a si mesmo e a sociedade, devem ser considerados como “pacientes em tratamento” e não como “delinquentes”. O uso da maconha faz mal e não deve ser incentivado. Outra afirmação é que quanto mais dura a proibição, mais gente usará drogas – e mais perigosas as drogas ficarão. Em razão da guerra contra as drogas, atualmente existem crianças fumando crack nas ruas de praticamente todas as cidades brasileiras, e essa covardia em lidar com a droga é o que está empurrando crianças para substâncias muito mais perigosas. No final do ano passado, no Uruguai, foi legalizada a compra, venda e o cultivo de maconha para fins medicinais e recreativos, e estabelecida a criação de um ente estatal regulador da droga, tudo isto visando afastar o traficante do usuário. “Acho que a maconha deve ser legalizada por outras razões. A principal delas é o fracasso retumbante da política de guerra às drogas”, diz o médico Drauzio Varella, que defende a experiência uruguaia; “Manter a ilusão de que a questão da maconha será resolvida pela repressão policial é fechar os olhos à realidade, é adotar a estratégia dos avestruzes”. Por fim, aqueles que são a favor da legalização, afirmam que é necessário um debate inspirado em experiências que deram certo ao redor do mundo. O Brasil tem que debater a luz das experiências já existentes no mundo, no que diz respeito à união da segurança com a saúde pública. Podendo ser usado o modelo, por exemplo, das experiências obtidas com outros países que admitiram a legalização, como os Estados Unidos, o Uruguai e a Holanda.

 

Pensando contra

O primeiro argumento dos contrários à legalização é o de contrariar a falácia de que com a regulamentação a comercialização e o narcotráfico acabaria. Uma utopia, pois existe o tráfico de tabaco nas fronteiras brasileiras, mesmo sendo o tabaco lícito no Brasil, assim como também existe o tráfico de medicamentos e de outros produtos não proibidos. Segundo esta corrente de pensamento, isto também não diminuirá a violência, pois os narcotraficantes comercializarão outras drogas. Da mesma forma que podem comercializar atualmente de forma ilegal, a maconha e demais drogas (LSD, cocaína, crack), logo encontrarão outros meios para suas investidas criminosas.

A Holanda foi o primeiro país a permitir o uso da maconha no mundo em 1976, mas, em 2012, começou a revisar suas políticas diante do aumento da criminalidade. Os crimes aumentaram não pelas ações dos holandeses, mas de turistas. Embora se afirme que o objetivo da descriminalização é o de tratar, e não punir o usuário de droga é bom que se tenha em mente que a Lei n° 11.343/2006 (Estabelece o Sisnad – Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas), no artigo 28, não determina qualquer pena privativa de liberdade àquele que adquire ou possui substância entorpecente e, além disso, trouxe um amplo programa de prevenção e combate ao consumo de drogas.

A descriminalização não resolve o problema do consumo de drogas, não elimina o narcotráfico, muito menos diminui a violência. Quando se fala em descriminalização, os que são a favor pensam apenas de forma individual, na figura do usuário e dos seus direitos fundamentais, porém esquecem dos motivos sociais que levam à proibição legal, como a proteção da saúde e a segurança da coletividade.

Segundo o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) que já se manifestou contra os argumentos de legalização da maconha e afirmou que ela é a “porta de entrada” para outras drogas. “Acho que não devemos flexibilizar a legislação em relação ao uso da maconha. Eu sou frontalmente contrário. Fazer isto é estimular o vício e dar origem a vícios ainda mais perversos”. Por fim, quando é citado que até os organismos internacionais têm pensado na possibilidade de descriminalização, isto não deve ser levado ao pé da letra, pois o propósito dos tratados não é travar uma “guerra contra as drogas”, mas simplesmente proteger a saúde física e moral da humanidade. A OMS adverte que menosprezar as leis internacionais contra as drogas piorará a situação, já que um acesso não controlado às drogas “ajuda” o risco de um aumento considerável do consumo nocivo de entorpecentes. Em qualquer caso, a descriminalização não deve representar um acesso liberado à droga, que segundo os tratados só pode ser usada para fins medicinais e científicos, mas não recreativos.

 

Números

Como afirma Eugênio Raul Zaffaroni, “vamos ouvir a palavra dos mortos”. De acordo com o Ministério da Saúde, o uso de drogas matou 40.692 pessoas entre 2006 e 2010. Desse total, 34.573 (84,9%), morreram em decorrência do abuso (não confundir com o uso) do álcool, e 4.625 (11,3%), em virtude do tabaco. Isto indica que: 96,2% das mortes diretamente relacionadas ao uso de drogas foram causadas por duas substâncias que, na atualidade, são lícitas. A droga terrivelmente mortal, o álcool, não só é comercializada legalmente, como também tem propagandas na televisão. Mas qual o motivo de se falar tanto na maconha e não em outras drogas? A tese de legalização gira em torno da maconha, pois ela é a droga ilícita mais importante, porque é a mais utilizada. Segundo a ONU, a maconha é a droga consumida por 80% dos usuários de drogas ilícitas.

De acordo com um estudo do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas da Unifesp, a maconha é consumida por mais de um milhão de brasileiros, e 7% dos adultos já fumaram pelo menos uma vez. Dentre eles, 62% tiveram o primeiro contato com a maconha antes dos 18 anos de idade. A prevalência mundial do consumo de drogas continua assim “estável” em torno de 5% da população adulta, e as mortes anuais causadas por seu consumo se situam em 210 mil pessoas. Por fim, de acordo com um relatório realizado pelos repórteres Willian Ferraz, Hugo Bross, Kaio Diniz e Vanderson Freizer, 56% dos assassinatos no Brasil têm ligação direta com o tráfico de drogas.

Diante do exposto, pode-se entender que o Brasil está preparado para a liberação da maconha? NÃO. E a casuística percebe-se é bem simples; não é que a descriminalização do uso da maconha para fins recreativos, não seja uma boa possibilidade para uma diminuição no tráfico de drogas e, por conseguinte uma redução na violência, mas sim pelo fato de que o Brasil não tem atualmente uma estrutura social que possa suportar os efeitos da legalização. Se já somos o maior mercado consumidor de crack do mundo e o segundo de cocaína, com mais de 50 mil estupros e 47 mil homicídios por ano, 58º lugar no ranking de educação no Pisa, podemos ser o maior mercado de maconha mundial, simplesmente para ilustrar a galeria de medalhas de papelão queimado? Com certeza não. Porém é louvável o debate que vem sendo feito a respeito deste e de tantos outros assuntos que por vezes são esquecidos pelos nossos representantes legais. No mundo todo, assim como no Brasil, há políticos mais interessados em assustar as pessoas para ganhar votos do que em zelar pelo interesse público. Nota-se que os governos evitam lidar com o tema das drogas e com tantos outros assuntos, que como já ditos, são verdadeiros “tabus” pela divergência de opiniões. Nossos conspícuos agentes políticos preferem não debater tais temas e assim não gerar uma reação negativa do eleitorado.

Conclui-se que é inadmissível a descriminalização! Claro que tal posicionamento se torna superficial, pois como estudante de Direito de uma Universidade particular, não vejo as mazelas e as dificuldades das pessoas que têm que lidar com o tráfico e a putrefação diária dos usuários. Cabe, portanto, a cada um de nós, tentarmos nos colocar no lugar daqueles indivíduos que sofrem com isso, e apenas posteriormente fazermos a nossa escolha e debatermos sobre a temática.

 

Autor Renan William de Deus Lima, acadêmico de Direito da Universidade Paranaense (UNIPAR).

Orientado pelo professor Luiz Roberto Prandi, doutor em Ciências da Educação (UFPE), mestre em Ciências da Educação (UNG/SP), especialista em Gestão Escolar, Supervisão e Orientação Educacional, Gestão e Educação Ambiental, Educação do Campo, Metodologia do Ensino Superior e Lengua Castellana. Autor de livros, professor titular da UNIPAR e conferencista.

Artigo publicado no jornal impresso, edição de novembro de 2014.

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