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Jornal Caderno Jurídico

Política

Cuidado com o que toleras

12/1/2023 às 21h01 - Percival Puggina
puggina.org Percival Puggina "Não é antidemocrática a conduta de um Congresso que não defende os direitos dos cidadãos e que cala perante a censura?", questiona Puggina

Disse alguém, não sei quem: “Cuidado com o que toleras. Podes estar ensinando os outros sobre como devem te tratar”.

É na esteira de sucessivas tolerâncias que a tirania avança no Brasil. Não preciso mencionar o longo caminho percorrido. Enquanto o ministro Alexandre de Moraes operava seus sigilosos, ameaçadores e inconclusos inquéritos, alegando agir em defesa da democracia e do estado de direito, a tirania estendia as mãos sobre os demais poderes do Estado e sobre a liberdade de opinião dos cidadãos.

As redes sociais haviam sido o principal instrumento através do qual a direita democrática, conservadora e liberal vencera o pleito de 2018. Era preciso minimizar essa influência. Opiniões “perigosas” sobre liberdade e valores tinham que ser contidas. O cidadão comum, com essas ideias, cuja propagação se viabilizara com as plataformas, era o adversário a ser combatido. E foi o que se viu. Queda de perfis, bloqueio de contas bancárias, desmonetizações, multas astronômicas, investigações criminais abertas para assim ficarem, etc. Os fatos e números da repressão foram pingados como “gotas de colírio” nos olhos até de quem não os queria ver.

 

A expressão vadia

“Fake news” foi a expressão vadia do vocabulário para justificar tudo, inclusive o silenciamento ou a negação da verdade.

Há meses não se consegue publicar uma nota sobre assunto de viés político sem que surjam insistentes advertências sobre o TSE como fonte de informações ou sobre o TSE e o resultado final da eleição. Para que raios a onipresença do Estado e de sua corte eleitoral em todos os conteúdos políticos das redes sociais? Que coisa mais ostensivamente cubana!

A situação que descrevo não é antidemocrática? Não é antidemocrática a conduta de um Congresso que não defende os direitos dos cidadãos e que cala perante a censura? Não é antidemocrático suprimir o acesso às redes sociais? Não é antidemocrático contratar empresa para soltar cães farejadores no espaço digital? Não é mais antidemocrático ainda cancelar redes sociais de congressistas, suprimindo-lhes os meios modernos para o pleno exercício da representação constitucionalmente a eles atribuída?

A cada avanço, um recuo. A cada abuso tolerado, mais um trecho da estrada dos abusos é pavimentado e aberto ao tráfego. Até que um dia a casa cai. É o que ensina a longa história dos povos.

 

Mentiras, fake news e artimanhas jurídicas

Deixei de usar o estrangeirismo “fake news”, que se tornou a mais vadia das expressões correntes em nosso vocabulário. Como a Geni de Chico Buarque, ela dá para qualquer um o que cada um quiser e, em seus momentos sádicos, tortura a verdade.

Na noite de 30 de outubro de 1938, milhões de ouvintes norte-americanos, sintonizados à CBS, ouviram a transmissão radiofônica de “A Guerra dos Mundos”. Durante uma hora, Orson Wells narrou uma invasão alienígena como se estivesse em curso na costa Leste dos EUA, espalhando pânico e, ao mesmo tempo, alçando sua carreira ao nível das estrelas de maior grandeza na luminosa abóboda hollywoodiana. O programa entrou para a história do rádio como um de seus capítulos mais notáveis.

Mentiras fazem parte do nosso cotidiano. Têm data própria no calendário anual.  Mentem-nos tanto que acabamos desenvolvendo intuições que nos protegem de muitas. Por outro lado, a verdade, não raro, é produto de uma trabalhosa escavação, seja dos acontecimentos de hoje, seja nas cinzas da história. A política só é o habitat de tantos mentirosos porque muitos eleitores preferem ouvi-los. Na lei de Deus, a mentira é pecado; na lei dos homens, não é crime (salvo em situações muito particulares previstas em lei).

Rejeitemos a falsidade e a mistificação. Protejamo-nos, inclusive, do autoengano. Afastemo-nos dos mentirosos. Busquemos a verdade.  Querer acabar com a mentira, contudo, é devaneio autoritário de quem sonha com um Ministério da Verdade e este é mais nocivo do que aquela.

O STF e seu braço eleitoral tantas fizeram com a expressão fake news, tanto dela abusaram para transformá-la numa espécie de crime hediondo, que acabaram por depreciar o emprego que dela fazem. Esqueceram-se da frequência com que alguns de seus ministros relativizam a Constituição, recuam das próprias verdades já explicitadas em trabalhos acadêmicos, atividades profissionais anteriores e até em decisões pretéritas como membros da corte. Aqueles que deveriam nos proteger dos abusos das plataformas, delas não se valem para sancionar quem os contraria?

No transcurso de uma campanha eleitoral, quem impôs como verdade inquestionável a inocência de Lula – a maior mistificação da década – perdeu a autoridade para imputar falsidade às afirmações alheias. Desculpem-me os divergentes, mas me sinto moralmente vinculado às minhas percepções, principalmente se do lado oposto observo, ademais, graves violações ao estado de direito.

 

Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Artigo publicado no jornal impresso de 9 de dezembro de 2022.

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