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Jornal Caderno Jurídico

ESPAÇO ACADÊMICO

Tribunais de rua. A injustiça com as próprias mãos

18/2/2017 às 20h02 | Atualizado em 20/2/2017 às 11h34 - Lucas Marin Cebrian
Lucas Marin Cebrian

As ruas tornaram-se os tribunais, a população tomou o lugar dos juízes e jurados, e passaram a aplicar penas condizentes com suas próprias leis. A tão utópica justiça cujo ideal outrora fora tema de discussão entre filósofos, hoje cedeu lugar à barbárie, ódio e vingança. A defesa, por sua vez inexiste. E os réus, são quaisquer pessoas cuja aparência se assemelhe com a de um retrato falado qualquer.

No início do mês de maio, no litoral de São Paulo, um desses “tribunais de rua” deu origem a um dos mais cruéis linchamentos já registrados em vídeo. Fabiana Maria de Jesus, de 33 anos, foi amarrada, espancada e arrastada pela rua, tendo sua face totalmente desfigurada, acabando por sucumbir aos ferimentos. O linchamento envolveu mais de duas centenas de pessoas, e o motivo foi que Fabiana se assemelhava a um retrato falado, em que a procurada era uma sequestradora de crianças.

Mãe de dois filhos, hoje se sabe que Fabiana era inocente, e necessitava de acompanhamento médico, pois a mesma tinha transtorno bipolar. A crueldade de sua morte foi o estopim para que a seguinte questão fosse colocada em pauta: A que se devem os excessivos casos de linchamento ocorridos no Brasil nos últimos meses?

Desde o início do ano, a cada mês somos surpreendidos com casos em que grupos, tomados por um sentimento coletivo de vingança, buscam fazer justiça com as próprias mãos. O primeiro caso a ganhar repercussão ocorreu no final de Janeiro, quando um adolescente acusado de praticar alguns crimes foi surrado e amarrado em um aposte na zona sul do Rio de Janeiro.

Desde então, a frequência com que ocorreram eventos semelhantes aumentou gradativamente. Cerca de uma semana depois, o mesmo se repetiu com um jovem de 26 anos em Itajaí, Santa Catarina. Enquanto que em Teresina no Piauí, um rapaz foi amarrado de modo que ficasse com sua face pressionada contra um formigueiro.

 

Origem do linchamento

Historiadores divergem no que diz respeito a real origem do termo linchamento, já que a prática possui registros desde a antiguidade. A gênese mais aceita se encontra na figura de Willian Lynch (1742-1820), um fazendeiro Americano nascido no Estado da Virgínia, que criou um tribunal privado para condenar os criminosos pegos em flagrante, e executá-los, se porventura viessem a ser considerados culpados. Do sobrenome de Willian, se originaria o nome deste fenômeno violento de difícil conceituação, chamado linchamento.

 

Linchamento institucionalizado

Há de se observar, que ainda hoje, algumas culturas em razão de suas crenças e ideologias, adotam o chamado “linchamento institucionalizado”, permitindo práticas como o apedrejamento como forma de punição. O fato que é inconcebível em um estado democrático de direito, tal como o nosso, que busca assegurar principalmente a dignidade da pessoa humana, ainda que seja no campo da utopia legalista.

Guiados por ideologias falsas, como a velha concepção de que bandido bom é bandido morto, quando um grupo de pessoas acredita estar diante de alguém como um estuprador ou pedófilo, alguns sentimentos, como o repúdio, vingança e ódio, afloram no seu estado mais cruel. Justamente neste ponto reside o maior perigo, pois quando estão em massa e movidas pelo ódio, as pessoas agem de maneira adversa daquela que agiriam se estivessem sozinhas, e passam a se comportar como uma manada de irracionais.

Retomando a questão inicialmente proposta, é extremamente difícil apontar com exatidão os motivos pelos quais se deve essa onda de linchamentos. Resposta única não há, sendo necessária uma análise completa do sistema, de suas instituições e dos problemas que os cercam.

É evidente que linchamentos não são novidade, anualmente temos diversos registros de atos iguais ou semelhantes. Sendo que em sua maioria, esses comportamentos se limitam a imobilizar o suspeito e aguardar a chegada da polícia. Todavia, não é o que se tem observado ultimamente. Percebe-se que os sujeitos envolvidos nos últimos linchamentos, não estão preocupados meramente em entregar os suspeitos as autoridades locais, mas sim agredir, espancar e humilhar da maneira mais cruel possível.

 

Justiça com as próprias mãos

Ao incorporar a figura do juiz, do jurado e do carrasco, aqueles que acreditam estar fazendo justiça com as próprias mãos, ignoram por completo o princípio da presunção de inocência, e muitas das vezes, executam pessoas inocentes, de maneira cruel e covarde.

É inaceitável que um grupo de pessoas seja capaz de matar alguém com base em suspeitas vazias, jogadas ao vento. Um simples retrato falado não pode ser em hipótese alguma, prova de que alguém seja culpado por um crime, tão pouco justificativa para linchá-la.

Sob um prisma sociológico, os linchamentos podem ser analisados como reflexos da descrença e baixa confiança da população nas instituições estatais, principalmente em relação ao poder judiciário. Barbáries como estas, expressam de maneira clara e evidente, a insatisfação de um povo que não crê mais na atuação estatal, para solucionar os problemas e conflitos que os afligem.

Desde há muito que a população carece de medidas efetivas e políticas públicas que atendam a suas necessidades. A desigualdade assola o país, e a atual gestão demonstra estar mais interessada em eventos esportivos do que nos cidadãos que morrem diariamente nos leitos de hospitais. Enquanto aguarda-se que verbas sejam destinadas a saúde e educação, somos cada vez mais informados de casos de corrupção e desvio de dinheiro público.

Some a esses fatores a péssima segurança pública fornecida, e ter-se-á um motivo mais do que suficiente para entender-se o porquê do Estado perder tanta credibilidade. E como consequência, há pessoas movidas pela insatisfação, que se julgam aptas a decidir o destino de criminosos, julgando-os e os executando cruelmente. A falta de segurança pública torna essas ondas de linchamento ligeiramente compreensíveis, porém não aceitáveis. Deve se repudiar qualquer meio que vise substituir o jus puniendi do Estado, ainda que este se mostre ineficaz.

É natural do homem que a sede de justiça seja proporcional à sede de vingança, e por um longo tempo na história os dois conceitos eram sinônimos. E a humanidade deu um grande avanço quando passou a distingui-las, de modo a ceder o papel da justiça para o Estado. Barbáries como os linchamentos nos colocam no mesmo nível intelectual que nossos ancestrais, porque a justiça quando unilateral, e não abstraída da vingança, torna-se arbitrariedade.

 

Lucas Marin Cebrian. Acadêmico do curso de Direito da Universidade Paranaense (UNIPAR).

Orientado pelo professor Valdecir Pagani. Mestre em Direito Processual e Cidadania/UNIPAR. Exerce a docência e a coordenação do Curso de Direito da UNIPAR, Campus Umuarama. Tem experiência na área de Direito Civil e Processo Civil, atuando principalmente nos temas: Responsabilidade Civil, Obrigações, CDC, Contratos, Tutela Específica, Recursos e Juizado Especial Cível.

Caderno Jurídico, versão impressa junho/2014.

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