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Jornal Caderno Jurídico

Direito Constitucional

Transparência e sigilo: as complexidades do acesso aos autos em tramitação no STF

21/2/2024 às 0h42 - Henrique Verri da Silva
Arquivo Pessoal Henrique Verri da Silva “Negar ao advogado acesso aos autos é um crime. Atuação do STF, ao restringir acessos, coloca em risco a efetividade da Justiça”, explica Henrique Verri

O texto discute a complexidade e a importância do sigilo em processos judiciais, especialmente em relação ao acesso a informações por advogados no contexto do Supremo Tribunal Federal (STF). O sigilo judicial é essencial para proteger informações sensíveis e a intimidade das partes envolvidas em um litígio, mas o acesso a essas informações é crucial para que advogados defendam os interesses de seus clientes.

Nos últimos anos observou-se um cenário desafiador no STF, órgão máximo do Poder Judiciário, que lida com casos de grande relevância e muitas vezes com informações sigilosas. As restrições crescentes ao acesso a autos sigilosos levantam questões sobre a compatibilidade dessas medidas com as prerrogativas dos advogados, estabelecidas no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94).

 

Sigilo em processos judiciais

O sigilo em processos judiciais representa um dos pilares para a proteção de direitos e garantias individuais, atuando como um escudo protetor da privacidade dos sujeitos processuais, e garantindo a eficácia das diligências investigativas e da instrução probatória. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, LX, consagra o princípio da publicidade como regra, mas admite o sigilo como exceção, sempre sob o manto da proporcionalidade e da necessidade.

Pontuando que a restrição a qualquer direito fundamental, como a publicidade, deve ser interpretada restritivamente, e sempre em favor do indivíduo. A Constituição estabelece em seu artigo 102 que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” é reflexo do compromisso do Estado Democrático de Direito com a transparência e a responsabilidade.

A discricionariedade do magistrado para decretar o sigilo deve ser exercida com prudência e sempre pautada nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. É de suma importância destacar que o sigilo não pode ser utilizado como instrumento de ocultação de atos ilícitos, ou como mecanismo de perpetuação das injustiças. O momento de sua decretação, como bem apontado, é variável e dependente das peculiaridades de cada caso concreto.

É imperativo que sua duração seja limitada ao período estritamente necessário para a proteção do direito, evitando-se assim, perpetuações desnecessárias que contrariem o espírito da norma Constitucional.

 

Os métodos de acesso aos autos sigilosos

O acesso aos autos sigilosos, conforme preconizado pela legislação brasileira, é uma prerrogativa inerente ao exercício profissional dos advogados devidamente constituídos. Tal direito é assegurado pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), que em seu artigo 7º, inciso XIII, estabelece que é direito do advogado “examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos”.

Mesmo diante da clareza normativa, observa-se, em certos contextos, uma resistência injustificada por parte de algumas autoridades, que por vezes, adotam interpretações restritivas ou procedimentos pouco transparentes, cerceando o pleno exercício da advocacia. A essencialidade (obrigatoriedade) do acesso aos autos é para a garantia da ampla defesa e do contraditório, pilares do nosso sistema jurídico.

É importante destacar que, mesmo em situações de sigilo, o advogado constituído não pode ser impedido de acessar os autos. Tal entendimento é fixado pela Súmula Vinculante 14 do STF: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de Polícia Judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

Em face de eventuais restrições indevidas, o advogado dispõe de instrumentos jurídicos, como o habeas corpus e o mandado de segurança, para assegurar sua prerrogativa. Contudo, é lamentável que, em pleno Estado Democrático de Direito, tais medidas ainda se façam necessárias para garantir direitos tão elementares à prática advocatícia.

 

As travas de acesso que advogados enfrentam

Essa dificuldade vem se alongando por muito tempo e nos casos mais recentes, como os de novembro de 2022, se intensificou ainda mais. Os advogados têm enfrentado desafios significativos para acessar os processos em trâmite no STF. Essas travas têm impacto direto na capacidade dos advogados de representar seus clientes de forma eficaz e comprometem a confiança do público no Judiciário.

Os relatos envolvendo o ministro Alexandre de Moraes, conforme o artigo de Gabriel de Arruda Castro “[...] o STF determinou a realização de uma operação contra mais de 100 pessoas suspeitas de participar de atos democráticos. Agora, o advogado de um dos investigados afirma que o ministro Alexandre de Moraes dificulta o acesso aos autos”, apontam para um cenário onde, por vezes, há dificuldades de acesso aos processos, mesmo por advogados constituídos. Isso pode comprometer a ampla defesa e o contraditório.

As intervenções da OAB, como a de Beto Simonetti, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, buscam reafirmar as prerrogativas dos advogados frente às autoridades judiciárias. “A OAB Nacional solicitou ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, a apreciação dos pedidos da entidade em defesa das prerrogativas de advogados que atuam em inquéritos sob relatoria dele.”

A legislação estabelece claramente as condições em que os advogados têm o direito de se expressar ordenadamente, desempenhando um papel crucial na eliminação de confusões e equívocos nos processos. Eles garantem que os direitos de seus clientes sejam respeitados, uma prerrogativa que se estende à todas as instâncias e autoridades. A importância dessas prerrogativas reside na proteção do direito à defesa justa e ao processo legal adequado, fundamentais em um Estado Democrático de Direito.

 

É crime negar o ingresso aos processos

A prática livre da advocacia e os direitos constitucionais de ampla defesa e contraditório são protegidos por instrumentos legais, mesmo que a confidencialidade seja aceitável durante a coleta de evidências. O acesso irrestrito do advogado a processos judiciais e administrativos visa prevenir abusos e violações.

Negar ao advogado acesso aos autos do inquérito ou a investigações preliminares é considerado um crime, conforme estabelecido no artigo 32 da Lei 13.869. Essa disposição legal reforça as prerrogativas do advogado e os direitos de contraditório e ampla defesa, sendo fundamentais para a execução impecável de suas tarefas na defesa de direitos e interesses.

O Estado, em algumas situações, opta por manter certas ações sob sigilo. No entanto, essa decisão não deve, de forma alguma, prejudicar os direitos de pessoas que estejam enfrentando processos judiciais ou investigações.

Baseando-se nesse princípio, o ministro Celso de Mello decidiu a favor de uma medida cautelar, questionando a postura em manter certas ações em sigilo. Ao avaliar o caso, ele reforçou sua posição, argumentando que o mistério e a confidencialidade não devem ser usados como justificativa para atos que possam prejudicar os direitos fundamentais de um cidadão, especialmente quando este está sob análise legal.

É evidente a ênfase dada pelo ministro à transparência, ao acesso à informação e à proteção dos direitos fundamentais no âmbito jurídico. A decisão reflete uma profunda compreensão dos princípios constitucionais que regem o Brasil, rejeitando qualquer tentativa de obscurecer processos ou restringir direitos sob o manto do sigilo. A decisão do magistrado se refere a importância de garantir que os advogados tenham acesso total e irrestrito aos detalhes dos autos, assegurando a Justiça e o direito ao contraditório e a ampla defesa.

A decisão não apenas reafirma os direitos dos cidadãos, mas também fortalece a confiança na Justiça e no Estado de Direito, sublinhando que o poder, quando exercido, deve sempre ser pautado pela legalidade, equidade e respeito aos direitos inalienáveis de cada indivíduo.

 

O efeito do sigilo e a precisão do equilíbrio com o acesso à informação

O sigilo é uma prerrogativa jurídica intrínseca (pertencente) ao ordenamento jurídico brasileiro, desempenhando papel crucial na proteção de informações sensíveis e na salvaguarda da integridade dos processos judiciais. É imperativo observar que o uso desmedido do sigilo pode, de fato, comprometer pilares democráticos como a transparência e o direito fundamental de acesso à informação. Assim, é de suma importância que o sigilo seja aplicado de forma proporcional, justificada e em consonância (conformidade) com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

O sigilo, quando manejado com a devida prudência, surge como um instrumento robusto na proteção de direitos e na garantia da efetividade do processo judicial. É necessário de se assegurar ao advogado garantias que lhe confiram autonomia e independência em sua atuação, sobretudo frente às autoridades, evitando-se assim, qualquer forma de cerceamento ou obstrução ao exercício pleno da advocacia.

A transparência e o acesso à informação são direitos fundamentais diretamente ligados à democracia e estão expressamente consagrados na Constituição. Contudo, esses direitos não são absolutos e em determinadas circunstâncias podem colidir com a necessidade de proteger informações sensíveis, como as que envolvem a segurança nacional, a intimidade ou a vida privada, conforme estabelece o artigo 5º, inciso X, da Carta Magna.

O equilíbrio entre o sigilo e o acesso à informação é de suma importância, no âmbito Processual Penal. Tal perspectiva reforça a premissa de que deve prevalecer o direito do advogado de ter acesso aos autos, garantindo a efetiva defesa e o contraditório, pilares essenciais do devido processo legal.

 

Impactos com os autos em tramitação no Supremo

As limitações no acesso aos autos em tramitação no Supremo Tribunal Federal possuem implicações profundas, não apenas para os operadores do Direito, mas também à sociedade como um todo. Tais restrições - ao dificultarem a atuação dos advogados - podem comprometer a efetiva representação dos interesses das partes, e consequentemente, abalar a confiança da população no Poder Judiciário.

O sigilo intensificado em processos judiciais, especialmente àqueles de ampla repercussão social e midiática, pode conduzir a sociedade a uma postura crítica em relação à integridade e à imparcialidade das decisões emanadas do Judiciário. Tal cenário pode gerar especulações e suspeitas, acerca de possíveis interesses ocultos ou agendas particulares, que influenciem o julgamento.

A Súmula Vinculante 14 criada pelo próprio Supremo é destacada como um elemento chave na manutenção da transparência e confiança no sistema Judiciário, garantindo aos advogados o direito de acesso amplo aos processos, inclusive os que estão sob sigilo. Esse acesso irrestrito é imprescindível, não apenas reforçando a transparência e integridade do sistema, mas conjuntamente (também) consolidando o papel indispensável do advogado na defesa dos direitos e garantias fundamentais.

A restrição a esse acesso é considerada uma violação tanto ética quanto legal, podendo levar a consequências jurídicas significativas. No contexto de um Estado Democrático de Direito, enfatiza-se a importância de preservar e respeitar o direito de acesso aos processos, assegurando a confiança da sociedade nas decisões judiciais e a efetiva realização da Justiça.

Embora o sigilo judicial seja reconhecido como uma ferragem essencial, para proteger a privacidade das partes e assegurar a eficácia das investigações, o Supremo, em diversas ocasiões, tem extrapolado os limites legais ao decretar sigilo, muitas vezes de forma excessiva e sem a devida fundamentação. Essa prática, além de cercear as prerrogativas dos advogados, compromete a transparência e a confiança pública no Poder Judiciário. A atuação do STF, ao restringir o acesso aos autos de forma desproporcional, não apenas desafia o direito fundamental de acesso à informação e publicidade, mas também coloca em risco a efetividade da Justiça.

 

Henrique Verri da Silva é bacharel em Sistemas de Informação e acadêmico de Direito da Unipar Umuarama, Paraná. Escreva para henriqueverri@gmail.com.

Artigo atualizado para o Caderno Jurídico dia 12 de dezembro de 2023. Publicado no jornal impresso de 15 de dezembro de 2023, nas páginas 6 e 7. Acesse também jornalcoluna.com.br.

Artigo conta com a colaboração do professor, advogado criminalista e escritor Alessandro Dorigon.

 

Referências

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 14. Brasília, DF. [2006]. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1230#:~:text=%C3%89%20direito%20do%20defensor%2C%20no,exerc%C3%ADcio%20do%20direito%20de%20defesa.. Acesso em: 18 out. 2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. (2. Turma). Habeas Corpus nº 93767. Relator: Min. Celso de Melo. 01 de abril de 2014. Disponível em:  https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur259443/false. Acesso em: 18 out. 2023.

CASTRO, Gabriel de Arruda. Advogado diz que Moraes continua dificultando acesso aos autos, Vida e Cidadania, 25 dez. 2022. Disponível em: https://encurtador.com.br/iqBE4. Acesso em: 20 jun. 2023.

SIMONETTI, Beto. Simonetti reforça defesa de prerrogativas no Supremo Tribunal Federal, Notícias, 30 nov. 2022. Disponível em: https://encurtador.com.br/myBMN. Acesso em: 20 jun. 2023.

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