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Jornal Caderno Jurídico

ESPAÇO ACADÊMICO

Da relativização do direito à imagem

18/2/2017 às 19h58 | Atualizado em 20/2/2017 às 11h35 - José Bruno Martins Leão
José Bruno Martins Leão

A imagem propriamente dita, a partir de uma genérica intitulação, pode ser definida como “a aparência visível do ente humano” (AFFORNALLI, 2004) que, em razão de integrar a personalidade jurídica deste, preserva sua expectativa de inviolabilidade. Com efeito, parafraseando Adriano de Cupis, citado por José Afonso da Silva, tal proteção volta-se para o aspecto físico do bem tutelado, mas, inevitavelmente, atinge sua vertente moral por via reflexa.

Corolário da análise supra é observar a existência de duas realidades distintas, embora interdependentes, que emanam da proteção concedida ao direito à imagem: a imagem-retrato e a imagem-atributo. A primeira consiste no “aspecto visual da pessoa em sua projeção exterior como seus gestos, sua voz, atitudes, traços fisionômicos” (CASTRO, 2002). Por outro lado, a segunda se verifica no resultado da interação do indivíduo com o corpo social, consubstanciando-se no “conjunto de características pelas quais o indivíduo é reconhecido, ou seja, através das quais sua personalidade é apreendida pela coletividade” (op. cit.).

Dentre os inúmeros direitos intitulados e organizados sistematicamente em patamar constitucional pode-se encontrar o famigerado direito à imagem e a sua respectiva garantia de inviolabilidade (art. 5º, X, CRFB/88). E tal localização hierárquica no ordenamento pátrio não se justifica apenas por mera deliberação legislativa sob a ótica de uma formalidade ordinária, mas em razão daquele direito ser, aos olhos da doutrina naturalista, um dos atributos fundamentais inerentes à pessoa humana e que deve ser tutelado por um Estado organizado e dotado de soberania sobre a sua constitutiva substância humana.

 

Direito à informação

Quando vem a baila qualquer ingerência que envolva o direito à imagem, os principais questionamentos se voltam para as possíveis restrições existentes àquele e qual seria o legítimo critério que fosse capaz de caracterizar o seu regular exercício, principalmente no que tange ao aspecto de sua titularidade pertencer a outrem. Em vista disso que uma das maiores controvérsias em que se encontra o direito à imagem se traduz na possível, e não raro, inevitável colisão deste com outro direito positivado da mesma forma em nível constitucional, o direito à informação.

Haja vista a complexidade do tema e a sua extensão no que tange ao acervo doutrinário pertinente, pode-se restringir a presente análise ao aspecto que prepondera na contemporaneidade e que pode se tornar, se já não o foi, objeto de calorosos debates acadêmicos. Isto é, perscrutar o principal fundamento legal e doutrinário que explica a possibilidade de coexistência entre dois direitos que, a princípio, apresentam-se como realidades completamente antagônicas: o direito à imagem e o direito à informação, que se manifesta pela liberdade de imprensa.

Criada por Gutemberg e aprimorada ao longo da história, a imprensa, no sentido lato senso, tornou- se um dos maiores meios propagadores de informação da atualidade. Entretanto, certa polêmica norteia uma determinada faceta dessa gigantesca máquina organizadora e distribuidora de informações, quando a imprensa lança mão de sua liberdade inerente, que também é legalmente concedida e preservada, e veicula em meio às suas notícias a imagem de terceiro sem a autorização deste, não estaria ela transgredindo certos limites de sua liberdade e passando a atuar de forma nitidamente ilegítima?

 

Colisão entre direitos

Se pode inferir que há colisão entre direitos, tendo em vista que este se caracterizará “quando o exercício de um por parte de seu titular esbarra no exercício de outro por parte de pessoa diversa” (op. cit.). O direito de o particular impedir que sua imagem seja exposta ao público não seria um limite expresso suficiente para inibir o exercício exacerbado da liberdade de imprensa? Então, qual é a solução para esse explícito conflito entre direitos fundamentais?

Conforme Alexandre de Moraes (2008), quando se constata que existe um conflito de direitos de natureza fundamental é necessário que se utilize o princípio da concordância prática ou da harmonização, fazendo com que os direitos conflitantes sejam aplicados no caso concreto com o menor sacrifício possível de cada um. Em outras palavras, o objetivo é fazer com que ambos os direitos sejam aproveitados, porém, para que um direito não seja completamente sacrificado devido ao choque existente com direito diverso, mister se faz que os dois sejam, de certo modo, relativizados.

A relativização do direito à imagem é admitida no ordenamento jurídico brasileiro.

Affornalli (2004) lembra que “é preciso que fique clara a diferença entre autorização para retratar uma pessoa e a autorização para a divulgação dessa imagem nos meios publicitários e de comunicação em geral”. Em outras palavras, deve-se observar necessariamente a existência de duas autorizações que se distinguem, e que também serão concedidas/colhidas ou não em momentos diferentes, pois se referem a duas realidades que emanam igualmente de um só direito expressamente protegido em nível constitucional e infraconstitucional, o direito à imagem.

Nítido está mais um dos instrumentos capazes de quebrar a impressão errônea de incondicional inviolabilidade que se atribui a esse direito individual de cunho fundamental quando o intérprete se utiliza somente de interpretações literais e restritivas: o consentimento da pessoa, física, neste caso, para que sua imagem seja retratada e disseminada à apreciação dos demais membros de determinada coletividade.

Outros direitos de relevância similar são passíveis de análise congênere. E nessa diretriz preleciona o professor André Queiroz quando lembra que um dos motivos pelos quais os direitos fundamentais, ou mais especificamente, os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º, CRFB/88) é utilização da ponderação.

Alguns casos podem ser citados a fim de demonstrar que existem outros direitos passíveis de semelhante relativização. Por exemplo, a inviolabilidade da casa também possui as suas exceções legais, pois naquela o indivíduo pode adentrar sem consentimento do morador nas hipóteses de flagrante delito, desastre, para prestar socorro, ou durante o dia em razão de determinação judicial (art. 5º, XI, CRFB/88). O sigilo da correspondência e das comunicações, de dados e das comunicações telefônicas da mesma forma possui sua restrita exceção: ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, XII, CRFB/88).

 

Autorização da imagem

O direito à imagem guarda uma determinada peculiaridade em relação a uma das dimensões de sua relativização, pois a imagem em si preserva a sua inviolabilidade, salvo, como já mencionado, quando o titular do direito venha a consentir, seja para o registro de sua imagem propriamente dita e/ou para a exposição do seu retrato ao público, ou até mesmo, em caso de relevante interesse deste. Todavia, pequena polêmica norteia o caso de a imagem retratada vier a ser exposta sem a devida anuência do titular da imagem ora capturada. Acerca dessa hipótese, prevalece o entendimento de que a divulgação da imagem não lesionará o representado caso este não adote determinado comportamento pelo qual seja possível presumir alguma forma de reprovação e/ou repulsa ao fato de seu retrato ser difundido sem a sua prévia autorização.

Affornalli (2004) prega que “o silêncio do representado não é o bastante para configurar sua autorização presumida”. A autora acentua que “necessário se faz que, além de conhecer o fato de que está sendo retratado, não manifeste qualquer ato de oposição ou de rejeição à captação de sua imagem, que manifeste concordância ou, ao menos, tolerância”.

O direito à imagem, assim como outros direitos previstos em nível constitucional e com natureza jurídica de direitos fundamentais, não é absoluto por excelência, pois existem meios capazes de relativizar aquilo que aparentemente demonstra ser de absoluta inviolabilidade. Porém, a relativização do que é inviolável não implica, necessariamente, em violação, quando se encontra caracterizado o exercício legitimado de bem que compreende a personalidade jurídica de outrem, seja através de autorização expressa ou, na falta desta, por intermédio de um comportamento que faça presumir a não reprovação do ato, ressaltando-se, todavia, que em caso de eventual colisão entre o direito à imagem e o interesse público, este deverá prevalecer mesmo sem autorização do titular daquele, uma vez que a imprensa estabelece um relevante serviço à sociedade e à efetivação do processo democrático.

 

José Bruno Martins Leão. Acadêmico do curso de Direito da Universidade Paranaense (UNIPAR).

Orientador Cláudio Cesar Orsi, graduado em Direito, mestre em Direito Processual e Cidadania, especializado em Direito Processual e Civil e Docência do Ensino Superior. Professor titular da UNIPAR, atuando como professor de Processo Civil, Bioética, Ética e Responsabilidade Civil e coordenador geral de estágio do curso Direito.

Artigo publicado na versão impressa do jornal em junho de 2014.

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