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Jornal Caderno Jurídico

Direito Penal e Processual Penal

Pode o decreto criar requisito para restringir ou dificultar a aquisição de arma de fogo?

24/7/2023 às 21h20 - César Mariano
Divulgação César Mariano “Não é possível trazer um requisito não previsto em lei. O decreto não pode inovar. Apenas regulamentar uma lei”, explica o Procurador do MPSP César Mariano

O Decreto número 11.615, de 21 de julho de 2023, deixou evidente a intenção do novo governo de restringir e dificultar a aquisição de arma de fogo.

Tal fato é percebido pela redação do seu artigo 15 que, no inciso III, traz como exigência para a aquisição de arma de fogo de uso permitido e emissão do certificado de registro a comprovação de sua efetiva necessidade. E, complementa o dispositivo, o § 3º, que dispõe: “A comprovação da efetiva necessidade de que trata o inciso III do caput não é presumida e deverá demonstrar os fatos e as circunstâncias concretas justificadoras do pedido, como as atividades exercidas e os critérios pessoais, especialmente os que demonstrem indícios de riscos potenciais à vida, à incolumidade ou à integridade física, própria ou de terceiros.”

E é possível a criação de maior dificuldade, haja vista o Estatuto do Desarmamento, no “caput” do artigo 4º trazer como exigência apenas a declaração da efetiva necessidade e não a sua comprovação?

Não, não é possível trazer um requisito não previsto em lei, haja vista que o decreto não pode inovar, mas apenas regulamentar uma lei.

Vejam o que diz a norma legal:

“Artigo 4º – Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos: I – comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei”.

Além desses requisitos legais, somente o maior de 25 anos de idade está autorizado a adquirir arma de fogo, nos termos do artigo 28 do Estatuto, exceto os agentes públicos integrantes das entidades constantes dos incisos I, II, III, V, VI, VII e X do artigo 6º do mesmo diploma legal, que não necessitam contar com esta idade.

O Decreto 11.615/2023, no seu artigo 15, inciso VIII, exige, ainda, a apresentação de declaração do adquirente de que possui cofre ou lugar seguro, com tranca, para armazenamento das armas de fogo desmuniciadas das quais seja proprietário, de modo a adotar as medidas necessárias para impedir que menor de dezoito anos de idade, ou pessoa civilmente incapaz se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse, ou que seja de sua propriedade, nos termos do disposto no artigo 13 da Lei número 10.826, de 2003.

Note-se que os requisitos para a aquisição e registro da arma de fogo estão previstos nos incisos I, II e III do artigo 4º do Estatuto em que se exige a comprovação, ao passo que no “caput” fala-se apenas em declaração da efetiva necessidade, que são termos e circunstâncias bem diferentes.

Diferentemente ocorre para a obtenção de autorização para o porte de arma de fogo em que o artigo 10, § 1º, inciso I, do Estatuto, exige, além de outros requisitos, a demonstração da sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física.

Neste caso, não basta a mera declaração de efetiva necessidade, como a exigida para a obtenção de autorização para a aquisição de arma de fogo de uso permitido (artigo 4º, “caput”, do Estatuto). São hipóteses que deverão ser analisadas caso a caso, concretamente, sem o emprego de presunções. Por isso, é necessária prova concreta de que o interessado exerce algum tipo de atividade profissional lícita que implique risco à sua pessoa, ou que esteja sendo ameaçado, de sorte que corre o risco de ter violada sua integridade física. Demonstrada uma dessas hipóteses e presentes os demais requisitos, a autorização para o porte deve ser concedida.

Se a própria lei exige apenas a declaração da efetiva necessidade e não a sua comprovação para a aquisição e registro de arma de fogo, como ocorre com os requisitos legais, não é dado ao decreto presidencial contrariá-la e criar outro requisito, restringindo ou dificultando a compra e registro da arma de fogo.

Neste caso, o ônus da prova de demonstrar a falsidade da declaração é da Polícia Federal, ficando o declarante passível de responsabilização penal pelas inverdades ou omissões, nos termos do artigo 299 do Código Penal (falsidade ideológica).

Ademais, não há no Estatuto do Desarmamento nenhum dispositivo que exija que a arma de fogo seja guardada em um cofre ou outro local seguro e, ainda, desmuniciada, o que pode importar a redução da capacidade de pronta resposta de seu proprietário em caso de necessidade, como se defender de uma invasão, roubo, sequestro e de outros crimes em que possa usar a arma em defesa própria ou de sua família.

Outras formas existem para que o proprietário de arma de fogo impeça que menor de 18 anos idade ou pessoa civilmente incapaz se apodere de arma de fogo, o que, aliás, se ocorrer, é crime previsto no artigo 13, “caput”, do Estatuto do Desarmamento.

A aquisição e registro de arma de fogo é direito público subjetivo do cidadão e deve ser autorizado seu gozo quando presentes os requisitos legais.

Com efeito, no caso de ser indeferido o pedido pela ausência de comprovação da efetiva necessidade, preenchidos os requisitos legais, pode o prejudicado impetrar mandado de segurança para que seu direito líquido e certo de adquirir e registrar arma de fogo de uso permitido seja observado.

E cabe, ainda, ao Parlamento editar decreto legislativo para sustar esses dispositivos e outros mais que porventura existam que exorbitem o poder de regulamentar.

 

César Dario Mariano da Silva é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito das Relações Sociais - PUC/SP. Especialista em Direito Penal - ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.

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